sábado, 3 de abril de 2021

Aos amigos, tudo...

Em tempos bem antigos, o célebre filósofo italiano Maquiavel criou pequenina frase, que se tornou famosa, que muitos governantes gostam de recorrer a ela, por retratar a realidade ao gosto deles, a qual diz que “Aos amigos, tudo; aos inimigos a lei”, segundo consta redigida no livro O Príncipe.

Embora com muita discrição, mas sem conseguir acobertar o fato em si, o presidente da República acabou se revelando hábil seguidor do maquiavelismo, quando sempre deixa rastro de nada louváveis exemplos de gestor de recursos públicos, tendo como pano de fundo a alimentação do recriminável fisiologismo, como  artimanha para o emplacamento de agrados e benefícios para a sua base de apoio político.

O mais recente imperdoável escândalo foi materializado com relação às igrejas e aos templos religiosos, com o injustificável perdão de dívidas tributárias bilionárias, que atingem o suntuoso valor de R$ 1,4 bilhão, cujo destino dos recursos pertinentes não chega a ser difícil de se saber.

Outro monstrinho orçamentário está sendo trabalhado pela primeira-dama do país, que cogita ajudar na consolidação do projeto de poder do seu marido, com a aprovação de verba no valor R$ 5 bilhões para beneficiar quem tem a visão monocular, ou seja, cegueira em um olho.

Nesse linha de compreensão orçamentária, os militares também foram lembrados com o privilégio, porque eles serão os únicos servidores públicos com reajuste salarial garantido, cuja liberalidade custará mais de R$ 7,1 bilhões.

Tudo isso tem como alvo a reeleição, em 2022, sendo necessária a consolidação da sua base de apoio político, em setores estratégicos que rendem fartura de votos.

Na outra ponta importante do diálogo, milhões de pessoas estão aguardando o pagamento do auxílio emergencial, mesmo reduzido para faixa entre R$ 150 e R$ 375 e os beneficiários formam expressivos 45 milhões de pessoas, em comparação a 68 milhões de brasileiros, em 2020.

No jogo político, o presidente troca as necessidades da nação por vantagens para apoiadores, conforme a pequena mostra acima.

Nessa linha de raciocínio, o presidente vetou o perdão da dívida de R$ 1,4 bilhão para igrejas e tempos evangélicos, ao tempo em que fez apelo aos parlamentares, pedindo apoiou para a derrubada do próprio veto, em atitude a mais antirrepublicana para os princípios da dignidade e da moralidade no cargo público, em se sabendo que o principal motivo do seu veto ao perdão teria sido o temor de ele incorrer no crime de responsabilidade fiscal.

A verdade é que o presidente contou com amplo e maciço apoio dos evangélicos, no pleito eleitoral e tem, por isso, forte ligação com as lideranças religiosas do setor, mas nem por isso ele tem o direito de ser promíscuo com a gestão de recursos públicos, que tem como vinculação o estrito senso de responsabilidade de autonomia quanto à sua junção umbilical ao interesse público, o que significa dizer que a atitude do  presidente tende a se firmar como de defesa explícita à causa de segmento religioso, em indiscutível desvio da função pública, e isso pode implicar em responsabilização funcional.

A forma imprópria do populismo seguida, às claras, pelo presidente contraria a comprimidíssima agenda econômica, mas ele a mantém, mesmo sob forte indício da prática de irresponsabilidade fiscal, que pode se caracterizar como crime contra a administração pública.

Um especialista em matéria tributária afirmou que “seria interessante que os órgãos competentes apurassem eventual crime de responsabilidade, já que é de difícil compreensão perdão de dívidas superiores em R$ 1 bilhão”, no caso de comprovação, que nem chega a ser nada difícil, porque isso foi publicado na mídia, quanto à deliberação sobre a anuência do presidente do país, na derrubada do seu veto, com relação a essa matéria.

De igual modo ocorre com a proposta de injetar o valor de R$ 5 bilhões, por ano, para pessoas com cegueira em um olho, por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é outra medida populista e que dialoga estreitamente com a torcida bolsonarista.

Estudos indicam que 400 mil pessoas seriam beneficiadas com um salário mínimo ao mês, em projeto que mais se aproxima de finalidades públicas, em relação à perdão de dívidas tributárias, por haver o sentido de se beneficiar pessoas com deficiência de parte da visão, mas a sua maior gravidade parte do interesse defendido justamente pela primeira-dama do país, que é a “garota propaganda” da medida, que já entrou em conflito com os ministérios da Economia e da Cidadania, porque o impacto fiscal é tamanho que a recomendação técnica exige que o presidente vete a iniciativa.

Uma deputada do PSL-SP afirmou, com relação ao aludido gasto, que “Bolsonaro está fazendo cortesia com o chapéu alheio e vai transferir a conta para a população que não foi beneficiada”.

É interessante que as pessoas que defendem o presidente não conseguem vislumbrar que ele vem escrevendo a sua história exatamente por vias que somente seja publicado e divulgado aquilo que não tenha implicação com a facilitação com agraciamentos a amigos do “rei”, como são os casos descritos acima e muitos outros similares.

Em ato editado recentemente, o governo concedeu anistia de multas milionárias aplicadas a desmatadores ambientais, precisamente por imposição legal, em defesa do meio ambiente, que o governo ainda jura que vem fielmente defendo, mas deixa às claras o perdão gigantesco perdão de criminosos da natureza, ficando explícita a materialidade da cumplicidade governamental com bandidos que atuam contra a natureza.

Nessa linha de procedimentos, as tarifas de importação de armas de fogo foram zeradas, sem que haja qualquer justificativa para tamanha barbaridade social.

Ainda pesa fortemente em condenação a atos do governo a discussão dentro do Congresso Nacional, baseada em liberação de emendas e oferta de cargos políticos para integrantes do Centrão, que tem como especialidade o escrachado fisiologismo e a participação em de barganhas.

É bom que fique claro que a conquista do presidente do país nas casas legislativas comprova o alinhamento da política do toma lá dá cá como método de governo, que ainda tem sido defendido como aquele homem público certinho, que cumpre rigorosamente a agenda da legalidade e da constitucionalidade, quando, na verdade, os verdadeiros princípios republicano e democrático repudiam todo e qualquer desvio de finalidade na execução dos recursos públicos, mesmo que seja somente o de ser conivente com o perdão de dívidas fiscais de igrejas ou qualquer outro caso que não esteja absolutamente regido pelo figurino da lisura e da legitimidade.  

É muitíssimo deplorável que os fanáticos que defendem a integridade moral do presidente da República não consigam perceber que ele somente teria condições de contar com o apoio de parlamentares com a liberação de emendas parlamentares milionárias, farta distribuição de cargos públicos e benefícios para grupos de apoio, que também atuam no Congresso, e tudo isso foge completamente dos parâmetros da honestidade, da dignidade e da moralidade ínsitos da administração pública.

Enfim, as referidas medidas ferem de morte o sentido primordial do interesse público, diante da concessão de benefícios fiscais e outras medidas estritamente discricionárias, com nítido viés que concorrem indiscutivelmente para prejudicar a arrecadação orçamentária, ou seja, o presidente da República não tem o menor pudor em ser bonzinho para com determinadas classes de brasileiros, sem causa justificada, em detrimento de programas governamentais que poderiam receber recursos para a realização de obras e serviços em benefício de população carente.

 Brasília, em 3 de abril de 2021


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