segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Sob louvores!

 

Um vídeo que circula na internet mostra a primeira-dama brasileira comemorando, junto com familiares e amigos, a aprovação, pelo Senado Federal, da indicação de ministro para o Supremo Tribunal Federal.

As imagens mostram o indicado, familiares dele, a primeira-dama e mais um grupo de pessoas acompanhando, pela televisão, o anúncio do resultado da votação no plenário do Senado.

O vídeo mostra a primeira-dama pulando e vibrando, aos gritos de louvor, após o anúncio do resultado da votação no Senado, enquanto o indicado se abraçava com familiares.

O futuro ministro se torna o segundo nome indicado pelo presidente da República para aquela corte.

Depois desse anúncio, o presidente do país afirmou que, com a aprovação em causa, ele cumpria promessa feita a apoiadores de indicar para o Supremo um ministro “terrivelmente evangélico”, de vez que o amigo indicado é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília.

Trata-se em si de desdobramento de fato extremamente estranho e inusitado, porque o Supremo tem por competência em sede constitucional, de forma precípua, à luz do disposto no art. 102 da Lei Maior do país, de zelar pela “guarda da Constituição”, tendo por finalidade, basicamente, o julgamento dos assuntos que estejam afetos a ela e digam respeito aos seus princípios, sem qualquer conotação com tema teológico ou religioso, o que significa abissal estranhamento presidencial à liturgia que ele tem dever institucional de observar e cumprir, na forma de compromisso de posse.

No caso da indicação em causa, conforme enfatizou o presidente do país, foi levada em consideração, prioritariamente, o saber teológico dele, por seus notórios saberes “terrivelmente evangélicos”, quando a Constituição se refere a apenas a conhecimentos relacionados com o “notável saber jurídico e reputação ilibada.”.

Extremes de dúvidas, esse estrambótico fato poderia ensejar questionamento acerca da nomeação em apreço, caso o Brasil fosse um país com o mínimo de seriedade, em relação às normas jurídicas, quando se trata dos assuntos relacionados com o Estado, onde o desrespeito às regras constitucionais parte exatamente da principal autoridade da República, que se vangloria de cumprir compromisso visivelmente ao arrepio do ordenamento legal do país, para o fim apenas de satisfazer, pasmem, o prometido para grupos de evangélicos, algo completamente dissonante dos princípios republicanos, onde, necessariamente, o magistrado somente tem compromisso com a satisfação do interesse da sociedade, ou seja, com o público em geral e não com grupos de apoiadores.

O presidente do país tem obrigação de dá bons exemplo de fidelidade às normas jurídicas, partindo-se do seu juramento de posse perante o Congresso Nacional e a nação, ou seja, os brasileiros, quando ele firmou compromisso, por força do disposto no art. 78 da Constituição, “de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis”, ficando muito claro que, nesse ponto, foi quebrada a regra fundamental aqui referida, o que é indiscutivelmente inadmissível em nação evoluída, à luz do que se espera de seriedade e responsabilidade em defesa da integridade da Constituição e do Estado, uma vez que precisa exercer a sua missão institucional com o máximo de eficiência, competência e responsabilidade.

Certamente que o ministro “terrivelmente evangélico” jamais poderia assumir o cargo que exige, na forma da Constituição, pessoa “terrivelmente jurista”, que somente entenda das Ciências do Direito, de modo a se permitir que o Supremo tenha condições de cumprir, com as esperadas competência e eficiência, em nome do Estado, a importante missão que os brasileiros exigem dele, o que certamente não poderá fazê-lo tendo a contribuição de pastor, com terrível experiência em termos evangélicos, à vista da garantia presidencial de que ele é “terrivelmente evangélico”.

A entusiástica e efusiva comemoração pela primeira-dama do país, diante do anúncio da aprovação do evangélico para o Supremo, mostra, com muita clareza, a verdadeira decadência dos princípios republicanos, ficando evidenciada a esculhambação no preenchimento de relevante cargo de ministro sem a devida observância dos critérios fundamentais exigidos pela Lei Maior, que deveria ter sido indicado alguém exclusivamente com notórios conhecimentos jurídicos, sem qualquer conotação com outros saberes, porque certamente a participação desse importante pastor na corte de Justiça tem o condão de prejudicar ainda os seus trabalhos, que já são bastantes criticados pelas morosidade e ineficácia.

Nesse caso, não somente perde o país, como especialmente a sociedade, com a escolha de ministro sem a observância do devido critério que se exige constitucionalmente para a ocupação de tão relevante cargo, diante da certeza ainda de que ele saiu do Palácio do Planalto, sede do governo brasileiro, por escolha pessoal do presidente da República, para decidir e fazer as vezes de agente do Executivo naquela corte e isso é completamente inadmissível se o Brasil fosse um país decente e sério, em termos de respeito aos princípios éticos e morais, porque as autoridades públicas se envergonhariam de ferir as comezinhas regras constitucionais, que é o caso em comento.

Ao contrário disso, a primeira-dama festejou a aprovação de algo completamente dissonante com o regramento jurídico, tendo a certeza de que o ministro apadrinhado do presidente do país há de fazer excelente trabalho no Supremo, em defesa do interesses do Executivo, quando a verdadeira missão de qualquer ministro é tão somente trabalhar em defesa da sociedade, em nome do interesse público.

Nesse questionável episódio, o presidente da República se expôs em ferir importantes princípios constitucionais, em especial porque a indicação desvia, de forma visível, das normas pertinentes à impessoalidade, ao juramento de posse e ao mérito do indicado, consoante o disposto nos arts. 37, 78 e 101 da Carta Magna, fato este que põe sob suspeita a legitimidade do ato administrativo pertinente.

É bastante lamentável que muitos brasileiros se conformem com procedimentos visivelmente contrários às regras constitucionais e ainda tendo comemorações absurdas por parte de quem deveria contribuir para respeitá-las ou, ao menos, exigir a sua devida observância, como forma de preservação da seriedade e da moralidade da gestão pública.

Enfim, cada povo tem o governo que merece, porque isso deriva da democracia republicana, que permite a escolha de seus representantes no governo e no Parlamento, apenas lembrando que estes teriam a obrigação de observar as regras constitucional e legal, para que o Estado pudesse ser administrado sob a égide da legitimidade, da competência, da eficiência, da responsabilidade, entre outros princípios próprios da civilidade e da decência compatíveis com a evolução da humanidade.                     

Brasília, em 6 de dezembro de 2021

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