sábado, 4 de dezembro de 2021

Cautela como princípio?

 

Um ministro do Supremo Tribunal Federal determinou a instauração de inquérito para investigar o presidente da República, por ele ter divulgado, em transmissão ao vivo por redes sociais, notícia falsa associando a imunização contra a Covid-19 e o desenvolvimento da Aids.

Na decisão, o ministro escreveu que, “Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas noticiadas do presidente da República, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra a Covid-19, utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa”.

A transmissão ao vivo em que o presidente do país faz a falsa afirmação relacionada às vacinas foi retirada do ar pelos Facebook e YouTube, plataforma que proibiu publicações do mandatário durante uma semana, por ter considerado que ele violou as diretrizes “de desinformação médica sobre a Covid-19 ao alegar que as vacinas não reduzem o risco de contrair a doença e que causam outras doenças infecciosas”.

De acordo com o Unaids, Programa da Conjunto ONU sobre HIV/Aids, as vacinas contra a Covid-19 aprovadas por órgãos reguladores são consideradas seguras para a maioria das pessoas, incluindo pessoas que vivem com HIV, tendo declarado que, “Portanto, não há razão para que as pessoas que vivem com HIV não tomem a vacina quando oferecida”.

A aludida decisão atendeu um dos pedidos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, que foi realizada no Senado Federal, diante de suspeitas de negligência do governo no combate à pandemia do coronavírus.

Os fatos investigados e os crimes apontados pela CPI foram enviados para diversas instituições e autoridades, incluindo o Supremo e a Procuradoria Geral da República, em cujo relatório final foram apontados múltiplos fatos susceptíveis da continuidade de apurações, diante de possíveis negligências ocorridas no combate à crise da pandemia do coronavírus.

Na decisão, o ministro fez crítica à PGR, tendo argumentado que não basta a “mera alegação”, como fez esse órgão ministerial, de que os fatos já estão sendo apurados internamente, porque, “Para que a supervisão judicial ocorra de modo efetivo e abrangente… é indispensável que sejam informados e apresentados no âmbito do procedimento que aqui tramita, documentos que apontem em quais circunstâncias as investigações estão sendo conduzidas, com a indicação das apurações preliminares e eventuais diligências que já foram e serão realizadas”.

Tendo concluído, o ministro afirma que “Apenas dessa forma é possível ter uma noção abrangente e atualizada dos rumos dessa fase da persecução criminal.”.

À toda evidência, as declarações distorcidas e absolutamente fora de contexto poderiam causar alguma forma de transtorno para quem precisava tomar a vacina, que poderia ficar em dúvida sobre a segurança do imunizante, diante da afirmação alarmante e sem consistência de que ela poderia ter implicação com o contágio com a Aids, que é doença crônica, que causa terror às pessoas e isso poderia suscitar medo, porque poder-se-ia, mesmo na incerteza do dito popular: se ficar, o bicho pega e se correr, o bicho come, ou seja, se não tomar a vacina, corre-se o risco de pegar a Covid-19, mas se tomar poderá pegar Aids ou agravar a situação das pessoas já afetada por esta doença.

Na verdade, a autoridade do presidente da República precisa ter a sensibilidade e consciência de se fingir de morto, ou seja, ficar caladinho, em se tratando de assunto em que ele é leigo, deixando que as autoridades sanitárias de manifestem sobre o assunto.

Essas autoridades são exatamente preparadas, estudadas e especializadas, normalmente com profundidade sobre o assunto e têm as condições necessárias para fazerem os devidos esclarecimentos sobre os efeitos e as causas do imunizante, tendo em vista que a população precisa de informações abrangentes e seguras, em se tratando de pandemia, em que a sociedade vive em clima o mais estressado possível, que somente aumenta com informação imprecisa em relação à doença.

Nesses casos, o presidente do país presta relevante serviço de ordem pública à sociedade, ficando calando, porque a sua manifestação sobre assunto de natureza sanitária resulta certamente em verdadeiro desastre, exatamente porque ele não tem competência, em termos de conhecimentos técnico-científicos, sobre assuntos domina altamente especializado, minimamente que seja, havendo possibilidade somente de contribuir para prejudicar a dinâmica do processo de imunização, que é da maior importância para a vida dos brasileiros.

Nesse caso, em princípio, não se trata de indevida interferência entre poderes, mas sim da necessidade de apurações sobre fatos da maior importância para a sociedade e especialmente para se mostrar o que realmente o mandatário brasileiro objetivava com a disseminação de notícias fraudulentas, de modo que, ao final, resulte alerta no sentido de que informações imprecisas vindas de autoridades do governo somente confundem a opinião pública e até pode prejudicar o bom andamento das medidas sanitárias pertinentes.

Ou seja, as investigações têm o condão de apurar responsabilidades quanto às consequências da declaração presidencial desastrada, com a finalidade de se verificar se ela tenha causado ao dano à população, como forma também de, se for o caso, de admoestação ao chefe do Executivo que ele precisa se conscientizar de que, em assuntos técnico-especializados, como no caso das medidas de saneamento da saúde pública, somente as autoridades competentes estão autorizadas legalmente para se manifestarem, devendo o governo apenas participar com o fornecimento dos meios necessários aos devidos esclarecimentos à população, porque é exatamente assim que se exige da seriedade governamental.

Enfim, é preciso que as autoridades governamentais se conscientizem de que, em tempos de pandemia, é extremamente importante que prevaleça o princípio da cautela, no sentido de que as informações oficiais sejam feitas somente pelos órgãos especializados competentes, como forma de orientação segura e necessária aos esclarecimentos da população e que elas possam contribuir para ajudar no combate à doença, evidentemente em benefício do interesse público.        

Brasília, em 4 de dezembro de 2021

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