sábado, 28 de junho de 2014

O celibato e a modernidade

Por ocasião da viagem que realizou a Israel, o papa declarou que não tolerará os abusos a menores por parte de religiosos e assegurou que o celibato "não é um dogma". O Santo Pontífice enfatizou que o celibato não se trata de "dogma de fé" no catolicismo, que há sacerdotes casados nos ritos orientais e que "a porta está sempre aberta" a tratar o assunto. O pontífice deixou claro que "neste momento há outros temas sobre a mesa". O papa entende que "O celibato não é um dogma de fé. É uma regra de vida, que eu aprecio muito e acho que é um presente para a Igreja". O celibato sacerdotal, mantido pela igreja desde muitos séculos como preciosidade histórica, resiste, inexplicavelmente, ao tempo e se conserva imutável com a mesma valorização original, em que pese a modernidade e a evolução da humanidade, que se caracterizam por profundas transformações, principalmente na mentalidade e nas estruturas do pensamento humano. Em consonância com essa transformação, os novos hábitos acenam há bastante tempo para novos posicionamentos dos cardeais da Igreja Católica, no sentido de se manifestarem quanto à imperiosa necessidade do exame do princípio do celibato, até mesmo por imposição das circunstâncias da atualidade, notadamente pela evasão dos padres que, nos últimos anos, já ultrapassam de 60 mil, causando enormes dificuldades e deficiências para os trabalhos de evangelização apostólica da igreja. Possivelmente, à época da instituição do celibato seria necessária e até imperiosa a implantação dessa regra, como experimentação compreensível e consentânea com a realidade da igreja primitiva. Não se pode negar que o celibato deve ter sido salutar em épocas de dificuldades da formação da igreja, com a imposição aos sacerdotes sobre a dedicação exclusiva às atividades eclesiásticas, em que a instituição pode ter se firmado e se desenvolvido em razão disso, por se tratar de situação necessária aos hábitos e costumes de então, dadas as peculiaridades e os propósitos daqueles tempos. Não obstante, séculos se passaram e com eles o homem passou por profundas experiências e adquiriu novos hábitos, costumes e formas de vida, que não se comparam com os tempos remotos da origem do celibato. Embora o cristianismo seja rígido acerca da manutenção dos mesmos dogmas e princípios, a igreja precisa acompanhar essa evolução, como forma de atualização aos tempos de modernidade dessa severa e transcendente regra entre os homens, que não se harmoniza mais com o pensamento evoluído e atualizado do homem, que já se acostumou às mudanças sapientemente vindas em seu benefício. A propósito, se o mundo, o conhecimento e tudo enfim passaram por maravilhosas evoluções e aperfeiçoamentos em benefício do filho de Deus, por certo, nada disso teria subsistido sem o consentimento Dele, que jamais teria permitido as conquistas tecnológicas e científicas pelo homem, principalmente se os avanços não tivessem aparecidos com a finalidade de contribuir para a melhoria da humanidade, como vieram. Além de tudo isso, não parece que seja propósito do Criador que haja discriminação entre os homens, em que pese a especificidade de o sacerdote ter a especial missão de servir a Ele - com a responsabilidade particular da pureza necessária para o contato com as coisas sagradas –, mas isso não justifica, em absoluto, a diferenciação entre os homens, que, à luz dos princípios cristãos, são todos iguais perante o Ser Supremo, não sendo justo que haja qualquer espécie de segregação quanto às funções orgânicas, sentimentais e psicológicas pelo simples fato de alguém optar pelo exercício do sacerdócio. Segundo os princípios cristãos, não há racionalidade se impedir, por qualquer meio, que o ser humano seja livre para viver segundo seus sentimentos, principalmente sociais, em plena igualdade quanto aos direitos e obrigações, inclusive no âmbito da Igreja Católica, que não pode ignorar os princípios modernizantes. Embora o celibato seja uma opção de vida, esse vínculo com a igreja impede que o homem se relacione intimamente com a pessoa que possa amar e viver em família, sem qualquer restrição, porque, certamente, o Grande Mestre não teria chancelado nada que impedisse a disseminação do verdadeiro amor. Como não há experiência sobre a união conjugal entre padre e mulher, então não se pode negar como sendo absoluto que isso seria prejudicial ao trabalho apostólico nem que ele não poderia contribuir para a melhoria e o benefício da evangelização apostólica. À toda evidência, os fatos mostram que o celibato sacerdotal tem sido muito prejudicial à missão da igreja, por motivar a escassez clerical à plena realização dos planos de evangelização. É verdade que não se trata de dogma, mas não existe doutrina ou tratado comprovando que a falta da perfeita castidade no sacerdócio possa prejudicar, de alguma forma, a missão evangélica, trazer transtorno ao cristianismo ou contribuir para quaisquer atividades eclesiásticas, sendo, por isso, absolutamente dispensável a existência de regra de vida que não faz sentido e ainda prejudica à instituição. Urge que os cardeais se dignem a enxergar a realidade da modernidade operada pelas transformações no mundo até a atualidade, que propiciaram significativos benefícios à humanidade, cujos fluidos benfazejos poderiam aspergir na Igreja Católica, que tanto precisa se despertar para que os benefícios da evolução consigam transpor seus vitrais e permitir que o celibato passe a existir apenas como peça de museu.  
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 27 de junho de 2014

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