quinta-feira, 15 de abril de 2021

Aguardar sinalização?

 

O presidente da República disse, ontem, que aguarda "uma sinalização do povo para tomar providências", a respeito das consequências econômicas causadas pela pandemia da covid-19, entre elas o aumento da fome e da miséria.

Ao comentar a atuação do Supremo Tribunal Federal, o presidente afirmou que não quer brigar com ninguém, mas, segundo ele, "estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil".

O presidente declarou que "O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí. Não vê quem não quer".   

O presidente disse, em conversa com apoiadores, na saída do Palácio do Planalto, que "alguns" pedem providências imediatas, tendo reforçado que fará "o que o povo quiser" que ele faça.

Em tom severamente ameaçador, o presidente afirmou: "Amigos do Supremo Tribunal Federal, daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui. Vi que um ministro despachou um processo pra me julgar por genocídio. Olha, quem fechou tudo e está com a política na mão não sou eu. Agora, não quero brigar com ninguém, mas estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil", tendo acrescentado que ainda "há tempo de mudar. É só parar, usar menos a caneta e mais o coração".

Essa direta advertência ao Supremo Tribunal Federal decorre de o fato de uma ministra ter pedido ao presidente da Corte para a inclusão em pauta de julgamento referente à notícia-crime contra o presidente do país, por suspeita de genocídio contra as populações indígenas durante a pandemia do novo coronavírus.

Outro fato que também incomodou bastante o presidente diz respeito à determinação de outro ministro do Supremo, que já foi referendada pelo plenário da corte, para que o Senado Federal instale Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),  para investigar a atuação do governo federal na pandemia.

À vista dos casos mencionados acima, não há qualquer motivo para que o presidente se sinta atingido na integridade das funções presidenciais, visto que as medidas até aqui adotadas pelo Supremo estão em absoluta harmonia com o ordenamento jurídico pátrio, ou seja, os atos questionados são decorrentes das atribuições institucionais da corte.

No caso da instalação da CPI, o ministro apenas atendeu recurso normal de dois senadores, que alegaram que o presidente do Senado havia engavetado, sem justificativa plausível, o pedido aprovado por senadores, quando a norma constitucional determina simplesmente a instauração, quando forem atendidos os requisitos para isso, o que foi o caso, ou seja, tudo conforme o figurino, no âmbito do direito do exercício de se recorrer ao Supremo pelos senadores.

No que se refere à notícia-crime, o Supremo precisa julgar denúncia feita por parlamentares sobre atos praticados pelo governo, por ação ou omissão, o que também, nesse ponto, em nada difere da competência constitucional do Supremo, que não pode deixar de exercer as suas funções institucionais, em razão de incômodos causados ao mandatário do país, por achar que precisa do apoio do povo para a prática de possíveis atos discricionários, em retaliação ao Supremo, conforme consta das suas explícitas intenções, sob a alegação de que o Brasil está no limite.      

O povo votou nesse cidadão na esperança de que ele tivesse o mínimo de sabedoria e compreensão sobre a realidade das nobreza e grandeza da responsabilidade de governar o Brasil, sem o mínimo de sobressalto, a ponto de tentar a criação de atos de exceção democrática.

Ao que tudo indica, por enquanto, ele ainda não se conscientizou de que já foi eleito, mas continua fazendo o pífio papel de candidato presidencial, não aceitando assumir o trono que, de fato e de direito, é dele.

Não existe nada mais irracional do que esse anúncio presidencial da espera da "sinalização do povo" para se agir sobre algo que, à luz do princípio constitucional da transparência, não faz o menor sentido que seja adotado às escuras e sem o conhecimento prévio do povo, que tem o direito conhecer as medidas para então concordar ou não com elas, porque, ao contrário disso, há flagrante violência ao referido princípio.

O governo sério, capaz, competente e responsável pelos destinos do país como o Brasil não tem o mínimo direito de propor medida tão indecente como essa de querer o respaldo do povo para agir sobre algo tão obscuro quanto às ideias que estão por trás desse pensamento indecente e indigno, à luz do princípio da transparência, que é dos pilares da democracia.  

À primeira vista, é lícito se imaginar que essa ideia absurda tenha as piores características de pensamento revolucionário, respaldado em ato mórbido de exceção, que não se compadece com os saudáveis princípios democrático e republicano.

A situação da governabilidade atual do Brasil parece complicadíssima, quando o mandatário pós na cabeça que espera que o povo diga o que precisa fazer, dando autorização para agir conforme o seu pensamento, que não deve ser nada salutar para o interesse público, porque se o fosse ele teria a dignidade de anunciá-lo previamente para os brasileiros, expondo exatamente o que ele pretende fazer, com base nas ideias tais e tais.

