A passagem do presidente do Supremo Tribunal
Federal é marcada por fatos inusitados, a começar pela sua intrepidez de ter se
preparado ao extremo para relatar a Ação Penal nº 470, que versa sobre o
famigerado mensalão, em cujo julgamento ele demonstrou competência para enfrentar,
no plenário, ferrenhos adversários, que se dignaram contestar seus relatos e
suas proposições, embora suas colocações estivessem fundamentas nas robustas provas
constantes dos autos, colhidas mediante levantamentos contábeis, oitivas,
pareceres técnicos e demais elementos legalmente válidos. As surpresas
continuaram acontecendo com a sua resistência às constantes investidas
petistas, que não se conformavam com seus atos à frente do processo das execuções
das penas dos mensaleiros, que eram sempre contestadas quando ele as adotava
sobre cada caso a ele submetido pelos advogados dos petistas. Depois veio a
decisão sobre a sua precoce aposentadoria, quando ele ainda poderia permanecer
na corte por mais onze anos. Agora, a última surpresa, ao anunciar sua renúncia
à relatoria dos processos de execuções penais de réus condenados pela citada ação
penal. Diante disso, os citados passam para a incumbência de ministro que tomou
posse no Supremo e conseguiu mudar os rumos das penas aplicadas aos mensaleiros,
com o aproveitamento dos embargos infringentes, que anularam algumas condenações
dos principais réus, inclusive do chefe da quadrilha, que conseguiu passar da
prisão fechada para o sistema semiaberto. Nesta nova fase, a tendência é a de
que o Supremo deverá ter atuação mais favorável aos mensaleiros, inclusive permitindo
que eles possam trabalhar, depois que for anulada a decisão do anterior
responsável pelos aludidos processos, que teria negado os pedidos de trabalho
dos mensaleiros, sob o argumento de que a lei obriga que os réus condenados a
regime semiaberto devam cumprir pelo menos um sexto da pena antes de receberem o
benefício pretendido. Segundo o presidente do Supremo, a sua decisão de
renunciar ao comando dos processos em apreço se prende ao fato de ter sido alvo
de constantes ataques por parte de petistas e advogados dos mensaleiros presos.
Já a avaliação feita no STF é a de que o ministro aposentando vinha sendo
provocado com insistência para levar a julgamento do plenário o agravo dos
advogados dos mensaleiros, que certamente seria derrotado. Esse fato o obrigou
a antecipar a renúncia em causa. Na
opinião de especialistas, "No caso
do ministro Joaquim ficou a mística; até quando ele perde, ele também ganha",
ou seja, no caso do mensalão, mesmo quando é derrotado no STF, ele ganha
aplausos da opinião pública, à vista da sua rigorosa atuação com relação aos condenados
do mensalão. Não deixa de causar perplexidade o fato de que, conforme afirmam
alguns ministros do Supremo, a decisão de negar o direito ao trabalho aos réus
do mensalão esteja amparada em lei, embora ela contrarie a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça a respeito dessa matéria, que ainda não foi examinada pelo
Supremo. Causa
verdadeiro espanto se verificar o tamanho da desmoralização dos princípios
morais a que atingiu também a magistratura do país, quando um de seus mais
nobres integrantes, que se esforçou para desempenhar com integridade seu dever
constitucional e legal, é obrigado a se afastar das suas funções por imposições
e ameaças feitas por parte de simpatizantes de criminosos que ele contribuiu para condená-los,
em razão dos crimes por eles praticados. Trata-se, isto sim, de evidente
desrespeito ao direito ao livre exercício da função pública, amparada constitucionalmente,
por demonstrar a força do arbítrio sobre a legitimidade, mediante atos de ameaças
e de terrorismo psicológico, compatíveis com as republiquetas, onde os
princípios constitucional e legal são desrespeitados impunimente. Não se pode
admitir que o atrevimento da ignorância e da força bruta seja capaz de superar a
força do Direito e da Justiça, sob pena de se imperar no país o sistema
anárquico, que é a via mais cômodo para o atingimento da desordem e da baderna
social e política.
É lamentável que o ministro aposentando, queira ou não, que escreveu seu nome
não somente na história da magistratura nacional, mas do Brasil, com sua
bravura e competência, tenha guerreado sozinho contra um enlouquecido batalhão armado
com propósitos espúrios e deletérios aos princípios da racionalidade e
civilidade, em defesa de criminosos reconhecidos pela Suprema Corte de Justiça,
que integra a máquina que administra a nação, que se encontra acéfala e sem
objetividade econômica, a exemplo dos acanhados resultados da produção
nacional. Não se pode imaginar que o presidente do Supremo tenha sido derrotado
pelas manobras e ameaças sofridas por ele, porque fica patente que o seu rico
legado em prol da Justiça é capaz de superar as maldades engendradas contra
ele, ficando a impressão de que a fragorosa perda é da sociedade, da Justiça e
do país, pelo absurdo aniquilamento de valoroso soldado da magistratura
nacional, cuja lacuna certamente facilitará a volta do status quo ante, inclusive pela possibilidade de ampliar o
aparelhamento predominante. O ministro aposentando sucumbiu aos golpes baixos do seu pior inimigo,
os fanáticos da facção que considera normal a prática da corrupção, mediante o
desvio de recursos dos cofres públicos para a compra de parlamentares,
igualmente sem caráter. As práticas vergonhosas não se harmonizam com os
princípios da moralidade nem dos bons costumes. Os brasileiros não podem se
render à bandidagem que se instalou na administração pública e se acha dona do
patrimônio nacional, que pode dispor dele livremente para a satisfação de seus
interesses espúrios e inescrupulosos. Incumbe enorme responsabilidade à sociedade
de não permitir que a sua passividade contribua ainda mais para que esse
sistema de autoritarismo político-ideológico prevaleça sobre os princípios
verdadeiramente republicano e democrático. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 17 de junho de 2014
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