O
Conselho Nacional de Justiça resolveu analisar a conduta do juiz que se
envolveu no episódio segundo o qual ele teria dado voz de prisão a uma agente
de trânsito, possivelmente porque ela o ter multado em uma blitz da Lei Seca,
no Rio de Janeiro, pelo simples fato de que ele foi apanhado dirigindo, sem a Carteira
Nacional de Habilitação, veículo se encontrava sem as placas.
A
decisão de revisar o Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz decorreu
logo após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter entendido que o
magistrado não teria cometido nenhuma irregularidade, em cujo julgamento o
tribunal considerou improcedente o pedido de punição para ele.
A
agente de trânsito, que participava da blitz da Lei Seca, informou que o
veículo, nos termos da lei, deveria ser apreendido e levado para o pátio de delegacia
determinada por ela, mas o juiz exigiu que o carro fosse levado para a
delegacia da preferência dele. Na ocasião, ao saber que o juiz determinara a
prisão dela, a agente teria dito que "juiz
não é Deus".
Diante
disso, o juiz alegou que a agente de trânsito foi debochada, enquanto ela disse
que o magistrado agiu com abuso de autoridade. Em razão desse imbróglio, a
agente de trânsito formalizou ação na Justiça contra o juiz, com pedido de
punição para ele.
No
entanto, para surpresa geral, a decisão condenou a agente ao pagamento do valor
de R$ 5 mil ao juiz, por danos morais, porquanto o magistrado relator do caso
entendeu que a agente de trânsito “agiu
com abuso de poder, ofendendo o réu, mesmo ciente da função pública
desempenhada por ele”.
Como
a agente de trânsito alegou que "Não
tenho dinheiro para pagar isso, é mais que meu salário", internautas
criaram uma “vaquinha virtual” para
pagar a o valor em apreço, cujo montante arrecadado atingiu a quantia de R$ 14
mil.
Diante
dos fatos, ela disse que a decisão em comento é desmotivante e "É um absurdo. Porque você bota a pessoa ali
para trabalhar, para cumprir a lei. É uma pena a lei ser para poucos, para
pessoas que têm o poder maior que o nosso. Imagina se vira rotina?".
A
servidora disse que houve interpretação errada sobre a expressão "juiz não é Deus", porque o magistrado
havia dado ordem a um policial militar para dar voz de prisão a ela: "O PM já veio na tenda onde eu estava com a
algema dizendo que ia me algemar porque ele (o juiz) queria. Eu então disse ao policial que ele queria, mas ele não era
Deus. O policial falou isso para o juiz. Não fiz isso com o objetivo de ofender".
Argumentando
em prol do juiz, o relator do caso disse que, “em defesa da própria função pública que desempenha, nada mais restou ao
magistrado, a não ser determinar a prisão da recorrente, que desafiou a própria
magistratura e tudo o que ela representa”.
À
toda evidência, a análise fria do caso, há enorme equívoco por parte do
julgador, ao afirmar o império da defesa da própria função pública, quando o
infrator foi o juiz, que, na ocasião não se encontrava investido de
magistratura nenhuma, muito ao contrário, porque ele foi apanhado cometendo
infringência de dispositivos do Código Nacional de Trânsito, não tendo nenhuma autoridade
para reclamar absolutamente de coisa alguma, porque a situação dele era,
repita-se, de infrator da norma legal.
Induvidosamente,
trata-se de clássico caso de corporativismo da magistratura, por não haver
ocorrido qualquer ato de desacato ao servidor público no exercício do cargo de
juiz, porquanto ele se encontrava na via pública apenas como cidadão comum,
sujeito às normas de cidadania, sem direito a qualquer privilégio, embora até
pudesse merecer se ele estivesse em situação de regularidade perante a lei, que
é do seu dever e dos demais brasileiros, que têm a obrigação de, em qualquer
circunstância, observar as normas constitucionais e legais do país.
Pode-se
afirmar, com absoluta segurança, que se trata da proteção corporativista, ante
a visão unilateral do juiz julgador do imbróglio, que somente viu infração da
agente de trânsito, como se a falha tivesse sido causada por ela, quando o
infrator foi o juiz, que menosprezou a dignidade ínsita de magistrado, ao
conduzir veículo sem as placas de identificação e sem o documento obrigatório
de habilitação, infringindo, a um só tempo, princípios do Código Nacional de
Trânsito e da Lei da Magistratura Nacional, sendo que esta certamente exige
conduta ilibada e exemplar dos magistrados.
No
entanto, de forma estranha e inexplicável, esse fato não foi objeto de análise
e decisão, quanto à imperiosa necessidade de aplicação de penalidade ao
magistrado, por dar péssimo exemplo de cidadania, manchando a dignidade da
magistratura, que, por certo, não pode tolerar que seu integrante, que tem a
obrigação de dar bons exemplos, possa sair por aí contrariando os comezinhos
princípios de boa conduta e de civilidade.
A
situação se caracteriza tragicômica porque a condenação do valor deveria ser
aplicada ao juiz em favor da agente de trânsito e não o contrário, tendo em
conta que ela estava em plena atividade, representando o Estado, enquanto ele
não passava de cidadão como os demais, que, no momento, encontra-se em situação
irregular perante o Código Nacional de Trânsito.
Essa
é mais uma demonstração da falta de seriedade do país tupiniquim, em que a
autoridade, mesmo não estando no exercício do seu cargo faz valer o poder da
sua autoridade, como se ele estivesse, no momento, em atividade, no exercício
da magistratura e fosse incomodado pela agente de trânsito, fato que expressa
claro menosprezo ao princípio constitucional de igualdade de direitos e
obrigações.
Compete
realmente ao Conselho Nacional de Justiça rever essa esdrúxula decisão
claramente corporativista, que não condiz com a realidade dos fatos, de modo
que o seu resultado possa servir de exemplo para os magistrados que se sentem
acima de tudo e de todos, inclusive da lei que eles têm obrigação
constitucional e legal não somente de observar com o devido rigor que seus relevantes
cargos exigem, mas de aplicá-la em benefício da sociedade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 09 de novembro de 2014
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