domingo, 22 de junho de 2014

A bolsa dos aproveitadores?

Secundo resultado de fiscalização promovida pela Controladoria Geral da União - CGR, no exercício de 2013, houve a constatação de que servidores, empresários, produtores rurais, alunos de escolas particulares, familiares de autoridades e até pessoas falecidas constam na lista de beneficiários do programa  Bolsa Família. Com base no conjunto dos 58 processos de fiscalização constantes da programação para os municípios sorteados, a CGU constatou a uniformidade de indícios de irregularidades nos casos verificados, demonstrando as precariedades de cadastramento e de controle do maior programa assistencialista do mundo, que o governo não se cansa de exaltar a mais bem sucedida distribuição de renda da história brasileira. Causa perplexidade o fato de que, nesses municípios, foi verificado que mais de cinco mil benefícios foram pagos a pessoas que supostamente teriam renda per capita familiar superior ao limite estabelecido pelo programa, evidenciando a completa leniência do governo com as irregularidades, por se omitir quanto à fiscalização sobre os beneficiários, com vistas a se confirmar que os pagamentos são feitos às pessoas enquadradas nas exigências da legislação de regência. Também não deixa de ser estranho que o Ministério de Desenvolvimento Social, responsável pela coordenação do programa, se mostrou indiferente quanto aos fatos irregulares apurados, não prestando esclarecimentos sobre os detalhamentos de qual maneira são promovidos os cadastramentos dos beneficiários e principalmente a fiscalização sobre a execução do programa, de modo a permitir que haja essa enormidade de fatos irregulares, que naturalmente perduram desde os primórdios do seu funcionamento, embora seja o único programa que o governo tanto se vangloria de ter priorizado para valer na sua gestão. Veja-se que, somente no município de Belford Roxo (RJ), houve a constatação de que "1.512 famílias beneficiárias que constam na folha de pagamento de Julho/2012 na situação de benefício 'liberado' e que apresentam renda mensal per capita superior a meio salário mínimo". As maiores irregularidades dizem respeito à inclusão no programa de pessoas com renda superior ao máximo permitido. Há casos em que, de forma inescrupulosa e vergonhosa, servidores e familiares de autoridades constam como beneficiários regularmente cadastrados e recebendo pagamento, na maior tranquilidade. No município de São Francisco de Assis (PI), a mulher de um vereador constava da lista do Bolsa Família. A coordenadora de Apoio ao Idoso, da Secretaria Municipal de Assistência Social, que é responsável pelo cadastro dos beneficiários, tinha a filha como beneficiária. Além disso, a servidora e seu marido são donos de panificadora e de pousada. Em Olindina (BA), cinco servidores públicos, entre eles dois estaduais da Secretaria da Educação e da Assembleia Legislativa da Bahia, estavam na lista, seus salários eram superiores ao máximo permitido legalmente. No município de Vazante (MG), vários servidores com renda superior a R$ 1 mil mensais eram beneficiários do programa, sendo que um deles recebia o valor de R$ 134 de Bolsa Família, apesar de ter salário de R$ 2,2 mil. A situação se tornou tão deprimente que, em Xexéu (PE), foi verificada a existência de pessoas mortas, em 2011, na lista de pagamentos realizados até o final de 2012, cujas irregularidades foram causadas por deficiência no controle do cadastro, que, aliás, é a marca dominante no programa. Em contraposição, enquanto os mortos "recebem" benefício do Bolsa Família, há pessoas vivíssimas, enquadradas no perfil do programa que ainda lutam para receber o benefício. É o caso de uma beneficiária de Lagoa Alegre (PI), que constava do programa e da folha de pagamento, mas nunca havia recebido o cartão que ficava com pessoa não identificada, a qual recebia, por mês, o valor de R$ 102,00. Outros casos interessantes dizem respeito a pessoas consideradas ricas receberem o benefício, como ocorreu em São José do Sul (RS), onde uma produtora rural, com faturamento anual, em 2011, de R$ 955 mil, era beneficiária do programa. Já no município de Barra do Ribeiro (RS), uma mulher era beneficiária, apesar de ser proprietária de empresa e possuidora, junto com o marido, de cinco veículos. Além dos casos de empresários encontrados em Jaguaribara (CE) e São Domingos (SE), respectivamente, uma dona de churrascaria e um dono de mercearia recebiam benefícios do programa. As irregularidades não ficam somente nos pagamentos aos beneficiários, porque foram constatadas outras gravidades organizacionais e desvios de verbas pelos municípios, como no município de Aliança (PE), onde foi verificado que houve fraude nos recursos enviados ao programa, com a falta de comprovação de despesas no valor de R$ 90 mil, por conta do dinheiro que deveria se destinar à contratação de empresa para promoção de cursos de qualificação profissional. As irregularidades nos pagamentos são variadas, desde o cadastramento, por não se ter certeza se os beneficiários são realmente carentes; a falta de controle da frequência escolar e do cartão de vacinação das crianças; a inexistência de comissão gestora do programa; e até desvios de recursos enviados para atividades complementares, entre outros problemas de gravidade que maculam a seriedade do programa que deveria funcionar tal qual com o tamanho da eficiência alardeada pelo governo quanto à sua existência. No entanto, como se percebe, à vista dos fatos horrorosos fornecidos pelo próprio governo, por conta da fiscalização promovida pela Controladoria Geral da República. O governo deveria, ao invés de se vangloriar da existência do programa, se envergonhar de tantas irregularidades na sua execução do Bolsa Família, que sequer deveria citar o seu nome sem antes promover generalizada depuração das irregularidades, impropriedades e deformidades, porquanto as gravidades são capazes de macular por completo o gerenciamento de programa que realmente deveria ser orgulho do país, não apenas do governo, caso os recursos comprometidos fossem executados com efetividade, em harmonia com as normas de regência, observados rigoroso cadastramento e submetidos a eficientes fiscalização e controle, como forma de certificação do exato atendimento da finalidade precípua da instituição de tão importante programa assistencial. Enquanto o “decantado” programa funcionar com enormes precariedades, recheado de enormes irregularidades, conforme o próprio governo constatou in loco, somente há condição de se afirmar que os recursos públicos estão sendo desperdiçados, por incompetência generalizada dos responsáveis pela administração desse programa, que devem ser, na forma da lei, responsabilizados pela má gestão de verbas públicas, por omissão e incapacidade de gerenciá-las em conformidade com as normas de execução orçamentária e financeira. Não se compreende que os órgãos de controle externo e de fiscalização também sejam omissão quanto ao cumprimento do seu dever constitucional e legal de acompanhar e atestar a regularidade da aplicação de recursos públicos, por serem coniventes com graves irregularidades, como comprovam os fatos acima aludidos. A sociedade, que pagam os pesados tributos, também tem sua parcela de responsabilidade, por ficar calado e inerme diante de tamanha agressividade aos cofres públicos, pela execução de recursos em programa repleto de irregularidade, totalmente fora do controle gerencial do Estado, à vista dos fatos apurados nas fiscalizações realizadas pelo governo. Convém que a sociedade se conscientize não somente sobre a importância do programa Bolsa Família, que tem por finalidade assistir as famílias efetivamente carentes, mas, sobretudo, sobre a premente e imprescindível necessidade de ser rigorosamente observada a regularidade da sua execução, sob pena de responsabilização daqueles que se omitirem quanto a persecução da eficiência do programa em apreço. Acorda, Brasil!   
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 21 de junho de 2014

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