quarta-feira, 31 de julho de 2019

O privilégio da vergonha


Na crônica intitulada “Afronta aos princípios republicanos“, eu fui levado a fazer importantes conclusões sobre a indicação do filho do presidente da República, pelo próprio pai, para exercer o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América, tendo dito que se tratava de garoto inexperiente e despreparado para representar o país, em situação tão especial, a se permitir a ilação sobre o desprestígio não somente da carreira diplomática, mas do afronta aos princípios da ética e da moralidade, em especial por se tratar de escolha diretamente pelo pai-presidente em favor de seu filho.
Tendo afirmado ainda que, à toda evidência, com base no currículo do filho do presidente, que nada foi apresentado de substancial para a opinião pública, senão a carreira política, a sua formação aponta para desqualificação plena para o exercício do relevante cargo de embaixador, por mais que se possam dizer em contrário, sendo inevitável a caracterização pela firme figura do abominável nepotismo, execrável diante dos saudáveis princípios da ética e da moralidade.  
Um sempre atento cidadão, entendendo contrariamente às minhas conclusões, ponderou que “(...) o cargo de Embaixador é um cargo político. Eduardo está na política há tempos, foi o deputado mais votado. Dizer que é um “garoto” despreparado é exagero e preconceito. É o mesmo que pessoas afirmavam que o Bolsonaro não estava preparado para ser Presidente. É filho dele, sim, eu penso que ele perde muito em abandonar o cargo de deputado, pois ele poderia ser um senador ou um governador, pois seu trabalho como deputado é de ótima qualidade. A carreira diplomática requer capacidade especial e os diplomatas de carreira irão ajudá-lo. Normal. A Hilare Clinton perdeu a eleição e foi nomeada embaixadora, eu nunca vi crítica.”.
Eu peço vênia ao autor da mensagem acima para dizer que, em razão da especificidade do cargo, a nomeação de embaixador merece ser considerada, em essência, de natureza técnica, à vista da obrigatória formação da Carreira de Diplomata do Itamaraty, mediante curso preparatório especifico, longo, intensivo e extremamente exigido, além da extensa caminhada na preparação para se ficar pronto e preparado para o exercício das funções próprias de embaixador, de grande responsabilidade, por representar os altos interesses do Brasil.
Ademais, é preciso se notar, como fato de suma importância para a precisa definição sobre o cargo político, é que, nestas condições, quando se muda de governo, principalmente sendo de oposição, todos os cargos políticos são automaticamente mudados, sem exceção, como, por exemplo, os ministros, os secretários de Estado etc., mas os embaixadores permanecem nos seus cargos, exatamente porque eles exercem funções estritamente técnicas e, se fossem políticas, haveria generalizada revoada de diplomatas e talvez nem tivesse tanta gente para as mudanças.
É preciso ficar bem claro que sempre procuro analisar os fatos à luz da realidade, sob a minha ótica, não cabendo, por questão de princípios, na referida crônica fato que possa ser considerado exagerado nem preconceituoso, tendo em conta que não se conhece nada, nada mesmo, em termos de substancialidade do currículo do filho do presidente, apresentando trabalho, conhecimento, experiência ou resultado da vida pública, que ele tenha produzido na área própria de embaixador, salvo poucos meses à frente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que não tem nada relacionado com o trabalho de embaixada, a justificar, com tão pouca idade, apenas 35 anos, a assunção do cargo de embaixador, logo da mais importante embaixada brasileira, como se isso fosse algo para experiência, brincadeira de aprendizagem no serviço, quando a função trata de importantes negócios considerados de extremas relevância e responsabilidade.
Convém se reconhecer o esforço das pessoas que têm capacidade para entender que o presidente da República seja preparado para exercer o cargo que ocupa, porque ele próprio sempre dizia que não conhecia as matérias de muitas áreas, assegurando, em manifestando sincera, que os ministros iriam entendê-las e resolver as questões pertinentes, principalmente na área econômica, além de, na prática, já ter comprovado que lhe faltam muitos atributos para ele ser o verdadeiro estadista que o Brasil precisa e a indicação do próprio filho para embaixador não precisa dizer mais nada.
Na minha modesta opinião, posso opinar sobre o presidente porque, na ocasião, ele era o único em quem eu podia votar, mesmo sabendo que ele não seria meu presidente ideal, mas, nas circunstâncias, fui obrigado a votar e votarei sempre nele, desde que não apareça outro candidato melhor, sem desmerecimento aos demais candidatos, mas isso faz parte da preferência pessoal.
Na verdade, o presidente tem algumas qualidades, mas precisa ser mais contrito e compreender que há uma cartilha de manual na Presidência da República que precisa ser religiosamente observada, em termos de liturgia do cargo, que é o principal do país e, por isso mesmo, precisa ser valorizado, em termos de respeito à relevância dele, algo que ele prefere desprezar, talvez na compreensão de que precisa seguir a moda própria dele, que certamente não é a mais recomendável.
De qualquer forma, compete a cada qual interpretar os fatos segundo o seu modo e de acordo com a sua consciência.
Infelizmente os meus limitados conhecimentos me permitem opinar como gosto e penso, respeitando sempre o entendimento das pessoas inteligentes e preparadas.
          Com minhas escusas, mas parece incoerência a afirmação, no caso, de que "A carreira diplomática requer capacidade especial e os diplomatas de carreira irão ajudá-lo.", porque isso vale dizer que ele não está preparado para o cargo e, se estivesse, não precisaria de ajuda por parte dos diplomatas.
Democraticamente e com base no princípio da razoabilidade, procuro sempre respeitar quem tenha entendimento diferente do meu, diante do pensamento livre, mas seria bastante interessante que esse confronto de pensamento tivesse por base algo consistente, como no presente caso, em que a discordância apresentasse elementos mostrando que o currículo do filho do presente é invejável e se encaixa perfeitamente nas exigências do cargo de embaixador e somente ele e mais ninguém tem condições de preencher os requisitos exigidos.
Em síntese, não há a menor dúvida de que as pessoas que acreditavam nas mudanças sentem-se frustradas quando o presidente não tem o menor pudor de encampar questão polêmica que suscita questionamento sobre nepotismo ou não, que somente tende a contribuir para contrariar parte da opinião pública que ainda alimentava o sentimento da palavra mágica de mudança e que ela fosse realmente séria e não apenas falácia de campanha eleitoral, para conquistar votos e depois se dizer que há pouca importância para quem discordar da opinião e do entendimento do presidente.
A verdade é que, nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos e democráticos, as promessas de campanha são levadas às últimas consequências, a exemplo do que aconteceu com o presidente norte-americano, que disse para os eleitores que construiria o muro da vergonha entre os EUA e o México e a sua promessa se encontra mais viva do que nunca, mesmo contra tudo e todos, mas, por último, a Justiça daquele país autorizou que ele investisse maciçamente nessa obra extremamente absurda, quando certamente têm outras prioridades governamentais.  
Mesmo que o filho do presidente fosse realmente o suprassumo na diplomacia e em tudo o mais que pudesse dominar melhor do que ninguém os negócios e os interesses do Brasil, em termos de conhecimento, experiência e tudo que a liturgia do cargo exige, só em ser filho do presidente e sendo indicado livre e diretamente por ele, isso é forma explícita de privilégio, de autêntico nepotismo, que as pessoas que primam pela necessidade da estrita observância dos princípios republicanos não podem aquiescer, perdendo completamente qualquer sentido da razão o ato pertinente, em se tratando de país sério e civilizado, porque, certamente, nem nas piores republiquetas isso pode ser considerado normal nem ética e menos ainda moral.
Brasil: apenas o ame!
Brasília, em 31 de julho de 2019

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