domingo, 8 de junho de 2014

Irresponsabilidade e complacência

Durante palestra proferida sobre o Brasil da próxima década, o ex-presidente da República petista teve a infeliz iniciativa de defender a realização da Copa do Mundo no Brasil, ao afirmar, de forma enfática, rebatendo as ácidas críticas contra esse evento, que “Nas passeatas de junho, se criou o estigma de que a Copa ia custar R$ 30 bilhões, três vezes mais o que custou a da Alemanha… temos problemas de educação, de saúde, mas não vai ser resolvido se não tivermos Copa. Vai continuar a reclamação quando a Copa acabar. A Copa do Mundo será extraordinária, temos os melhores estádios, com campos extraordinários, e o estrangeiro não está preocupado se vai levar um minuto a mais ou um minuto a menos, se vai a pé, se vai de ônibus, se vai de qualquer coisa, se está preocupado se está calor ou se está frio. Acho que nós não construímos uma narrativa convincente da importância da Copa, de vencermos o debate político, porque um jovem fala que é ladroagem e ninguém fala nada”. Segundo ele, o evento não “é só rendimento econômico”, porque se trata também de encontro de civilizações, com a vinda ao Brasil de estrangeiro, que não está preocupado “se vai levar um ou dois minutos para chegar ao estádio”. Ele também disse que, desde a década de 70, é contrário aos setores de esquerda que criticam o futebol como o “ópio do povo”. Não deixa de ser verdade o que o petista afirmou, com convicção, de que não ter copa não resolve os problemas de saúde e educação, porém também não deixa de ser absoluta verdade a afirmativa de que administrador público consciente e responsável sobre o bem do interesse público somente se atreveria a assumir os compromissos com a realização de importantes eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada quando tivesse resolvidos os gravíssimos problemas de saúde pública, quando não mais morressem um brasileiro dentro de hospital, graças à precariedade de assistência médica, não precisasse da importação de milhares de médicos cubanos, para trabalhar nos rincões do país, sem o mínimo de condições materiais, e o Sistema Único de Saúde funcionasse com a devida eficiência, em condições de fiscalizar, controlar e acompanhar a execução dos recursos públicos; houvesse ensino público de qualidade, onde a educação fosse prioridade de governo; existisse segurança permanente para o povo brasileiro, de modo que o combate à criminalidade fosse capaz de evitar a alarmante estatística de homicídios, roubos, assaltos, estupros, tráfico de drogas etc.; entre outras tragédias que grassam no país e que o governo simplesmente as ignora e nada é feito objetivamente para resolver as questões que martirizam e infernizam o povo sofrido e desamparado, que ainda é obrigado a ouvir do principal homem público do país essa asneira de menoscabo às reais carências da sociedade, na vã tentativa de justificar o injustificável sobre a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada no país que tem reais e sérias prioridades, sabendo-se que os recursos comprometidos nesses eventos serviriam, no mínimo, para o início das obras necessárias à melhoria de vida da população. A forma como o petista defende os gastos para a copa dá a verdadeira dimensão do quanto os políticos tupiniquins estão interessados e preocupados com o saneamento das questões nacionais, confirmando surrado bordão de famoso humorista do passado, que dizia com o melhor sarcasmo da televisão que o "povo que exploda", porque a dinheirama aplicada nos estádios pode ser considerada a fundos perdidos, totalmente jogados pelos ralos da incompetência administrativa do país. É fascinante e fantástico o estoque de argumentação dos políticos para sempre encontrar descabidas e injustas críticas sobre as besteiras por eles protagonizadas, em busca da justificativa que melhor se adeque às suas conveniências politiqueiras, dando a entender que o povo não passa de um bando de imbecis e de idiotas que não tem sequer capacidade para raciocinar que a ideia megalomaníaca da Copa do Mundo no país não passa de mera satisfação do ego de quem apenas tem projetos políticos pessoais irracionais e contrários à realidade e aos interesses nacionais. Não há dúvida de que também é constrangedor se perceber que os brasileiros ainda tenham complacência com projetos políticos dissonantes da realidade do país, cujo povo já deveria ter atingido estágio de maturidade política e democrática para não tolerar maluquices e extravagâncias suportadas com recursos dos bestas dos contribuintes, que ainda permitem, de forma inexplicável, que os envolvidos em tais leviandades deixem de ser responsabilizados pelas desastrosas consequências de seus atos. A partir do momento que forem exigidos seriedade, responsabilidade e conscientização dos homens públicos sobre a necessidade de a administração pública ser exercida com eficiência e eficácia, como se exige o princípio da economicidade, certamente as decisões estapafúrdias como essa da copa não mais existirão, em benefício dos brasileiros, que têm carência de tudo, menos de Copa do Mundo e de Olimpíada. Urge que a sociedade repudie, com veemência, a eterna falta de priorização das políticas públicas, que deveriam ser estabelecidas visando exclusivamente à satisfação dos interesses da população, sob pena de enquadramento dos maus políticos envolvidos em crime de responsabilidade, por atos de omissão e má gestão dos recursos públicos. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 07 de junho de 2014

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