domingo, 11 de abril de 2021

Convite à tolerância

 

Não se conformando com a recente despropositada agressão ao ministro do Supremo Tribunal Federal, por ele ter determinado a instalação de CPI, no Senado Federal, para apurar o enfrentamento do governo federal à frente da pandemia da Covid-19, o presidente da República voltou a criticar decisões da corte.

Desta feita, o presidente brasileiro houve por bem discordar da autorização que o Supremo concedeu aos governadores e prefeitos para restringirem eventos presenciais em igrejas e templos, porque, segundo ele, é "absurdo dos absurdos" e afronta à Constituição.

O presidente do país disse que "Lamento superpoderes que o Supremo Tribunal Federal deu a governadores e prefeitos para fechar inclusive salas, igrejas, de cultos religiosos. É um absurdo dos absurdos. É o artigo quinto da Constituição. Não vale o artigo quinto da Constituição, não tá valendo mais, tá valendo o decreto do governador lá na frente".

A última decisão do Supremo, por 9 votos a 2, ficou assente que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia da Covid-19, medida essa que contraria a orientação do Executivo, que vem defendendo plenas liberdades de movimento da população.

A propósito, o artigo 5º da Constituição Federal, citado pelo presidente do país, trata dos direitos e deveres do cidadão, incluindo da liberdade de consciência e crença e o "livre exercício dos cultos religiosos", com o detalhe de que isso se trata de situação de normalidade do país, o que é bem diferente quando há a preocupação de proteger a população, como nesse caso delicado e excepcional de pandemia.

Em princípio, a simples interpretação fria da regra que determina o isolamento social, que tem abrangência geral para a proteção contra a Covid-19, não permite o menor cabimento que fique de fora da norma apenas grupos relacionados à religião, conquanto a proibição somente valeria para o restante da sociedade, que poderia ser afetada com a liberdade de aglomeração por grupos de pessoas.

Esse fato, por si só, mostra que o Supremo também se houve com acerto, à vista do princípio constitucional da isonomia, eis que os estados e municípios são competentes para estabelecerem o questionado isolamento, não sendo justo que somente parcela da sociedade, como os religiosos, tenha o privilégio de ficar de fora dele, em especial porque eles não estão imunes ao contágio e à transmissão do vírus, com o que só assim poderia, talvez, constituir razoável justificativa para excepcioná-los.

É lamentável que o presidente do país fique alegando disposição constitucional para condenar, com severidade, a decisão do Supremo, quando o estabelecimento excepcional de se proibir aglomerações tem relação com a gravidade da pandemia no âmbito da sociedade, que é caso excepcional, que bem diferencia da normalidade, quando é preciso muito respeito aos ditames constitucionais.

Essa questão fica muito cristalina sob a interpretação das autoridades públicas sensíveis à realidade da pandemia, que precisa contar também com a compreensão de quem tem a responsabilidade de defender tanto a saúde como a vida dos brasileiros, ou seja, é preciso que as autoridades públicas também sejam sensíveis aos fatos no seu conjunto.

À toda evidência, no âmbito da sensibilidade, do bom senso e da racionalidade, não parece ser “absurdo dos absurdos” a decisão do Supremo sobre as proibição de missas e cultos, enquanto o momento é de alta taxa de contaminação da Covid-19, no auge das mortes, que já ultrapassaram de 350 mil, fatos estes que exige mais tolerância também na avaliação das questões pertinentes à crise.

Ao contrário disso, parece, com muito maior razão, que “absurdo dos absurdos” seja por parte de quem não tem a mínima sensibilidade para enxergar e reconhecer a gravidade da pandemia, a ponto de defender a banalização das medidas tendentes à prevenção da contaminação e da salvação de vidas humanos.     

A verdade é que, muito possivelmente, a visão distorcida sobre a gravidade da pandemia, a falta de maiores cuidados pertinentes ao caso, a evidente demonstração de falta de seriedade para o grave problema, enfim, a banalização para a realidade dos fatos, em que pese a inaceitável quantidade de preciosas vidas perdidas, não sejam suficientes para as autoridades incumbidas de cuidar da vida dos brasileiros se preocuparem em adotar urgentes, urgentíssimas, medidas com a efetividade que a calamidade humanitária exige, porquanto nada além do normal vem sendo feito nem há perspectivas nesse sentido.      

A meu juízo, não tem o menor cabimento autoridade pública ficar perdendo tempo com discussão, em via pública, sobre decisões adotadas por poder da República, em especial diante do salutar entendimento segundo o qual decisão judicial apenas se cumpre ou, se for o caso, se recorre dela, na tentativa de se mostrar, por meio de recursos argumentativos e especialmente jurídicos, que o seu conteúdo não condiz com os princípios que precisam satisfazer ao interesse público.

Ou seja, somente sentimentos contrários à competência, à sensatez, ao bom senso e à sensibilidade pensam ganhar as causas na base do grito, da agressão e da intolerância, quando, em termos de civilidade e de compreensão sobre a realidade dos fatos, é possível se concluir facilmente que as questões inerentes à administração do país precisam ser analisadas, estudadas e resolvidas sob o prisma da inteligência e da racionalidade, para que seja possível se alcançar resultados satisfatórios para a sociedade.

Na verdade, o que se pode intuir é que o estranho comportamento da principal autoridade do país jamais seria razoável até mesmo em tempos de normalidade, quanto mais em momentos difíceis e gravíssimos como o atual, em que, mesmo que ele estivesse com absoluta razão, que, visivelmente, não está, porque não é de bom tom que se critique outras autoridades na via pública, quando existem os salutar e civilizado caminhos para a impetração dos recursos pertinentes, com vistas ao saneamento das questões em altíssimo nível e em harmonia com os bons costumes republicano e democrático.

Os brasileiros esperam que o presidente da República se conscientize de que a grave situação causada pela pandemia do novo coronavírus exige que os problemas nacionais sejam enfrentados com o máximo de tolerância, sensibilidade, sensatez, competência, civilidade e responsabilidade, de modo que seja possível a obtenção dos melhores resultados, em especial quanto à convergência de medidas que levem, urgentemente, ao mais eficiente combate à tão terrível doença.    

Brasília, em 11 de abril de 2021

Nenhum comentário:

Postar um comentário