Não
se conformando com a recente despropositada agressão ao ministro do Supremo Tribunal
Federal, por ele ter determinado a instalação de CPI, no Senado Federal, para
apurar o enfrentamento do governo federal à frente da pandemia da Covid-19, o
presidente da República voltou a criticar decisões da corte.
Desta
feita, o presidente brasileiro houve por bem discordar da autorização que o
Supremo concedeu aos governadores e prefeitos para restringirem eventos
presenciais em igrejas e templos, porque, segundo ele, é "absurdo dos
absurdos" e afronta à Constituição.
O
presidente do país disse que "Lamento superpoderes que o Supremo
Tribunal Federal deu a governadores e prefeitos para fechar inclusive salas,
igrejas, de cultos religiosos. É um absurdo dos absurdos. É o artigo quinto da
Constituição. Não vale o artigo quinto da Constituição, não tá valendo mais, tá
valendo o decreto do governador lá na frente".
A
última decisão do Supremo, por 9 votos a 2, ficou assente que estados e municípios
podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e
missas, em templos e igrejas durante a pandemia da Covid-19, medida essa que
contraria a orientação do Executivo, que vem defendendo plenas liberdades de
movimento da população.
A
propósito, o artigo 5º da Constituição Federal, citado pelo presidente do país,
trata dos direitos e deveres do cidadão, incluindo da liberdade de consciência
e crença e o "livre exercício dos cultos religiosos", com o detalhe
de que isso se trata de situação de normalidade do país, o que é bem diferente
quando há a preocupação de proteger a população, como nesse caso delicado e
excepcional de pandemia.
Em
princípio, a simples interpretação fria da regra que determina o isolamento
social, que tem abrangência geral para a proteção contra a Covid-19, não permite
o menor cabimento que fique de fora da norma apenas grupos relacionados à religião,
conquanto a proibição somente valeria para o restante da sociedade, que poderia
ser afetada com a liberdade de aglomeração por grupos de pessoas.
Esse
fato, por si só, mostra que o Supremo também se houve com acerto, à vista do
princípio constitucional da isonomia, eis que os estados e municípios são
competentes para estabelecerem o questionado isolamento, não sendo justo que
somente parcela da sociedade, como os religiosos, tenha o privilégio de ficar
de fora dele, em especial porque eles não estão imunes ao contágio e à transmissão
do vírus, com o que só assim poderia, talvez, constituir razoável justificativa
para excepcioná-los.
É
lamentável que o presidente do país fique alegando disposição constitucional
para condenar, com severidade, a decisão do Supremo, quando o estabelecimento
excepcional de se proibir aglomerações tem relação com a gravidade da pandemia
no âmbito da sociedade, que é caso excepcional, que bem diferencia da normalidade,
quando é preciso muito respeito aos ditames constitucionais.
Essa
questão fica muito cristalina sob a interpretação das autoridades públicas sensíveis
à realidade da pandemia, que precisa contar também com a compreensão de quem
tem a responsabilidade de defender tanto a saúde como a vida dos brasileiros,
ou seja, é preciso que as autoridades públicas também sejam sensíveis aos fatos
no seu conjunto.
À
toda evidência, no âmbito da sensibilidade, do bom senso e da racionalidade,
não parece ser “absurdo dos absurdos” a decisão do Supremo sobre as proibição de
missas e cultos, enquanto o momento é de alta taxa de contaminação da Covid-19,
no auge das mortes, que já ultrapassaram de 350 mil, fatos estes que exige mais
tolerância também na avaliação das questões pertinentes à crise.
Ao
contrário disso, parece, com muito maior razão, que “absurdo dos absurdos” seja
por parte de quem não tem a mínima sensibilidade para enxergar e reconhecer a
gravidade da pandemia, a ponto de defender a banalização das medidas tendentes
à prevenção da contaminação e da salvação de vidas humanos.
A
verdade é que, muito possivelmente, a visão distorcida sobre a gravidade da pandemia,
a falta de maiores cuidados pertinentes ao caso, a evidente demonstração de falta
de seriedade para o grave problema, enfim, a banalização para a realidade dos
fatos, em que pese a inaceitável quantidade de preciosas vidas perdidas, não sejam
suficientes para as autoridades incumbidas de cuidar da vida dos brasileiros se
preocuparem em adotar urgentes, urgentíssimas, medidas com a efetividade que a
calamidade humanitária exige, porquanto nada além do normal vem sendo feito nem
há perspectivas nesse sentido.
A
meu juízo, não tem o menor cabimento autoridade pública ficar perdendo tempo
com discussão, em via pública, sobre decisões adotadas por poder da República, em
especial diante do salutar entendimento segundo o qual decisão judicial apenas se
cumpre ou, se for o caso, se recorre dela, na tentativa de se mostrar, por meio
de recursos argumentativos e especialmente jurídicos, que o seu conteúdo não
condiz com os princípios que precisam satisfazer ao interesse público.
Ou
seja, somente sentimentos contrários à competência, à sensatez, ao bom senso e à
sensibilidade pensam ganhar as causas na base do grito, da agressão e da
intolerância, quando, em termos de civilidade e de compreensão sobre a realidade
dos fatos, é possível se concluir facilmente que as questões inerentes à administração
do país precisam ser analisadas, estudadas e resolvidas sob o prisma da
inteligência e da racionalidade, para que seja possível se alcançar resultados
satisfatórios para a sociedade.
Na
verdade, o que se pode intuir é que o estranho comportamento da principal
autoridade do país jamais seria razoável até mesmo em tempos de normalidade,
quanto mais em momentos difíceis e gravíssimos como o atual, em que, mesmo que
ele estivesse com absoluta razão, que, visivelmente, não está, porque não é de bom
tom que se critique outras autoridades na via pública, quando existem os
salutar e civilizado caminhos para a impetração dos recursos pertinentes, com
vistas ao saneamento das questões em altíssimo nível e em harmonia com os bons
costumes republicano e democrático.
Os
brasileiros esperam que o presidente da República se conscientize de que a
grave situação causada pela pandemia do novo coronavírus exige que os problemas
nacionais sejam enfrentados com o máximo de tolerância, sensibilidade,
sensatez, competência, civilidade e responsabilidade, de modo que seja possível
a obtenção dos melhores resultados, em especial quanto à convergência de
medidas que levem, urgentemente, ao mais eficiente combate à tão terrível
doença.
Brasília,
em 11 de abril de 2021
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