Em
tempos bem antigos, o célebre filósofo italiano Maquiavel criou pequenina frase,
que se tornou famosa, que muitos governantes gostam de recorrer a ela, por
retratar a realidade ao gosto deles, a qual diz que “Aos amigos, tudo; aos
inimigos a lei”, segundo consta redigida no livro O Príncipe.
Embora
com muita discrição, mas sem conseguir acobertar o fato em si, o presidente da
República acabou se revelando hábil seguidor do maquiavelismo, quando sempre
deixa rastro de nada louváveis exemplos de gestor de recursos públicos, tendo
como pano de fundo a alimentação do recriminável fisiologismo, como artimanha para o emplacamento de agrados e
benefícios para a sua base de apoio político.
O
mais recente imperdoável escândalo foi materializado com relação às igrejas e aos
templos religiosos, com o injustificável perdão de dívidas tributárias bilionárias,
que atingem o suntuoso valor de R$ 1,4 bilhão, cujo destino dos recursos
pertinentes não chega a ser difícil de se saber.
Outro
monstrinho orçamentário está sendo trabalhado pela primeira-dama do país, que
cogita ajudar na consolidação do projeto de poder do seu marido, com a
aprovação de verba no valor R$ 5 bilhões para beneficiar quem tem a visão
monocular, ou seja, cegueira em um olho.
Nesse
linha de compreensão orçamentária, os militares também foram lembrados com o
privilégio, porque eles serão os únicos servidores públicos com reajuste
salarial garantido, cuja liberalidade custará mais de R$ 7,1 bilhões.
Tudo
isso tem como alvo a reeleição, em 2022, sendo necessária a consolidação da sua
base de apoio político, em setores estratégicos que rendem fartura de votos.
Na
outra ponta importante do diálogo, milhões de pessoas estão aguardando o
pagamento do auxílio emergencial, mesmo reduzido para faixa entre R$ 150 e R$
375 e os beneficiários formam expressivos 45 milhões de pessoas, em comparação a
68 milhões de brasileiros, em 2020.
No
jogo político, o presidente troca as necessidades da nação por vantagens para
apoiadores, conforme a pequena mostra acima.
Nessa
linha de raciocínio, o presidente vetou o perdão da dívida de R$ 1,4 bilhão
para igrejas e tempos evangélicos, ao tempo em que fez apelo aos parlamentares,
pedindo apoiou para a derrubada do próprio veto, em atitude a mais antirrepublicana
para os princípios da dignidade e da moralidade no cargo público, em se sabendo
que o principal motivo do seu veto ao perdão teria sido o temor de ele incorrer
no crime de responsabilidade fiscal.
A
verdade é que o presidente contou com amplo e maciço apoio dos evangélicos, no
pleito eleitoral e tem, por isso, forte ligação com as lideranças religiosas do
setor, mas nem por isso ele tem o direito de ser promíscuo com a gestão de
recursos públicos, que tem como vinculação o estrito senso de responsabilidade
de autonomia quanto à sua junção umbilical ao interesse público, o que
significa dizer que a atitude do presidente
tende a se firmar como de defesa explícita à causa de segmento religioso, em
indiscutível desvio da função pública, e isso pode implicar em responsabilização
funcional.
A
forma imprópria do populismo seguida, às claras, pelo presidente contraria a comprimidíssima
agenda econômica, mas ele a mantém, mesmo sob forte indício da prática de
irresponsabilidade fiscal, que pode se caracterizar como crime contra a
administração pública.
Um
especialista em matéria tributária afirmou que “seria interessante que os
órgãos competentes apurassem eventual crime de responsabilidade, já que é de
difícil compreensão perdão de dívidas superiores em R$ 1 bilhão”, no caso
de comprovação, que nem chega a ser nada difícil, porque isso foi publicado na
mídia, quanto à deliberação sobre a anuência do presidente do país, na
derrubada do seu veto, com relação a essa matéria.
De
igual modo ocorre com a proposta de injetar o valor de R$ 5 bilhões, por ano,
para pessoas com cegueira em um olho, por meio do Benefício de Prestação
Continuada (BPC), que é outra medida populista e que dialoga estreitamente com
a torcida bolsonarista.
