Já se sabe que a instalação de CPI, na forma prevista
no art. 58 da Carta Magna, sucede após o cumprimento de três requisitos básicos,
quais sejam: “assinatura de um terço dos integrantes da Casa, indicação de
fato determinado a ser apurado e definição de prazo certo para duração.”.
No
caso da questionada CPI, o seu objeto já foi devidamente definido, com a indicação
do fato a ser investigado, que é a apuração sobre o desempenho do governo federal
quanto às ações e omissões no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Para
os especialistas, esse fato é suficiente para se concluir que seja cumprida a
missão indicada na aludida comissão, não cabendo outra interpretação, por mais importante
que ela seja, i.e., mesmo sendo da maior relevância a investigação de governadores
e preceitos por fatos assemelhados, isso somente deve ser objeto de outra CPI,
porque o fato daquela comissão já foi definido.
Agora,
sob a exploração do importante princípio do maquiavelismo, o presidente da República
pode ter percebido que a bomba referentes às mortes causadas pela Covid-19 e ao
indiscutível desastre no enfrentamento da crise gerada pela pandemia do
coronavírus certamente poderia cair sobre seus ombros, não teve dúvida em jogar
no ventilador, como forma de pulverizar os efeitos dela para tudo que é lado,
com a tentativa de incluir nas investigações governadores e prefeitos.
Não
há a menor dúvida de que a conversa do presidente do país com um senador evidencia o exato tom da estratégia
que acomoda o pensamento esperto do mandatário, no sentido de tentar embaralhar
o jogo que parecia se aproximar do seu início, de maneira tranquila, mas a
sugestão de se incluírem os governadores e prefeitos nas investigações pertinentes
não passa de velha e perfeita tática para tentar trava o adiamento da CPI da
Covid-19, que pode ainda ter ares de se evitá-la, conforme a aceitação da isca
lançada aos mares da política.
O
objetivo do vazamento do telefonema pelo senador deixa muito claro que o
conteúdo do diálogo mostra tentativa explícita de interferir nos poderes
Legislativo e Judiciário, com a finalidade de ampliar o alvo das investigações
sobre possíveis ações e omissões do governo federal, no enfrentamento da
pandemia do foco e, com isso, propiciar a diluição das responsabilidades aos estados
e municípios.
Na
verdade, estão em jogo, nesse caso, o desempenho, as atribuições e as responsabilidades
sobre a execução de políticas públicas, cujo resultado pode implicar em
configuração de crime de responsabilidade, conforme a gravidade dos fatos a
serem investigados.
Vejam-se
que se trata de conversa que surgiu basicamente do nada, porque o seu conteúdo
não contém absolutamente nada vinculado ao interesse público, posto que ela
versa muito mais sobre assunto paroquiano, em que o presidente faz ingênuas acusações
no entendimento que as investigações vão recair sobre o pessoal dele, em especial
o último ministro da Saúde, que só fez trapalhada, porque se ele tivesse feito
bom trabalho, certamente que o chefe, que ainda continua no cargo, não estaria
tão preocupado com a CPI.
O
curioso de tudo isso é que muita gente estranhou que o senador havia revelado a
conversa em questão, que teria sido autorizada pelo presidente, mas, diante da repercussão
extremamente negativa, no dia seguinte ao telefonema, ele se declarou “traído”
pelo parlamentar, embora seja da compreensão popular que isso foi estrategicamente
planejado para que tudo acontecesse exatamente conforme o figurino.
Nessa
mesma linha de relacionamento difícil com o Congresso, o presidente do país
ainda tem outra tremenda complicação para desvendar, que diz com a aprovação do
Orçamento da União, porque a proteção das investidas contra a CPI, o presidente
precisará do apoio dos parlamentares, que, na atualidade, exigem que sejam
mantidas intactas as generosas verbas incluídas sob o interesse deles no
orçamento deste exercício, sob pena de forte reação contrária dos congressistas.
Ocorre
que, segundo especialistas, se o presidente sancionar a lei do orçamento
aprovada pelo Congresso, sem vetos, ele poderá incorrer em possível crime de
responsabilidade, ou seja, nesse caso, o que pode acontecer é que, se ele sancionar,
o bicho pega, mas se ele vetar, o bicho como, e tudo poderá depender de sorte
política.
No
caso de veto, certamente que a relação do presidente com os congressistas poderá
azedar de vez, com sequência de represália violenta por parte deles, que ainda podem
querer que a Câmara dos Deputados abra processo de impeachment do presidente.
Agora,
no que se refere às investigações, é preciso se compreender que se trata do
processo democrático e republicano, em que os governantes são obrigados à
prestação de contas sobre seus atos e não há problema nenhum para o agente público,
sobretudo quando ele imagina que fez tudo certo, embora o estrago seja visível para
a população.
Enfim,
é preciso que os brasileiros se conscientizem de que, se tudo tivesse sob absoluta
lisura, em que os atos praticados pelo governo, na conformidade da regularidade,
em estreita harmonia com a satisfatoriedade do atendimento ao interesse público,
sem sindicâncias para a apuração de atos praticados pelo ex-ministro e
principalmente pelo fato de que as mortes foram as mínimas possíveis,
certamente que o presidente da República seria o maior interessado em exigir a
urgente instalação da CPI, porquanto o seu resultado haveria de conspirar em
seu benefício, para ajudar na continuidade do poder.
Os
brasileiros nutrem a esperança de que o presidente do país se consciente de que
os trabalhos da CPI não são para prejudicá-lo, porque os fatos pertinentes ao
combate à Covid-19 já são do conhecimento dos brasileiros, que sabem
perfeitamente quais são as autoridades públicas que demonstraram total insensibilidade
aos princípios humanitários, diante da má vontade no combate à temível pandemia
do novo coronavírus, principalmente à vista de deixar que o órgão especializado
do governo em saúde pública ficasse acéfalo, por quase um ano.
Há
de se notar que, à luz dos princípios da racionalidade e do bom sendo, o comando do Ministério da Saúde somente poderia
ter sido ocupado por técnico em Medicina ou sanitarismo, diante da certeza que
isso teria ajudado a se evitar essa inadmissível quantidade de mortes, que
precisa sim ser debitada na conta de quem deixou de se preocupar com o combate,
da forma mais intensa possível, à pior doença do século.
Pode-se
até acreditar que a CPI não consiga finalizar seus trabalhos com a imputação de
responsabilidade a envolvidos em falhas graves na condução das políticas referentes
ao combate à pandemia, principalmente diante das injunções políticas que já
começaram mesmo antes das investigações, mas é inevitável que os fatos
verdadeiros hão de falar mais alto, para mostrar que mais de 350 mil mortes jamais
teriam acontecido se as autoridades públicas tivessem se unido, desde o início
da tragédia, com o propósito de guerrear exclusivamente contra o inimigo dos
brasileiros, pondo de lado os projetos políticos de poder, que tiveram forte
influência nesse processo de degeneração humanitária, sem reparação.
Brasília,
em 13 de abril de 2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário