quinta-feira, 5 de junho de 2014

Magnífica lição de competência?

O presidente do Supremo Tribunal Federal soube aproveitar, primeiro, por sorte, por ter sido nomeado para o importante cargo de relator do clamoroso Processo nº 470, um dos casos penais mais vistosos da corte, e, depois, com maestria e sabedoria, se houve com status de brilhante republicano, quando resolveu desempenhar com independência e autonomia, em harmonia com os preceitos constitucionais, a Presidência daquele tribunal, que vinha sendo criticado por nunca ter condenado políticos à prisão. A sua atitude, tanto como relator do mensalão como dirigente da mais alta corte de Justiça do país, foi muito clara e implacável com a corrupção e a hipocrisia, que, infelizmente, imperam no mundo político e na alta cúpula da administração pública, em completa afronta aos princípios ético e moral. Ele se mostrou ser pessoa bastante diferente dos seus pares, com os quais matinha relações profissionais, nem sempre cordiais, por ter discordado algumas vezes deles, inclusive se destacando as discussões mais acaloradas entre eles em plenário. É bem possível que seus resultados na atividade de magistrado tenham que sido fruto de suas desavenças, propositais ou não, com seus colegas de capa preta, quando, nalguns casos pode ter conseguido extrapolar o rito protocolar ínsito do cargo, com a quebra de princípios básicos de camaradagem, em verdadeiro enfrentamento com os colegas, a exemplo do revisor do processo do mensalão, com quem houve permanentes e até intensas disputas sobre opiniões que eram divergidas publicamente entre os principais condutores do julgamento. Num ambiente de maior tranquilidade, com certeza, a racionalidade recomendaria mais sobriedade e civilidade para que os contendores pudessem chegar às mesmas conclusões ou aos resultados perseguidos, sob à luz da tão esperada legitimidade. O certo é que o resultado do julgamento do mensalão não teria sido tão exitoso se a relatoria do caso não estivesse sob à sua batuta, porquanto, não há dúvida de que, simpatize ou não com o seu estilo de trabalho, somente ele apareceu como a pessoa certa e na hora certa, porque foi capaz de atrair a atenção não apenas do mundo jurídico, mas do país para o âmago do julgamento, aproveitando para mostrar irreverência e irascibilidade, cujo veredicto, por certo, ficará marcado para sempre na história republicana, se colocando, indiscutivelmente, como o divisor de águas na Justiça brasileira, o que não é pouco para quem lutou bravamente para ultrapassar o Rubicão e, não há dúvida de ter conseguido, depois de defrontar-se com caminhos sempre muito difíceis. A partir desse julgado, o Supremo dá clara lição de que a Justiça não seria mais somente para ser aplicada aos pretos, aos pobres e às prostitutas, porque os criminosos de colarinho branco, que normalmente são os piores entre a classe dos delinquentes, também foram condenados e levados para prisão, graças a esse caso inusitado. Não se pode mais ignorar que, se a Justiça quiser, ela pode perfeitamente colocar os criminosos poderosos também na cadeia. O desfecho desse fato em si é muito importante, por ter mostrado ao povo brasileiro a possibilidade de se acreditar na existência real da aplicação do princípio fundamental da constituição, que, com singeleza, mas com muita força jurídica, que os cidadãos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações, inclusive sobre a possibilidade de responderem pelos crimes cometidos e de igualmente puderem ser condenados, graças à coragem e à altivez de pessoa que teria sido alçada ao posto máxima da Poder Judiciário, em princípio, na forma da práxis, com a finalidade de servir de capacho ao sistema de aparelhamento implantado na República. É evidente que ele preferiu adotar estratégia jurídica diferente na condução da relatoria do mensalão, cujos métodos de inovação tiveram o condão de desnortear e espantar a tradição ritualista do Supremo, causando perplexidade para os réus, seus advogados e o mundo jurídico. A principal estratégia foi anunciada somente no momento do julgamento, com a sua manutenção no Supremo e a divisão dos acusados em grupos, para a imediata contestação dos interessados. Contudo, a sua maior arma ficou patenteada pela visível demonstração de que conhecia, como ninguém e com minúcia, as sessenta mil páginas, recheadas de intrincados e “cabeludos” conchavos do mais grave caso de corrupção analisado por aquela corte. Ele ainda foi capaz de contribuir para a inovação das doutrinas e de se opor à visão do todo, ao individualizar a verdadeira situação de cada réu. Ele usou a sapiência para capitalizar a importância dos acontecimentos e tirar deles a vantagem que precisava para passar para história como o negro que enganou plenamente a prepotência dos brancos, que imaginavam que ele seria facilmente manipulável. Não há a menor dúvida de que ele venceu os poderosos e deu magnífica lição de competência e de capacidade profissionais que jamais alguém ousou a mostrar, em uma só tacada e em tão pouco tempo de atuação audaciosa, corajoso e brilhante. O país precisa, com urgência, de pessoas com os atributos do presidente do Supremo Tribunal Federal, cujas determinação e sabedoria foram capazes de contribuir para o enfrentamento da corrupção, incompetência e desmoralização que grassam na administração pública. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 04 de junho de 2014

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