O presidente do
Supremo Tribunal Federal soube aproveitar, primeiro, por sorte, por ter sido
nomeado para o importante cargo de relator do clamoroso Processo nº 470, um dos
casos penais mais vistosos da corte, e, depois, com maestria e sabedoria, se
houve com status de brilhante republicano, quando resolveu desempenhar com independência
e autonomia, em harmonia com os preceitos constitucionais, a Presidência daquele
tribunal, que vinha sendo criticado por nunca ter condenado políticos à prisão.
A sua atitude, tanto como relator do mensalão como dirigente da mais alta corte
de Justiça do país, foi muito clara e implacável com a corrupção e a hipocrisia,
que, infelizmente, imperam no mundo político e na alta cúpula da administração
pública, em completa afronta aos princípios ético e moral. Ele se mostrou ser
pessoa bastante diferente dos seus pares, com os quais matinha relações profissionais,
nem sempre cordiais, por ter discordado algumas vezes deles, inclusive se
destacando as discussões mais acaloradas entre eles em plenário. É bem possível que seus resultados
na atividade de magistrado tenham que sido fruto de suas desavenças,
propositais ou não, com seus colegas de capa preta, quando, nalguns casos pode
ter conseguido extrapolar o rito protocolar ínsito do cargo, com a quebra de
princípios básicos de camaradagem, em verdadeiro enfrentamento com os colegas,
a exemplo do revisor do processo do mensalão, com quem houve permanentes e até intensas
disputas sobre opiniões que eram divergidas publicamente entre os principais
condutores do julgamento. Num ambiente de maior tranquilidade, com certeza, a racionalidade
recomendaria mais sobriedade e civilidade para que os contendores pudessem chegar
às mesmas conclusões ou aos resultados perseguidos, sob à luz da tão esperada
legitimidade. O certo é que o resultado do julgamento do mensalão não teria
sido tão exitoso se a relatoria do caso não estivesse sob à sua batuta,
porquanto, não há dúvida de que, simpatize ou não com o seu estilo de trabalho,
somente ele apareceu como a pessoa certa e na hora certa, porque foi capaz de atrair
a atenção não apenas do mundo jurídico, mas do país para o âmago do julgamento,
aproveitando para mostrar irreverência e irascibilidade, cujo veredicto, por
certo, ficará marcado para sempre na história republicana, se colocando,
indiscutivelmente, como o divisor de águas na Justiça brasileira, o que não é
pouco para quem lutou bravamente para ultrapassar o Rubicão e, não há dúvida de
ter conseguido, depois de defrontar-se com caminhos sempre muito difíceis. A partir desse julgado, o Supremo dá clara lição de
que a Justiça não seria mais somente para ser aplicada aos pretos, aos pobres e
às prostitutas, porque os criminosos de colarinho branco, que normalmente são
os piores entre a classe dos delinquentes, também foram condenados e levados
para prisão, graças a esse caso inusitado. Não se pode mais ignorar que, se a
Justiça quiser, ela pode perfeitamente colocar os criminosos poderosos também
na cadeia. O desfecho desse fato em si é muito importante, por ter mostrado ao
povo brasileiro a possibilidade de se acreditar na existência real da aplicação
do princípio fundamental da constituição, que, com singeleza, mas com muita
força jurídica, que os cidadãos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações,
inclusive sobre a possibilidade de responderem pelos crimes cometidos e de
igualmente puderem ser condenados, graças à coragem e à altivez de pessoa que
teria sido alçada ao posto máxima da Poder Judiciário, em princípio, na forma da
práxis, com a finalidade de servir de capacho ao sistema de aparelhamento
implantado na República. É evidente que ele preferiu adotar estratégia jurídica
diferente na condução da relatoria do mensalão, cujos métodos de inovação
tiveram o condão de desnortear e espantar a tradição ritualista do Supremo,
causando perplexidade para os réus, seus advogados e o mundo jurídico. A
principal estratégia foi anunciada somente no momento do julgamento, com a sua
manutenção no Supremo e a divisão dos acusados em grupos, para a imediata contestação
dos interessados. Contudo, a sua maior arma ficou patenteada pela visível demonstração
de que conhecia, como ninguém e com minúcia, as sessenta mil páginas, recheadas
de intrincados e “cabeludos” conchavos do mais grave caso de corrupção
analisado por aquela corte. Ele ainda foi capaz de contribuir para a inovação das
doutrinas e de se opor à visão do todo, ao individualizar a verdadeira situação
de cada réu. Ele usou a sapiência para capitalizar a importância dos acontecimentos
e tirar deles a vantagem que precisava para passar para história como o negro
que enganou plenamente a prepotência dos brancos, que imaginavam que ele seria
facilmente manipulável. Não há a menor dúvida de que ele venceu os poderosos e
deu magnífica lição de competência e de capacidade profissionais que jamais alguém
ousou a mostrar, em uma só tacada e em tão pouco tempo de atuação audaciosa,
corajoso e brilhante. O país precisa, com urgência, de pessoas com os atributos
do presidente do Supremo Tribunal Federal, cujas determinação e sabedoria foram
capazes de contribuir para o enfrentamento da corrupção, incompetência e
desmoralização que grassam na administração pública. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 04 de junho de 2014
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