terça-feira, 13 de abril de 2021

Condenável interferência?

 

Já se sabe que a instalação de CPI, na forma prevista no art. 58 da Carta Magna, sucede após o cumprimento de três requisitos básicos, quais sejam: “assinatura de um terço dos integrantes da Casa, indicação de fato determinado a ser apurado e definição de prazo certo para duração.”.

No caso da questionada CPI, o seu objeto já foi devidamente definido, com a indicação do fato a ser investigado, que é a apuração sobre o desempenho do governo federal quanto às ações e omissões no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

Para os especialistas, esse fato é suficiente para se concluir que seja cumprida a missão indicada na aludida comissão, não cabendo outra interpretação, por mais importante que ela seja, i.e., mesmo sendo da maior relevância a investigação de governadores e preceitos por fatos assemelhados, isso somente deve ser objeto de outra CPI, porque o fato daquela comissão já foi definido.

Agora, sob a exploração do importante princípio do maquiavelismo, o presidente da República pode ter percebido que a bomba referentes às mortes causadas pela Covid-19 e ao indiscutível desastre no enfrentamento da crise gerada pela pandemia do coronavírus certamente poderia cair sobre seus ombros, não teve dúvida em jogar no ventilador, como forma de pulverizar os efeitos dela para tudo que é lado, com a tentativa de incluir nas investigações governadores e prefeitos.

Não há a menor dúvida de que a conversa do presidente do país com  um senador evidencia o exato tom da estratégia que acomoda o pensamento esperto do mandatário, no sentido de tentar embaralhar o jogo que parecia se aproximar do seu início, de maneira tranquila, mas a sugestão de se incluírem os governadores e prefeitos nas investigações pertinentes não passa de velha e perfeita tática para tentar trava o adiamento da CPI da Covid-19, que pode ainda ter ares de se evitá-la, conforme a aceitação da isca lançada aos mares da política.

O objetivo do vazamento do telefonema pelo senador deixa muito claro que o conteúdo do diálogo mostra tentativa explícita de interferir nos poderes Legislativo e Judiciário, com a finalidade de ampliar o alvo das investigações sobre possíveis ações e omissões do governo federal, no enfrentamento da pandemia do foco e, com isso, propiciar a diluição das responsabilidades aos estados e municípios.

Na verdade, estão em jogo, nesse caso, o desempenho, as atribuições e as responsabilidades sobre a execução de políticas públicas, cujo resultado pode implicar em configuração de crime de responsabilidade, conforme a gravidade dos fatos a serem investigados.

Vejam-se que se trata de conversa que surgiu basicamente do nada, porque o seu conteúdo não contém absolutamente nada vinculado ao interesse público, posto que ela versa muito mais sobre assunto paroquiano, em que o presidente faz ingênuas acusações no entendimento que as investigações vão recair sobre o pessoal dele, em especial o último ministro da Saúde, que só fez trapalhada, porque se ele tivesse feito bom trabalho, certamente que o chefe, que ainda continua no cargo, não estaria tão preocupado com a CPI.

O curioso de tudo isso é que muita gente estranhou que o senador havia revelado a conversa em questão, que teria sido autorizada pelo presidente, mas, diante da repercussão extremamente negativa, no dia seguinte ao telefonema, ele se declarou “traído” pelo parlamentar, embora seja da compreensão popular que isso foi estrategicamente planejado para que tudo acontecesse exatamente conforme o figurino.

Nessa mesma linha de relacionamento difícil com o Congresso, o presidente do país ainda tem outra tremenda complicação para desvendar, que diz com a aprovação do Orçamento da União, porque a proteção das investidas contra a CPI, o presidente precisará do apoio dos parlamentares, que, na atualidade, exigem que sejam mantidas intactas as generosas verbas incluídas sob o interesse deles no orçamento deste exercício, sob pena de forte reação contrária dos congressistas.

Ocorre que, segundo especialistas, se o presidente sancionar a lei do orçamento aprovada pelo Congresso, sem vetos, ele poderá incorrer em possível crime de responsabilidade, ou seja, nesse caso, o que pode acontecer é que, se ele sancionar, o bicho pega, mas se ele vetar, o bicho como, e tudo poderá depender de sorte política.  

No caso de veto, certamente que a relação do presidente com os congressistas poderá azedar de vez, com sequência de represália violenta por parte deles, que ainda podem querer que a Câmara dos Deputados abra processo de impeachment do presidente.

Agora, no que se refere às investigações, é preciso se compreender que se trata do processo democrático e republicano, em que os governantes são obrigados à prestação de contas sobre seus atos e não há problema nenhum para o agente público, sobretudo quando ele imagina que fez tudo certo, embora o estrago seja visível para a população.

Enfim, é preciso que os brasileiros se conscientizem de que, se tudo tivesse sob absoluta lisura, em que os atos praticados pelo governo, na conformidade da regularidade, em estreita harmonia com a satisfatoriedade do atendimento ao interesse público, sem sindicâncias para a apuração de atos praticados pelo ex-ministro e principalmente pelo fato de que as mortes foram as mínimas possíveis, certamente que o presidente da República seria o maior interessado em exigir a urgente instalação da CPI, porquanto o seu resultado haveria de conspirar em seu benefício, para ajudar na continuidade do poder.

Os brasileiros nutrem a esperança de que o presidente do país se consciente de que os trabalhos da CPI não são para prejudicá-lo, porque os fatos pertinentes ao combate à Covid-19 já são do conhecimento dos brasileiros, que sabem perfeitamente quais são as autoridades públicas que demonstraram total insensibilidade aos princípios humanitários, diante da má vontade no combate à temível pandemia do novo coronavírus, principalmente à vista de deixar que o órgão especializado do governo em saúde pública ficasse acéfalo, por quase um ano.

Há de se notar que, à luz dos princípios da racionalidade e do bom sendo,  o comando do Ministério da Saúde somente poderia ter sido ocupado por técnico em Medicina ou sanitarismo, diante da certeza que isso teria ajudado a se evitar essa inadmissível quantidade de mortes, que precisa sim ser debitada na conta de quem deixou de se preocupar com o combate, da forma mais intensa possível, à pior doença do século.

Pode-se até acreditar que a CPI não consiga finalizar seus trabalhos com a imputação de responsabilidade a envolvidos em falhas graves na condução das políticas referentes ao combate à pandemia, principalmente diante das injunções políticas que já começaram mesmo antes das investigações, mas é inevitável que os fatos verdadeiros hão de falar mais alto, para mostrar que mais de 350 mil mortes jamais teriam acontecido se as autoridades públicas tivessem se unido, desde o início da tragédia, com o propósito de guerrear exclusivamente contra o inimigo dos brasileiros, pondo de lado os projetos políticos de poder, que tiveram forte influência nesse processo de degeneração humanitária, sem reparação.     

Brasília, em 13 de abril de 2021

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