Infelizmente, por enquanto, essas ideias só ele e Deus podem imaginar e certamente o que elas representam, que certamente não serão nada diferentes de vingança, retaliação ou truculência e, o pior, sem nenhuma responsabilidade pessoal, porque a desgraça, depois de deflagrada, passaria a ter o respaldo dos ingênuos brasileiros, sendo muitos dos quais se acham igualmente injustiçados, em apoio ao grande idealista desse cenário bufo e horroroso.

Senhor presidente, à toda evidência, o Brasil não está no limite, mas sim o seu nível de pensamento e tolerância, que pretende agir, com o respaldo do povo, para praticar ato fora da normalidade e possivelmente em desarmonia com os princípios democrático e republicano, porque, ao contrário disse, não haveria necessidade dessa tão sonhada “sinalização”, que tem cara de algo ditatorial, discricionário e bem estranho aos costumes de civilidade, racionalidade e verdade, estes que são próprios dos governos transparentes e cônscios da sua responsabilidade pertinente à administração do país sob equilíbrio e tranquilidade, de modo a apenas satisfazer aos requisitos de satisfatoriedade do interesse público.

Se os fatos que incomodam o presidente forem motivados pela fome, a miséria e o desemprego, como alegados por ele, não haveria, por isso, qualquer necessidade para que o presidente dependesse da sinalização do povo para agir, porque ato visando ao saneamento de questão com essa origem não precisa do aval do povo, porque ele já integra o rol das suas atribuições presidenciais, o que, se isso é verdade, somente haveria a confirmação da incompetência gerencial do mandatário, que precisa agir com urgência nas situações difíceis colocadas no seu governo.

Contrário senso, causa enorme perplexidade o presidente do país alegar que espera a “sinalização do povo” para agir, porque isso acena para medidas nada agradáveis, diante de o fato de nem os generais terem concordado com elas, à vista da recente exoneração de altos comandos das Forças Armadas, que não aceitaram a absurda politização pretendida por ele, que vem certamente engendrando iniciativas nada republicanas, à vista do seu sentimento externado para o seu público alvo, na esperança de merecer acolhida para algo com ares ditatoriais.

Com a negação das Forças Armadas ao inaceitável plano revolucionário em curso, o presidente houve por bem mirar como alvo o povo, para obter dele o aval para a implementação de possível estrepolia que fora rechaçada por quem garantiria a sua “legitimidade” com base na espada, o que seria bem diferente do que ele pretende agora, por meio do respaldo do povo.     

Em princípio, há toda pertinência por parte do presidente do país em esperar que a sua ideia possa ser implementada após a sinalização do povo, porque é exatamente assim que o governo democrático, competente e responsável procede, ouvindo o povo, em se tratando de medida da maior importância para o Brasil e os brasileiros, naturalmente na esperança de que ela esteja absolutamente em sintonia com os ditames do ordenamento jurídico e os princípios republicano e democrático.  

Assim, convém urgentemente que o presidente do país se conscientize de que o Brasil precisa retomar os caminhos do progresso e do desenvolvimento socioeconômico, porém em clima de tranquilidade institucional, com o devido respeito aos atos praticados pelos poderes da República, em estrita obediência ao ordenamento jurídico pátrio, conforme compromisso demandado no ato de posse, além da necessidade da consolidação dos princípios republicano e democrático.

É extremamente preocupante que o Brasil tenha governante com esse triste e deplorável sentimento de retaliação, exatamente quando ele, no exato momento, tem obrigação institucional de priorizar as atenções para o combate à pandemia do coronavírus, que já foi capaz de matar mais de 360 mil brasileiros, mas essa tragédia humanitária tem sido incapaz para despertar o mínimo de sentimentos e preocupação para a mobilização do povo, no sentido de se adotar todas as forças em conjunto com o resto da sociedade, para, em primeiro plano, se buscar alternativa de medidas mais efetivas contra a Covid-19.

Diante da mentalidade nada transparente do presidente da República, concito os brasileiros cônscios da sua responsabilidade cívica e patriótica, a lançarem campanha nacional, no sentido de dizer, em alto e bom som, para quem, no presente momento, tem a esperança de receber do povo não o sinal pretendido conforme quer, mas sim o de que, à unanimidade, a população deseja que o governo já deva imediatamente resolver trabalhar em prol da mobilização nacional contra a tragédia que se abate sobre a saúde e a vida dos brasileiros, deixando muito claro que, quem tiver com a mente voltada para outros planos, é preferível que esclareça o quanto antes seus mirabolantes projetos, que, por certo, são em detrimento da prioridade das prioridades, no presente momento, que é o combate à pandemia do novo coronavírus.

Brasília, em 15 de abril de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário