segunda-feira, 26 de abril de 2021

Cadê a transparência?

 

Vem circulando, nas redes sociais, vídeo referente à live do presidente da República, no qual, mais uma vez, ele faz emocionante apelo aos brasileiros, com o máximo de veemência, com vistas à obtenção de maciço apoio do povo para fazer, com o respaldo popular, algo em defesa da liberdade, segundo é dito no discurso dele, sem que o conteúdo de importante medida “salvadora” seja declinada na ocasião, como é do deve dele.

O aludido apelo, que tem o acompanhamento de fortes imagens do presidente mostrando os efeitos da cirurgia realizada em razão da facada sofrida por ele, é vazado nos seguintes termos: “Quanto mais atiram em mim, de forma covarde, por parte da sociedade, mais vem enfraquecendo quem pode resolver a situação. Como é que eu posso resolver a situação? Eu tenho que ter apoio. Se eu levantar a minha caneta Bic, falar: Shazan, eu vou ser ditador. Vou ficar sozinho nessa briga! O meu Exército, que tenho falado o tempo todo, é o povo. Eu sempre digo que eu devo lealdade absoluta ao povo brasileiro. Esse povo está todo na sociedade, inclusive no Exército fardado. A vocês eu devo lealdade. Eu faço o que vocês quiserem. Eu faço o que vocês quiserem, porque essa é a minha missão de chefe de Estado. Aquele que abre mão de um milímetro da sua liberdade, em troca de segurança, seja o que for, não terá nada no futuro. Eu sou a pessoa, queira ou não, critique ou não, me ofenda ou não, que possa garantir a sua liberdade.”.     

O discurso do presidente do país estarrece pela contundência em mostrar que os brasileiros correm seríssimo perigo quanto à iminência da perda de liberdade e somente ele tem condições de evitar a catástrofe anunciada, embora tudo ainda se situa no cenário do imaginário, porquanto ele não precisa a verdadeira situação que pode levar ao abismo vislumbrado à vista e as medidas precisas para evitá-lo.

O presidente brasileiro demonstra terrível desespero no seu trono, ao pretender proteger a sociedade, que, segundo ele, encontra-se em perigo, mas por desconhecidas motivações, ele se esquece de detalhar o preciso objeto da situação e o mais importante que se refere ao seu antídoto, ou seja, exatamente o que pode ser perigoso contra os brasileiros e que ele entende que precisa fazer para salvar o seu rebanho que se encontra correndo perigo de perder a liberdade.

Há ainda o ponto especialíssimo do discurso presidencial, que diz respeito ao massacre que ele vem sendo sistematicamente atacado e agredido, por meio de covardes tiros disparados contra ele, por parte da sociedade, fato este que o coloca como vítima, que vem sendo criticado e ofendido, evidentemente sem motivação, talvez porque ele se coloca como o verdadeiro salvador dos brasileiros.

Não deixa de ser muito estranho, para os tempos modernos, o mandatário da nação querer, a todo custo, ter o apoio do povo, implorando por ele, para fazer o que ele quiser, mas se esquiva, sem justificativa plausível, de dizer o real objeto do que ele pretende fazer para garantir a liberdade que se encontra extremamente ameaçada, segundo a sua ideia visionária.      

É extremamente preocupante a ingenuidade de muitos brasileiros, que se deixam ser facilmente influenciados pelo sentimento artístico e sensacionalista amador do presidente da República, que se esforça ao máximo para representar cenário absolutamente fantasioso, com ares próprios de perigosa e arriscada situação sem denominá-la precisamente, fato este nada recomendável para estadista, que tem obrigação de apascentar os brasileiros e não disseminar inquietação, como o faz, por alardear situação de perigo, cujo remédio depende do povo, que sequer é informado do possível abismo.

Isso obriga a relembrança de situação com conotação bem próxima dela, a exemplo que pode ter havido com base no seu emprego, de forma estratégica, em muitos países, e a Venezuela pode servir para mostrar que o povo assegurou total apoio ao ditador já falecido, para a implantação de medidas que ele adiantara que seriam para salvaguardar a liberdade da população, tendo a obtido e as consequências são os detalhes contados pela triste história.

Naquele país, o povo se dignou a conceder o apoio pedido pelo presidente, que logo se tornou ditador sanguinário e desumano, e o resultado da benevolência popular é precisamente a desgraça que se espraiou naquela nação, que é do conhecimento de todos, que sabem perfeitamente como se encontra aquele país, na atualidade, quando tudo começou com essa história de se garantir liberdade para o povo, com a mesma promessa de que "eu faço o que o povo quiser".