Estudos
indicam que 400 mil pessoas seriam beneficiadas com um salário mínimo ao mês,
em projeto que mais se aproxima de finalidades públicas, em relação à perdão de
dívidas tributárias, por haver o sentido de se beneficiar pessoas com deficiência
de parte da visão, mas a sua maior gravidade parte do interesse defendido justamente
pela primeira-dama do país, que é a “garota propaganda” da medida, que já entrou
em conflito com os ministérios da Economia e da Cidadania, porque o impacto
fiscal é tamanho que a recomendação técnica exige que o presidente vete a
iniciativa.
Uma
deputada do PSL-SP afirmou, com relação ao aludido gasto, que “Bolsonaro
está fazendo cortesia com o chapéu alheio e vai transferir a conta para a
população que não foi beneficiada”.
É
interessante que as pessoas que defendem o presidente não conseguem vislumbrar que
ele vem escrevendo a sua história exatamente por vias que somente seja
publicado e divulgado aquilo que não tenha implicação com a facilitação com agraciamentos
a amigos do “rei”, como são os casos descritos acima e muitos outros similares.
Em
ato editado recentemente, o governo concedeu anistia de multas milionárias aplicadas
a desmatadores ambientais, precisamente por imposição legal, em defesa do meio
ambiente, que o governo ainda jura que vem fielmente defendo, mas deixa às
claras o perdão gigantesco perdão de criminosos da natureza, ficando explícita
a materialidade da cumplicidade governamental com bandidos que atuam contra a
natureza.
Nessa
linha de procedimentos, as tarifas de importação de armas de fogo foram zeradas,
sem que haja qualquer justificativa para tamanha barbaridade social.
Convém
assinalar que governo justo e interessado em praticar atos exclusivamente em
defesa do interesse público, jamais se permitiria a concessão de benefício ou o
perdão de dívidas tributárias senão levando-se em consideração a situação isonômica
que pudesse abranger igualitariamente a todos.
Isso
vale dizer que o perdão da dívida das igrejas teria que abranger todas as dívidas
nas mesmas condições e, igual modo, a concessão de benefício pecuniário a determinado
segmento social, como no caso dos caolhos, haveria necessidade da sua extensão a
todos os deficientes, como aqueles que têm uma perna, um braço, um pé e assim
por diante, sem privilégio nem discriminação, como é o caso do benefício defendido
pela primeira-dama, que é justo, mas qual mesmo o motivo pelo qual os demais
deficientes são igualmente abrangidos?
Ainda
pesa fortemente em condenação a atos do governo a discussão dentro do Congresso
Nacional, baseada em liberação de emendas e oferta de cargos políticos para integrantes
do Centrão, que tem como especialidade o escrachado fisiologismo e a participação
em de barganhas.
É
bom que fique claro que a conquista do presidente do país nas casas
legislativas comprova o alinhamento da política do toma lá dá cá como método de
governo, que ainda tem sido defendido como aquele homem público certinho, que
cumpre rigorosamente a agenda da legalidade e da constitucionalidade, quando, na
verdade, os verdadeiros princípios republicano e democrático repudiam todo e qualquer
desvio de finalidade na execução dos recursos públicos, mesmo que seja somente
o de ser conivente com o perdão de dívidas fiscais de igrejas ou qualquer outro
caso que não esteja absolutamente regido pelo figurino da lisura e da legitimidade.
É
muitíssimo deplorável que os fanáticos que defendem a integridade moral do
presidente da República não consigam perceber que ele somente teria condições de
contar com o apoio de parlamentares com a liberação de emendas parlamentares
milionárias, farta distribuição de cargos públicos e benefícios para grupos de
apoio, que também atuam no Congresso, e tudo isso foge completamente dos parâmetros
da honestidade, da dignidade e da moralidade ínsitos da administração pública.
O
governo com o mínimo de sensibilidade e ciente do dever e da responsabilidade administrativos,
na forma do estrito compromisso com a legalidade e a defesa do interesse público,
certamente teria evitado todos os atos públicos como os acima elencados, porque
são todos passíveis de questionamento e de responsabilização por desvio de
finalidade pública, à luz dos princípios republicanos e do ordenamento jurídico
pátrio.
Enfim,
as referidas medidas ferem de morte o sentido primordial do interesse público,
diante da concessão de benefícios fiscais e outras medidas estritamente
discricionárias, com nítido viés que concorrem indiscutivelmente para
prejudicar a arrecadação orçamentária, ou seja, o presidente da República não tem
o menor pudor em ser bonzinho para com determinadas classes de brasileiros, sem
causa justificada, em detrimento de programas governamentais que poderiam receber
recursos para a realização de obras e serviços em benefício de população carente.
Brasília, em 3 de abril de 2021
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