O Supremo Tribunal Federal decidiu que a condução
coercitiva, para interrogatório de réu ou investigado, prevista no artigo 260
do Código de Processo Penal, não encontra abrigo na Constituição, sob o
argumento da maioria do plenário que há nela ferimento ao direito
constitucional de a pessoa ficar em silêncio e não produzir provas contra ela
mesma.
Em votação bastante apertada, de 6 votos contra 5,
a corte julgou duas ações que enxergavam no aludido instituto explícito
desrespeito a preceitos constitucionais.
A condução coercitiva passou a ter expressiva
notoriedade e se tornou alvo de controvérsias em março de 2016, quando o juiz da
Operação Lava-Jato fez uso desse instrumento para convocar o principal político
brasileiro a depor na Polícia Federal de São Paulo.
Em razão disso, juristas, advogados,
constitucionalistas, inclusive um ministro do Supremo - que deveria ter ficado
distante dos acontecimentos, em obediência à liturgia do cargo que ocupa -, criticaram
a referida decisão, por entenderem que o político não havia se recusado a
prestar informações à Justiça.
O mencionado ministro disse que “Eu não compreendi. Só se conduz
coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que
resiste e não comparece para depor”, tendo, agora, votado pela
inconstitucionalidade da medida questionada.
Pela posição agora firmada pelo Supremo, impedindo
o uso da coerção até mesmo nos casos extremados em que parecia justificável,
aquela corte altera, por meio da sua interpretação, com força legislativa superior
ao próprio poder do Congresso Nacional, porque, ao impedir a aplicação do
citado artigo 260 do CPP, a norma nele contida perde efeito e isso significa,
por via de consequência, a anulação de ato aprovado pelo Poder Legislativo, o
que demonstra arbitrariedade e abuso de poder.
É bem provável que possa ter havido algum abuso na
aplicação da norma em questão, mas isso não significa que o seu objetivo de se
propiciar a agilidade nos procedimentos investigativos possa ficar prejudicado,
de vez que mal maior teria sido a falta de imaginação ou de inteligência de
apenas se tentar contornar as possíveis formalidades para a execução das
medidas pertinentes, a implantação da intimação prévia, a discrição nas ações
policiais e outras formas que evitem a exposição pública do réu ou investigado.
Não há a menor dúvida de que todo exagero precisa
ser eliminado dos procedimentos da incumbência da polícia e da Justiça, mas não
se pode é acabar com as conduções coercitivas, que têm importante valor, como
forma de agilização da Justiça, desde que realizadas em estrita observância às
regras constitucionais e legais.
Convém que seja ressaltado que a simples abolição
das conduções coercitivas, em toda e qualquer situação, por quem não tem
competência legislativa, abre-se enorme lacuna que certamente será acudida por
outras medidas judiciais, com peso ainda mais grave.
Pois bem, corre-se, doravante, o risco de ser institucionalizadas
outras providências discutíveis, em forma de efeito colateral, que são as
prisões temporárias, talvez com possibilidade de causarem danos ainda maiores
aos envolvidos, de vez que a Justiça não pode ficar de mãos atadas, impedida de
realizar seu trabalho institucional, embora se trate de recurso legal que
também tem sido alvo de críticas e contestações, em razão de suscitar
questionamento sobre possível emprego de forma abusiva, em algumas
circunstâncias.
Embora tenha sido voto vencido, o relator das referidas
ações ainda aventou a possiblidade de “a
condução coercitiva poder ser considerada constitucional e legítima sempre que
usada em substituição a uma medida cautelar mais dura, como a prisão temporária.”.
Não se trata aqui de defender as conduções
coercitivas irregulares havidas, mas sim de assinalar que essa forma de
procedimento, realizado com as cautelas legais e regulamentares, é instrumento
imprescindível à dinamização das investigações processuais e das decisões
judiciais, próprio para o atendimento dos anseios da sociedade, evidentemente
nesse particular.
Em
conclusão, tem-se que, mais uma vez, o Supremo houve por bem decidir importante
questão, por meio de plenário absolutamente dividido, de novo intervindo de
forma duvidoso e imprecisa na legislação que não lhe diz respeito, em
cristalina demonstração de total incompetência para tanto, porque a Carta Magna
do país estabelece clara e indiscutivelmente que aquela corte deve funcionar
somente em defesa dos princípios constitucionais.
A
decisão do Supremo não levou em conta senão os interesses dos bandidos, que
precisam ser tratados como tal, deixando muito claro que a Justiça do país deve
continuar agindo de forma capenga, sem os indispensáveis recursos capazes para
melhor combater a criminalidade.
O
Supremo Tribunal Federal precisa, com urgência, se conscientizar de que a sua
competência é de exclusiva defesa dos princípios e das normas insculpidas na
Constituição Federal, não tendo a mínima autonomia que seja para legislar como
o fez na questão de que trata a condução coercitiva, disciplinada por meio do
artigo 260 do Código de Processo Penal, que somente poderia perder eficácia por
decisão do Poder Legislativo, em acatamento de decisão interpretativa de seu
plenário, que apenas competia transmitir o seu teor para as medidas
legislativas de competência daquele poder, mas jamais impedir a eficácia de
norma cogente. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 26 de junho de 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário