segunda-feira, 12 de abril de 2021

Temor à CPI?

 

Bem ao estilo do populismo interesseiro e despreocupado com a seriedade exigida na administração pública, o presidente da República houve por bem acusar um ministro do Supremo Tribunal Federal de fazer “politicalha”, só porque ele decidiu que o Senado Federal instale a CPI da Pandemia.

Vejam-se que a aludida medida atendia pedido de senadores que viam a iniciativa barrada na Câmara Alta, em que pese o cumprimento das exigências previstas na Constituição, cuja instalação pendia apenas da vontade do presidente dessa casa, mas o mandatário brasileiro entendeu de pôr a culpa em cima do ministro, que foi simplesmente desmoralizado, por conta disso, em momento de visível desequilíbrio.

Diante da decisão em tela, o presidente do Senado deve sair do conforto do “juízo de conveniência e oportunidade” e instalar a CPI que se destina a apurar possíveis descaminhos administrativos na gestão referente ao combate à pandemia, que já deixou triste rastro de destruição de muitas vidas, mas, mesmo assim, o governo de mantém em ritmo normal, sem se atentar para a maior crise que se abateu sobre a saúde pública brasileira.

No momento, a mídia estarrece o mundo, diante da revelação de conversa, por telefone, entre o presidente do país e um dos senadores autores do pedido que foi atendido pelo Supremo, compartilhada no fim de semana pelo próprio parlamentar, no Twitter.

Na conversa, o presidente se queixa, pasmem, de supostos obstáculos criados contra o Executivo por integrantes do Legislativo e Judiciário, ocasião em que ele se expõe ao máximo quanto às suas brilhantes ideias, tendo deixado muito cristalino o seu pensamento, para dizer ao senador como ele imagina que devem ser conduzidos os trabalhos da CPI, ou seja, desde já o mandatário antecipa para o parlamentar como quer que a comissão atue, segundo o que pensa, certamente de melhor para a imagem do governo.

O presidente antecipou que, “Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim. O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil: mudar a amplitude dela. Bota presidente da República, governadores e prefeitos”, embora tendo assegurado que nada tem a temer, a não ser um relatório “sacana”, i.e., desde já ele imagina que pode haver sacanagem, pondo em dúvida, de forma bem clara, a seriedade dos senadores, inclusive do seu interlocutor.

Em outro trecho da conversa, o presidente adiantou, em defesa de suas ideias, que “Vamos fazer do limão uma limonada”, deixando implícito a possibilidade de armações, para o desvio da verdade, que não condiz com a seriedade que se espera dos homens públicos.

À toda evidência, só o fato de haver indevida articulação para tratar, antecipadamente, de assunto que envolve interesse do governo, já sinaliza para claro escândalo envolvendo órgãos de alto nível da República, à luz da seriedade que precisa prevalecer no âmbito da administração pública, porquanto o Palácio do Planalto acha conveniente mostrar o seu sentimento sobre os fatos objeto das investigações e sinaliza que tentará implantá-lo a fórceps, de goela adentro dos senadores, para que o governo não seja prejudicado.

Talvez a imposição da CPI possa contribuir para a mudança sobre aquela conversa de que coronavírus tem apenas os sintomas de “resfriadinho”, como forma de se tentar a justificativa que seja feito apenas o necessário, sem maiores preocupações com todo estrago já causado às vidas dos brasileiros.

Também devem ir por terra outras conversinhas de que o melhor imunizante era a contaminação em massa, que as regiões do Nordeste e do Norte não sofreriam com a pandemia, porque o uso de cloroquina no combate à malária serviria como “vacina” e que a vacina produzida pelo governador de São Paulo produziria apenas “morte, invalidez e anomalia”.

A CPI poderá refrescar a memória do presidente do país, para reafirmar que nunca promoveu aglomerações nem em momento algum maldisse o uso de máscaras, mas sempre foi gigante na defesa dos protocolos e das orientações científicos, a exemplo do distanciamento social, entre outras medidas necessárias ao combate à pandemia, apenas em confirmação de todo negativismo imperante até o presente momento.

A grandeza da CPI poderá mudar o pensamento prevalecente do presidente, que tentará passar nova mentalidade de homem público, para mostrar que procurou sempre fazer tudo o que estava ao alcance do governo, para salva vidas, quando os fatos vão mostrar exatamente o que realmente aconteceu, sendo que o mais contundente é a terrível estatística de mais de 350 mil mortes pela Covid-19.

          Possivelmente, a versão mais autêntica do presidente, para se isentar perante a CPI, será a de que tantas mortes havidas pela pandemia são da culpa única e exclusiva de governadores e prefeitos, que receberam recursos federais e deixaram morrer os brasileiros, sem a prestação do devido socorro, ou seja, a parte do governo foi religiosamente cumprida e sem reparos.

A tormenta do presidente não é à toa que, nessa conversa com o parlamentar, porque a convocação do último ministro da saúde o preocupa em horrores, visto que ele já se contradisse ao divulgar informações distintas sobre o fornecimento de oxigênio para o Amazonas, antes de as pessoas começarem a morrer por falta de ar nos hospitais do estado, fato que deixou o governo em maus lenções e em situação complicada.

A grande vantagem da CPI é que os depoimentos, os fatos e até os vídeos poderão ser mostrados ao vivo, com forte poder de desmascaramento ao vivo e em tempo real, não se permitindo mais ser desmentidos por meio de notas oficiais posteriores, na tentativa de justificar o injustificável.

Outra importante contribuição da CPI será a exposição da verdade, por meio de depoimentos sinceros e material audiovisual, para mostrar as mentiras e os fatos verdadeiros sobre o que realmente aconteceu na falta de combate à pandemia e isso poderá mudar a história, da água para o vinho, visto que as mentiras já causaram estragos imperdoáveis.

O importante é que essa história que envolve a pandemia do coronavírus possa ser contada com base na sua versão verdadeira, a partir da CPI, de modo que as mentiras, a incompetência, a insensibilidade e a irresponsabilidade contribuam para prestar respaldo à ilustração verdadeira de quadro real do que verdadeiramente tenha acontecido e ainda possam fundamentar decisão não de “sacanagem”, como disse o presidente do país, mas sim de punição, ser for o caso, aos verdadeiros culpados por essa tragédia humanitária.

Enfim, os brasileiros honrados e dignos esperam e confiam que os trabalhos da CPI, se realmente forem realizados imunes às indevidas interferências de autoridade pública que, em síntese, é o principal alvo das investigações, possam contribuir para que o Executivo se conscientize, finalmente, sobre a real gravidade da tragédia causada pela temível pandemia do novo coronavírus e decida adotar, em caráter emergencial, as necessárias e revolucionárias medidas que já deveriam ter sido objeto de cuidados há muito tempo, porque os fatos mostram que essa lacuna de preocupação por parte das autoridades públicas pode ter contribuído para elevar a inadmissível quantidade de mortes.

Brasília, em 12 de abril de 2021

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