quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O peso político do voto útil


O cenário político atual, que vem sendo delineado por meio das pesquisas de intenção de voto, mostra sombria perspectiva de possível segundo turno da eleição presidencial, a ser disputado entre extremistas dispostos a seguirem em frente sem qualquer perspectiva de acordo político, com vistas à obtenção do indispensável consenso nacional.
Esse fato contribuiu para a antecipada materialização da temida - pelo menos por parte dos demais candidatos, que podem ficar à deriva no curso da campanha - estratégia do que se pode chamar de “voto útil”, que nada mais é do que a intenção de se votar em determinado candidato, não em razão de suas qualidades e capacidades político-administrativas, mas sim por ele ser capaz de impedir a eleição de alguém considerado extremamente indesejado, a exemplo dos candidatos do PSL e PR, que estão liderando as pesquisas de intenção de voto, com margem de enorme dianteira dos demais candidatos, dando a impressão de que eles são inalcançáveis e já estão eventualmente no segundo turno.  
Na prática, esse movimento ganha relevo nas proximidades ou nos últimos dias antes do primeiro turno ou apenas no segundo turno, em razão da constatação de que algum dos candidatos ou os dois principais candidatos possam denotar risco ou perigo para a democracia ou os interesses do país e do povo, recurso que o eleitor tem feito uso nas últimas eleições.
Essa forma de votação, com o sentido de protesto e repúdio aos candidatos indesejáveis, por um lado ou por outro, surgiu, basicamente, a partir do discurso de radicalização do PT, com seu declarado antagonismo às “elites”, aliado ao seu comportamento arrogante perante quem demonstrasse repúdio à sua cartilha de doutrinação antidemocrática e a suas concepções arredias aos princípios da moralidade e da responsabilidade administrativa da gestão dos recursos públicos, a exemplo dos famigerados mensalão e petrolão, fazendo com que o “voto útil” parecesse, se consolidasse e se tornasse praticamente valioso voto permanente contra esse partido.
Na eleição de 2016, por exemplo, o “voto útil” ganhou relevo na votação para prefeito da cidade de São Paulo, quando, de repente, houve enorme indisposição ao PT e certamente ao então prefeito que é o atual presidenciável do partido, que foi obrigado a amargar fragorosa derrota já no primeiro turno, pasmem, para um novato e inexperiente tucano, tendo sido derrotado em todas as regiões da cidade, inclusive nos redutos petistas.
A perplexidade ocorreu porque até a véspera da eleição, as pesquisas indicavam eventual segundo turno entre o tucano e o petista, que havia ganhado energia na reta final, sem se descartar a possibilidade de vitória do tucano já no primeiro turno, como de fato aconteceu.
A chance de se impedir que o PT permanecesse com a sua característica pregação de intolerância no segundo turno, em razão, principalmente, da igualdade de tempo de exposição dos candidatos na televisão, nasceu para os paulistanos quando eles preferiram dar estrondoso corretivo ao petista, exatamente no principal colégio eleitoral do país, por meio do “voto útil”, que tem muito a ver com a situação dos indecisos e principalmente daqueles que são radicalmente contrários do PT.
Desta feita, a indiscutível radicalização do PT suscitou seu antípoda de extrema perfeição, o colérico movimento bolsonarista, que tem atraído fiéis e barulhentos seguidores, os quais estão pouco se importando se o candidato sabe ao menos o tamanho da encrenca que terá de enfrentar na hipótese de ser eleito presidente do país, porque o que importa mesmo é que o capitão foi transformado no verdadeiro paladino do antipetismo, algo de suma importância para a atual política brasileira.
Não há a menor dúvida de que o risco do enfrentamento já se tornou cáustica realidade e o mais perigoso dos cenários já foi inexoravelmente caracterizado, em que os extremos representam o mais radical antagonismo dos últimos tempos, evidenciando com isso que a política tradicional cede lugar, em razão da sua quase impotência, por mais que os envolvidos reclamem desse quadro político de realidade imutável.
A verdade é que o candidato ultradireitista aparece com incontestável liderança em plena consolidação, à vista das pesquisas de intenção de voto, enquanto na sua proximidade surge o candidato petista, que demonstra ter herdado parte expressiva do capital eleitoral de seu poderoso padrinho.
Em princípio, o presidenciável carioca demonstra não ser muito favorável ao diálogo, que é reconhecido como a essência na democracia moderna, enquanto o petista tem como bandeira projeto liberticida de poder, que encarna o frescor do ranço da corrupção política e o desprezo pelos fundamentos da economia como método, a vista do desastre da última gestão interrompida pelo meio do caminho, em muito boa hora, antes que o Brasil fosse conduzido às profundezas do abismo.
À toda evidência os referidos candidatos estão na disputa eleitoral muito mais por conveniência pessoal ou até mesmo partidária e ambos, infelizmente, nada têm para oferecer como contribuição capaz para solucionar as robustas crises nacionais.
É de todos sabido que o ex-capitão já demonstrou que não está nada preocupado com a sua falta de qualificação e preparo para exercer o cargo presidencial, como bem demonstra o seu currículo como parlamentar pouco atuante e nada interessado sobre as questões nacionais
No caso do petista, sabe-se que ele integra justamente o partido responsável pelo surgimento das terríveis crises, principalmente a econômica, não tendo o menor respaldo para garantir absolutamente nada, em termos de saneamento das mazelas criadas e alimentadas nas hostes de seu ambiente partidário, além de ter sido considerado um dos piores prefeitos da cidade de São Paulo, tanto que foi derrotado logo no primeiro turno por um tucano neófito na política.
É induvidoso de que a participação dos mencionados candidatos não somente enseja temível guerra ideológica, cuja superação certamente poderá suscitar o agravamento da já complicada e difícil situação do país, que bem merece urgente e radical transformação da mediocridade administrativa dos últimos governos em substancial gestão da coisa pública, sob a tutela de estadista cônscio da extrema responsabilidade de soerguimento da nação que ainda patina desequilibrada no lamaçal da incompetência e da ineficiência administrativas.
Não constitui nenhuma novidade que, a pouco mais de dez dias do primeiro turno, a campanha pelo “voto útil” se agigante e se torne preocupante tanto contra o presidenciável ultradireitista como contra o petista ou contra ambos, simultaneamente, porque parece que essa foi a possível hipótese escolhida na tentativa de que o pior seja consagrado antecipadamente nas urnas.
Por via de consequência, não tem nem como se imaginar, por minimamente que seja, qualquer discussão, que seria essencial, em se tratando justamente de campanha presidencial, de planos de governo, o que vale dizer que o eleitor, no momento, é obrigado, nesse ambiente de “voto útil”, a fazer sua escolha não na base, especificamente, ao que propõem os candidatos, mas sim levando em conta quem teria mais chance de se evitar desastre ou trágico desfecho eleitoral, evidentemente com monumental prejuízo para os interesses do Brasil.
Diante da inevitável degradação da política brasileira, há que se lastimar que, no calor da campanha eleitoral, para a escolha do mandatário do Brasil, poderia estar se discutindo equacionamentos dos gravíssimos problemas nacionais e as adequadas soluções para eles, mas o debate eleitoral foi descambado naturalmente para a monopolização por ferrenha disputa entre minorias radicais.
É inevitável o lamento, nesse esdrúxulo cenário de embate político de extremismos antidemocráticos, por que o “voto útil”, que tem legitimidade, seja utilizado como remédio no jogo da democracia, nem que seja para agir em punição aos extremistas e sinalizar para o desejo do restabelecimento do valor do diálogo político, em benefício do saudável aperfeiçoamento dos princípios democráticos. Acorda, Brasil!
Brasília, em 26 de setembro de 2018

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