terça-feira, 26 de junho de 2018

Condução coercitiva inconstitucional?


O Supremo Tribunal Federal decidiu que a condução coercitiva, para interrogatório de réu ou investigado, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal, não encontra abrigo na Constituição, sob o argumento da maioria do plenário que há nela ferimento ao direito constitucional de a pessoa ficar em silêncio e não produzir provas contra ela mesma.
Em votação bastante apertada, de 6 votos contra 5, a corte julgou duas ações que enxergavam no aludido instituto explícito desrespeito a preceitos constitucionais.    
A condução coercitiva passou a ter expressiva notoriedade e se tornou alvo de controvérsias em março de 2016, quando o juiz da Operação Lava-Jato fez uso desse instrumento para convocar o principal político brasileiro a depor na Polícia Federal de São Paulo.
Em razão disso, juristas, advogados, constitucionalistas, inclusive um ministro do Supremo - que deveria ter ficado distante dos acontecimentos, em obediência à liturgia do cargo que ocupa -, criticaram a referida decisão, por entenderem que o político não havia se recusado a prestar informações à Justiça.
O mencionado ministro disse que “Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor”, tendo, agora, votado pela inconstitucionalidade da medida questionada.
Pela posição agora firmada pelo Supremo, impedindo o uso da coerção até mesmo nos casos extremados em que parecia justificável, aquela corte altera, por meio da sua interpretação, com força legislativa superior ao próprio poder do Congresso Nacional, porque, ao impedir a aplicação do citado artigo 260 do CPP, a norma nele contida perde efeito e isso significa, por via de consequência, a anulação de ato aprovado pelo Poder Legislativo, o que demonstra arbitrariedade e abuso de poder.
É bem provável que possa ter havido algum abuso na aplicação da norma em questão, mas isso não significa que o seu objetivo de se propiciar a agilidade nos procedimentos investigativos possa ficar prejudicado, de vez que mal maior teria sido a falta de imaginação ou de inteligência de apenas se tentar contornar as possíveis formalidades para a execução das medidas pertinentes, a implantação da intimação prévia, a discrição nas ações policiais e outras formas que evitem a exposição pública do réu ou investigado.
Não há a menor dúvida de que todo exagero precisa ser eliminado dos procedimentos da incumbência da polícia e da Justiça, mas não se pode é acabar com as conduções coercitivas, que têm importante valor, como forma de agilização da Justiça, desde que realizadas em estrita observância às regras constitucionais e legais.
Convém que seja ressaltado que a simples abolição das conduções coercitivas, em toda e qualquer situação, por quem não tem competência legislativa, abre-se enorme lacuna que certamente será acudida por outras medidas judiciais, com peso ainda mais grave.
Pois bem, corre-se, doravante, o risco de ser institucionalizadas outras providências discutíveis, em forma de efeito colateral, que são as prisões temporárias, talvez com possibilidade de causarem danos ainda maiores aos envolvidos, de vez que a Justiça não pode ficar de mãos atadas, impedida de realizar seu trabalho institucional, embora se trate de recurso legal que também tem sido alvo de críticas e contestações, em razão de suscitar questionamento sobre possível emprego de forma abusiva, em algumas circunstâncias. 
Embora tenha sido voto vencido, o relator das referidas ações ainda aventou a possiblidade de “a condução coercitiva poder ser considerada constitucional e legítima sempre que usada em substituição a uma medida cautelar mais dura, como a prisão temporária.”.
Não se trata aqui de defender as conduções coercitivas irregulares havidas, mas sim de assinalar que essa forma de procedimento, realizado com as cautelas legais e regulamentares, é instrumento imprescindível à dinamização das investigações processuais e das decisões judiciais, próprio para o atendimento dos anseios da sociedade, evidentemente nesse particular.   
Em conclusão, tem-se que, mais uma vez, o Supremo houve por bem decidir importante questão, por meio de plenário absolutamente dividido, de novo intervindo de forma duvidoso e imprecisa na legislação que não lhe diz respeito, em cristalina demonstração de total incompetência para tanto, porque a Carta Magna do país estabelece clara e indiscutivelmente que aquela corte deve funcionar somente em defesa dos princípios constitucionais.
A decisão do Supremo não levou em conta senão os interesses dos bandidos, que precisam ser tratados como tal, deixando muito claro que a Justiça do país deve continuar agindo de forma capenga, sem os indispensáveis recursos capazes para melhor combater a criminalidade.
O Supremo Tribunal Federal precisa, com urgência, se conscientizar de que a sua competência é de exclusiva defesa dos princípios e das normas insculpidas na Constituição Federal, não tendo a mínima autonomia que seja para legislar como o fez na questão de que trata a condução coercitiva, disciplinada por meio do artigo 260 do Código de Processo Penal, que somente poderia perder eficácia por decisão do Poder Legislativo, em acatamento de decisão interpretativa de seu plenário, que apenas competia transmitir o seu teor para as medidas legislativas de competência daquele poder, mas jamais impedir a eficácia de norma cogente. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 26 de junho de 2018

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