quarta-feira, 18 de junho de 2014

Repúdio à desmoralização da Justiça

A passagem do presidente do Supremo Tribunal Federal é marcada por fatos inusitados, a começar pela sua intrepidez de ter se preparado ao extremo para relatar a Ação Penal nº 470, que versa sobre o famigerado mensalão, em cujo julgamento ele demonstrou competência para enfrentar, no plenário, ferrenhos adversários, que se dignaram contestar seus relatos e suas proposições, embora suas colocações estivessem fundamentas nas robustas provas constantes dos autos, colhidas mediante levantamentos contábeis, oitivas, pareceres técnicos e demais elementos legalmente válidos. As surpresas continuaram acontecendo com a sua resistência às constantes investidas petistas, que não se conformavam com seus atos à frente do processo das execuções das penas dos mensaleiros, que eram sempre contestadas quando ele as adotava sobre cada caso a ele submetido pelos advogados dos petistas. Depois veio a decisão sobre a sua precoce aposentadoria, quando ele ainda poderia permanecer na corte por mais onze anos. Agora, a última surpresa, ao anunciar sua renúncia à relatoria dos processos de execuções penais de réus condenados pela citada ação penal. Diante disso, os citados passam para a incumbência de ministro que tomou posse no Supremo e conseguiu mudar os rumos das penas aplicadas aos mensaleiros, com o aproveitamento dos embargos infringentes, que anularam algumas condenações dos principais réus, inclusive do chefe da quadrilha, que conseguiu passar da prisão fechada para o sistema semiaberto. Nesta nova fase, a tendência é a de que o Supremo deverá ter atuação mais favorável aos mensaleiros, inclusive permitindo que eles possam trabalhar, depois que for anulada a decisão do anterior responsável pelos aludidos processos, que teria negado os pedidos de trabalho dos mensaleiros, sob o argumento de que a lei obriga que os réus condenados a regime semiaberto devam cumprir pelo menos um sexto da pena antes de receberem o benefício pretendido. Segundo o presidente do Supremo, a sua decisão de renunciar ao comando dos processos em apreço se prende ao fato de ter sido alvo de constantes ataques por parte de petistas e advogados dos mensaleiros presos. Já a avaliação feita no STF é a de que o ministro aposentando vinha sendo provocado com insistência para levar a julgamento do plenário o agravo dos advogados dos mensaleiros, que certamente seria derrotado. Esse fato o obrigou a antecipar a renúncia em causa.  Na opinião de especialistas, "No caso do ministro Joaquim ficou a mística; até quando ele perde, ele também ganha", ou seja, no caso do mensalão, mesmo quando é derrotado no STF, ele ganha aplausos da opinião pública, à vista da sua rigorosa atuação com relação aos condenados do mensalão. Não deixa de causar perplexidade o fato de que, conforme afirmam alguns ministros do Supremo, a decisão de negar o direito ao trabalho aos réus do mensalão esteja amparada em lei, embora ela contrarie a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito dessa matéria, que ainda não foi examinada pelo Supremo. Causa verdadeiro espanto se verificar o tamanho da desmoralização dos princípios morais a que atingiu também a magistratura do país, quando um de seus mais nobres integrantes, que se esforçou para desempenhar com integridade seu dever constitucional e legal, é obrigado a se afastar das suas funções por imposições e ameaças feitas por parte de simpatizantes de criminosos que ele contribuiu para condená-los, em razão dos crimes por eles praticados. Trata-se, isto sim, de evidente desrespeito ao direito ao livre exercício da função pública, amparada constitucionalmente, por demonstrar a força do arbítrio sobre a legitimidade, mediante atos de ameaças e de terrorismo psicológico, compatíveis com as republiquetas, onde os princípios constitucional e legal são desrespeitados impunimente. Não se pode admitir que o atrevimento da ignorância e da força bruta seja capaz de superar a força do Direito e da Justiça, sob pena de se imperar no país o sistema anárquico, que é a via mais cômodo para o atingimento da desordem e da baderna social e política. É lamentável que o ministro aposentando, queira ou não, que escreveu seu nome não somente na história da magistratura nacional, mas do Brasil, com sua bravura e competência, tenha guerreado sozinho contra um enlouquecido batalhão armado com propósitos espúrios e deletérios aos princípios da racionalidade e civilidade, em defesa de criminosos reconhecidos pela Suprema Corte de Justiça, que integra a máquina que administra a nação, que se encontra acéfala e sem objetividade econômica, a exemplo dos acanhados resultados da produção nacional. Não se pode imaginar que o presidente do Supremo tenha sido derrotado pelas manobras e ameaças sofridas por ele, porque fica patente que o seu rico legado em prol da Justiça é capaz de superar as maldades engendradas contra ele, ficando a impressão de que a fragorosa perda é da sociedade, da Justiça e do país, pelo absurdo aniquilamento de valoroso soldado da magistratura nacional, cuja lacuna certamente facilitará a volta do status quo ante, inclusive pela possibilidade de ampliar o aparelhamento predominante. O ministro aposentando sucumbiu aos golpes baixos do seu pior inimigo, os fanáticos da facção que considera normal a prática da corrupção, mediante o desvio de recursos dos cofres públicos para a compra de parlamentares, igualmente sem caráter. As práticas vergonhosas não se harmonizam com os princípios da moralidade nem dos bons costumes. Os brasileiros não podem se render à bandidagem que se instalou na administração pública e se acha dona do patrimônio nacional, que pode dispor dele livremente para a satisfação de seus interesses espúrios e inescrupulosos. Incumbe enorme responsabilidade à sociedade de não permitir que a sua passividade contribua ainda mais para que esse sistema de autoritarismo político-ideológico prevaleça sobre os princípios verdadeiramente republicano e democrático. Acorda, Brasil!    
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 17 de junho de 2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário