O
presidente da República houve por bem romper sua obsequiosa trégua com o
Supremo Tribunal Federal, quando, em entrevista a um jornal, ele resolveu atacar
o ministro a quem prometeu ser fiel cumpridor das decisões proferidas por ele,
a despeito dos entreveros acontecidos na celebração dos atos do dia 7 de
setembro.
Durante
a entrevista, o presidente comentou as prisões de jornalista, ex-deputado
federal e de caminhoneiro, tendo classificado as decisões pertinentes de "violência
praticada por um ministro do Supremo", tendo afirmado textualmente que
“Lamento a prisão do jornalista, do Zé Trovão, do Roberto (Jefferson), isso
é uma violência praticada por um ministro do Supremo que agora abriu mais um
inquérito em função de uma live que eu fiz há poucos meses. É um abuso.”,
deixando muito claro a sua insatisfação com o trabalho do Supremo.
O
presidente do país também afirmou que o ministro estaria "no quintal de
casa", sem ter explicado a sua metáfora, embora tivesse ressaltado que
não o estava desafiando, mas questionou se ele teria "coragem de entrar".
Para
clareza da sua afirmação, o presidente brasileiro declarou, verbis: “É
o que eu disse: ele está no quintal de casa. Será que ele vai entrar? Será que
ele vai ter coragem de entrar? Não é um desafio para ele. Quem tá avançando é
ele, não sou eu. Agora, isso interessa a todo mundo no Brasil.”.
O
ministro determinou a abertura de inquérito para investigar a declaração que o
presidente do país deu em transmissão realizada nas suas redes sociais, onde ele
apontou ligação entre a vacinação contra a Covid-19 e o desenvolvimento da
Aids, cujo fato não tem nada de verdade.
O
presidente do país voltou a falar que nunca pensou em sair das "quatro
linhas da constituição", embora o que se percebe é que isso nunca se
distanciou da sua mente, mas disse, em forma de crítica, que outras autoridades
estariam caminhando nessa direção e que, segundo ele, que sentenciou, essas
pessoas não teriam o "beneplácito da lei", dando a entender
que ele pode agir, a qualquer momento, para corrigir algo que ele acha que está
errado e precisa ser corrigido, certamente para se evitar mal maior.
Com
a finalidade de mostrar a sua visível impaciência com o ministro do Supremo, o
presidente do país se pronunciou de forma indelicada e ameaçadora, ao afirmar
que, ipsis litteris: “É inadmissível desmonetização por parte de um
ministro do TSE. É inadmissível o que acontece por parte de um ministro do STF.
Isso é inadmissível. Nós estamos cada vez mais nos preparando para buscar o ponto
de inflexão nisso, que ainda não chegou. Eu espero que essas pessoas não
avancem mais. Leiam a Constituição. Entendam realmente qual é o sentimento da
população, em especial daquele último movimento de 7 de setembro. Foram as ruas
pedindo o quê? Liberdade.”.
Na
verdade, impende se relembrar que, no fatídico dia 7 de setembro último,
durante manifestações em São Paulo e em Brasília, o presidente do país fez duras
e agressivas declarações com forte teor golpista, ameaçando que não iria mais
obedecer às decisões tomadas pelo ministro do Supremo, em claro posicionamento
antidemocrático dissonante da estatura da principal autoridade do país, que
precisa mostrar firmeza, equilíbrio e modicidade na condução de seus atos.
Não
obstante, em razão das pressões e especialmente diante da falta de respaldo
político, dois dias depois, para o bem do Brasil e dos brasileiros, o
presidente do país se desculpou e, sem apresentar justificativa para tanto, pediu
arrego, tendo recuado de seus propósitos golpistas e publicado carta ao povo
brasileiro, conhecida como “Declaração à Nação”, se mostrando totalmente
arrependido e prometendo ser o “cordeirinho” da República, inclusive chegou a
telefonar algumas vezes para o ministro, na tentativa de buscar a reconciliação
com a paz, que, ao que parece, a duras penas, porque agora ele tem forte e
injustificável recaída, mostrando o seu verdadeiro comportamento insensato de desequilíbrio
beligerante, com críticas e ameaças sobre eventual uso da força golpista.
Naquele
documento, que foi considerado de pacificação, o presidente do país chegou a declarar,
pasmem, que as afirmações agressivas dele contra o ministro foram feitas no
calor do momento, quando, na verdade, não passavam de mentiras, exatamente
porque ele agora as nega, quando volta a fazer novas ameaças ao ministro, inclusive
alertando para o emprego de medidas de exceção.
Causa estranheza, agora, à vista da “Declaração à Nação”, onde o
presidente brasileiro mostrou a face que não era, na verdade, a dele, conforme
o texto a seguir.
“No instante em que o país se encontra dividido entre
instituições, é meu dever, como Presidente da República, vir a público para
dizer: 1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A
harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que
todos, sem exceção, devem respeitar. 2. Sei que boa parte dessas divergências
decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo
Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. 3. Mas na
vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a
corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia. 4. Por
isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do
calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum. 5. Em que pesem
suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas
decisões do Ministro Alexandre de Moraes. 6. Sendo assim, essas questões devem
ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a
observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art. 5º da
Constituição Federal. 7. Reitero meu respeito pelas instituições da República,
forças motoras que ajudam a governar o país. 8. Democracia é isso: Executivo,
Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos
respeitando a Constituição. 9. Sempre estive disposto a manter diálogo
permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência
entre eles. 10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio
do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos
do nosso Brasil.
Considera-se da maior importância o que disse o presidente do país,
no item 6 da carta, verbis: “Sendo assim, essas questões devem
ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a
observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art. 5º da
Constituição Federal.”.
Nesse
caso, diante de tamanha clareza do texto, há o entendimento segundo o qual alguém
simplesmente escreveu a mensagem e o robô assinou embaixo, sem ter o menor
compromisso em observar a sua palavra, à vista das críticas indevidas feitas
agora, que atropelam inapelavelmente o sagrado direito de recurso, com a nítida
intenção de “’esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros
e sua economia.”.
Durante a entrevista em tela, o presidente do país comentou, pela
primeira vez, sobre os pedidos de manifestantes para que ele adotasse medida de
caráter autoritário, tendo afirmado, verbis: “Quais as consequências de uma
medida que eles queriam que eu tomasse? Ficaria dois, três dias no braço do
povo. E depois? Os problemas externos, os problemas internos. O aparelhamento
da esquerda no Brasil. Eu até disse para alguns: o que aconteceu em 1967,
quando explodiu a luta armada no Brasil, poderia ser quase nada do que poderia
acontecer. Há uma luta de poder enorme no Brasil. A esquerda torcia para que eu
saísse das quatro linhas. Eu tenho que ter juízo.”.
O
presidente da República fala claramente que ele precisa ter juízo, mas fica
muito evidente que ele não faz o menor sentido sobre o significado desse importante
verbete, porque se ele tivesse realmente a mínima noção da importância do que
ele representa, o seu comportamento estaria centrado sobre os princípios do equilíbrio,
da sensatez e da razoabilidade.
Em
nenhum país evoluído, com o mínimo de civilidade, o mandatário tem o direito de
classificar que as autoridades da República estejam praticando abuso, no
exercício do seu cargo, tendo em conta o primado dos princípios insculpidos no
Estado Democrático de Direito, em que a sagrada liturgia oficial aconselha, ou
até mesmo obriga, que as medidas ou decisões judiciais sejam imediatamente
opostas, se for o caso, por meio do processo legal da ampla defesa e do
contraditório, porque é exatamente assim que se procedem as nações civilizadas
e conscientes sobre a reverência à grandeza dos princípios democráticos.
Ou
seja, o primado da evolução humanitária aconselha que os atos adotados por
autoridades públicas possam ser interpelados e manejados por meio de
competentes recursos, precisamente para o fim de se mostrar a verdade sobre os
fatos e se permitir que as aludidas autoridades tenham oportunidade de rever,
democraticamente, os seus atos, se assim os pleitos se revestirem dos competentes
instrumentos esclarecedores sobre os fatos demandados.
À
toda evidência, o mandatário brasileiro, ao contrário da observância dessa
regra comezinha, prefere atropelar os bons princípios republicanos e se arvorar
em agredir quem estiver pela frente, ameaçando adotar providências reparadoras,
ao seu estilo, caso haja avanço do “quintal”, por parte do ministro, no
entendimento de que ele age fora dos limites da Constituição, fato este que
certamente respaldaria que o mandatário pudesse usar o mesmo expediente de
exceção, posto que essa é a ilação que se pode fazer sobre o pensamento dele.
À
primeira vista, não se pode afirmar que o ministro esteja agindo fora da sua
competência constitucional, porque a sua decisão se houve certamente com base
no seu poder de agir e julgar, inerente ao cargo investido nele na forma da
Constituição vigente, tendo por base os elementos constantes dos autos, à luz
da legislação penal aplicável aos casos, sendo cabível apenas questionamento pela
via competente, apenas por parte dos envolvidos, na forma da compreensão
jurídica.
Agora,
se pode afirmar, até com convicção, que o presidente do país demonstra completo
desvio de finalidade e poder, ao fazer pronunciamento público, com teor
agressivo e ameaçador a autoridade da República, nitidamente fora do processo em
que, conforme o caso, ele nem é parte interessada e que certamente não deve
conhecer o teor dele.
Há
nisso, nítida tentativa de defesa indevida que faz o presidente do país de
jornalista, ex-deputado federal e de caminhoneiro, a denotar precipitação de
críticas, em princípio, injustas, quando o caminho natural aponta para a impetração
dos devidos recursos, por parte deles, em cada caso, de modo que os fatos
possam ser discutidos na via adequada, sem necessidade da imotivada inquietação
demonstrada por quem não tem o dever legal para agir nos casos.
Impende
se notar que o presidente do país defende, com veemência, a inocência de seus seguidores
e apoiadores, quando afirma que o ministro aplicou medida violenta sobre eles,
o que valeria se intuir que o mandatário brasileiro tem pleno conhecimento
sobre o teor dos processos onde foram proferidas as decisões questionadas,
porque isso seria o mínimo que se exige de seriedade para se criticar a ação do
ministro, que se imagina que não seja tão demente e irresponsável para a prática
de ato violento, a troco de absolutamente nada, porque isso contradiz o
princípio de justiça.
Certamente
que o presidente do país não teria condições de fazer acusações incisivas sobre
a prática de violência contra o ser humano se não tivesse respaldo para tanto,
porque, do contrário, ele incide em crime por acusar algo irregular sem ter
prova.
Aliás,
isso nem chega a ser novidade, diante do imbróglio das acusações sobre a fraude
das urnas eletrônicas, em que ele foi ao extremo das críticas à fragilidade do
sistema eleitoral, mas, por fim, disse que não tinha como provar nada nesse sentido
e terminou com a cara de cachorro que cai do caminhão de mudança, sendo
obrigado a assumir tamanho vexame.
No
caso em referência, o presidente do país faz exatamente o contrário da sagrada liturgia
do seu cargo, ao censurar, sem justificativa, o trabalho por ministro do Supremo,
sem conhecer o teor dos autos, em evidente invasão da competência de outro
poder da República, que precisa ser respeitado em todos os sentidos e ainda se expõe
ao ridículo, quando faz uso do poder para defender interesse de particular,
tendo em vista que ele somente pode agir em defesa dos direitos do Estado.
O
mandatário do país precisa ter grandeza à altura do cargo que ocupa, para
entender que nada se ganha na base do grito, como assim ele procede, na forma evidenciada
na entrevista em comento, onde ele faz duras críticas à atuação de ministro do
Supremo, inclusive alertando-o para possível represália se ele não se dignar a ler
a Constituição, ou seja, se ele não se corrigir na forma do entendimento do “todo-poderoso”,
que acha que somente ele está certo e os outros devem se amoldar ao seu estabanado
pensamento.
Na
verdade, a etiqueta protocolar da civilidade sinaliza apenas para que as partes
envolvidas em atos ou decisões susceptíveis de questionamento devam tratar
diretamente de seus interesses, estritamente por meio dos mecanismos próprios
de recursos, onde se permite mostrar as incorreções e os convencimentos de
direito, capazes e suficientes para as devidas revisão e modificação das
medidas em causa, conforme as situações, evidentemente sob o prisma dos
princípios jurídicos aplicáveis à espécie.
Brasília,
em 10 de dezembro de 2021
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