segunda-feira, 30 de junho de 2014

Carência de dignidade

É de se lamentar que o presidente do Supremo Tribunal Federal decida aposentar-se, justamente no momento depois de ter conseguido superar a fase terrível das pressões exercidas, de forma explícita e ameaçadora, pelas lideranças políticas que se consideram donas do país, inclusive dos poderes da República, e quando ele deveria se sentir alívio, principalmente pela certeza do dever funcional cumprido com notáveis eficiência e competência. Convém se enaltecer a firme disposição do bravo relator, por sua demonstração de capacidade funcional e muita perspicácia para apontar, de maneira minuciosa e precisa, as irregularidades referentes aos fatos apurados e esmiuçados no processo do mensalão, representativo do enquadramento delituoso com ramificação de diversos crimes causados contra os cofres públicos. Não há dúvida de que o presidente do Supremo dignificou o cargo de ministro dessa corte, pois soube conduzir a relatoria de processo bastante complexo e volumoso, envolvendo muitos réus e especificidades, que não foram empecilhos para que os criminosos fossem julgados com base nas provas robustamente carreadas aos autos, em harmonia com o rito constitucional e legal, assegurando aos acusados o direito à ampla defesa e ao contraditório, os quais foram finalmente condenados pelos crimes praticados, segundo o enquadramento decorrente dos atos delituosos. É evidente que as penas aplicadas aos réus não podem ser consideradas justas, diante da sua pouca representatividade em relação à gravidade das irregularidades perpetradas contra o patrimônio público, que foi seriamente prejudicado com o desvio de recursos públicos e até agora não ressarcidos. É de se estranhar que, por enquanto, somente houve o julgamento sobre os crimes na esfera penal, não havendo informação quanto ao julgamento dos crimes pertinentes à área civil, no que diz respeito ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário. Esse é mais um fato que desacredita a Justiça, por permitir que caso tão rumoroso e de enorme repercussão permaneça por tanto tempo sem solução, fazendo com que seja retardada, de forma injustificável, a reparação dos danos. Conviria que a legislação penal, civil, administrativa etc. seja reformulada, aperfeiçoada e modernizada, e que a Justiça também tenha condições de ser reestruturada e aparelhada condignamente, com vista a permitir que os processos sejam julgados com a maior celeridade possível, não permitindo que os crimes sejam apreciados, quando são, depois de tanto tempo da sua ocorrência, como esse tenebroso caso do mensalão, que aconteceu nos idos de 2005 e não se tem notícia sobre o seu julgamento, na competência civil. Entrementes, depois dos bons exemplos de dignidade e de exação no cumprimento do dever funcional, permitindo que a Justiça recuperasse um pouco a credibilidade perdida ao longo dos anos, a aposentadoria do atual presidente vai implicar a sua substituição exatamente pelo ministro revisor do processo do mensalão, que foi pródigo na tentativa de desqualificar o excelente trabalho do relator desses autos, em evidente demonstração de contraposição da necessidade de se fazer a Justiça que a sociedade vinha aspirando que fosse finalmente feita, principalmente nos casos de corrupção com recursos públicos. Trata-se de caso bastante preocupante, em razão da demonstração explícita de posicionamento em alinhamento com os interesses dos criminosos e do governo, que tudo fez, de forma explícita, para livrar os mensaleiros da condenação. Compete à sociedade, atenta ao seu dever cívico, repudiar as manobras políticas e jurídicas tão prejudiciais ao interesse do país e propugnar para que os homens públicos tenham a dignidade de atuar, no cumprimento de seus deveres funcionais, com justiça e respeito aos princípios éticos e morais. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 29 de junho de 2014

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