Isso até pode ser verdade, mas o que o povo mais queria era extremos interesse e boa vontade do mandatário do país para combater com a maior seriedade possível a pandemia do coronavírus, mas o resultado é exatamente o desastre que já são contabilizadas quase 400 mil mortes, que certamente não chegariam a tanto, caso tivesse havido forma de tratamento com a eficiência que a situação exigia de agressividade, no bom sentido, contra a doença terrível.   

Nesse caso específico da possível perda de liberdade, o povo precisa, acima de tudo, ser bastante astucioso e inteligente para garantir seus direitos de cidadania, porque, se não se cuidar, termina batendo com a cara no paredão, se for, na base da confiança e da boa vontade pretendida pelo presidente do país, caso acredite piamente na conversa apelativa dele, que vem dizendo que é vítima de parte da sociedade e até pode ser, mas o que não se pode ser admitida, de maneira alguma, é essa história de ter apoio do povo para garantir liberdade, sem serem mencionadas claramente quais são os perigos e as suas verdadeiras pretensões, depois de receber o aval dos brasileiros.  

O governo com propósito de seriedade e responsabilidade cívica e administrativa, que respeita a dignidade dos brasileiros, tem a hombridade de dizer  ao povo, com as devidas clareza e transparência, as medidas importantes para as quais ele espera que os ingênuos brasileiros concedam o seu aval, de olhos vendados e sem saber exatamente quais elas sejam, diante do fato de que depois da sua adoção, o presidente simplesmente, conforme o conteúdo delas, poderá nem assumi-las, em absoluto, e ainda atribuir ao povo toda responsabilidade, porque ele vai alegar que jamais faria o que fez sem o respaldo popular, ou seja, ele pode alegar que é apenas o intérprete da vontade do povo.  

Para o bom entender, o extremo sentimentalismo do presidente pode sim se transformar em algo muitíssimo perigoso, diante da falta de informações sobre as pretensões dele, porque, em termos de interesse público, nada justifica o sigilo, principalmente diante da importância dramatizada para os fatos.

É até possível se imaginar que, se o presidente do país tivesse em poder de sentimentos nobres para agir com as melhores e honrosas das intenções, ele não precisava vir com essa conversa de vítima e possível perda da liberdade do povo, porque o que ele imagina que seja precisa realmente fazer já deveria ter sido exposto para os brasileiros, diante da imperiosidade sobre o prévio conhecimento do que ele denomina de situação, que deve e precisa ser urgentemente discutida com o povo, de forma absolutamente transparente, para que não reste a menor dúvida de que as medidas pretendidas estão em total harmonia com o interesse público e sem qualquer perigo de haver algo ilícito nem inconstitucional.

O presidente da República acerta precisamente quando decide, com a devida prudência, em contar com o apoio do povo para adotar medida que ele considera indispensável à proteção das liberdades individuais, porque isso é exatamente evolução das nações que procuram respeitar os princípios consagrados sob o amparo do princípio ínsito do Estado Democrático de Direito.

Não obstante, o presidente do país erra redondamente ao esperar que os brasileiros deem esse aval sem que ele diga, em minúcia, exatamente o que pretende realizar com o consentimento do povo, porque é precisamente assim que procedem os estadistas sérios, competentes e responsáveis, que valorizam os princípios republicanos, em especial os que se referem à transparência e ao compromisso com a verdade e a honestidade na gestão pública.

Ao contrário disso, na forma como o presidente do país pretende ter o apoio dos brasileiros, muito mais tentando se passar por vítima maltratada e enjaulada e ainda sem dizer precisamente o objetivo do ato pertinente, isso condiz com cena de teatro bufo e com tudo o mais, menos com atitude de estadista que privilegia a liturgia do cargo, levando-se em conta que o Estado é senão o próprio povo.

Fazendo apologia a um célebre presidente norte-americano, pode-se afirmar que o presidente brasileiro até pode enganar as pessoas, por muito tempo; algumas, por algum tempo; mas não consegue enganar os brasileiros, por todo o tempo.         

Ante o exposto, para o bem da verdade, faço esse importante alerta, para que os brasileiros não aleguem depois que não sabiam bem sobre as pretensões presidenciais, e realmente não sabem mesmo, mas esse artificialismo não tem absolutamente nada de seriedade e até espera-se que haja engano na interpretação dessa história palaciana, para que resulte no bem dos brasileiros, que precisam ser governados sob o pálio da seriedade, da transparência e da confiança. 

Brasília, em 26 de abril de 2021

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