segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O peso do corporativismo?

O Conselho Nacional de Justiça resolveu analisar a conduta do juiz que se envolveu no episódio segundo o qual ele teria dado voz de prisão a uma agente de trânsito, possivelmente porque ela o ter multado em uma blitz da Lei Seca, no Rio de Janeiro, pelo simples fato de que ele foi apanhado dirigindo, sem a Carteira Nacional de Habilitação, veículo se encontrava sem as placas.
A decisão de revisar o Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz decorreu logo após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter entendido que o magistrado não teria cometido nenhuma irregularidade, em cujo julgamento o tribunal considerou improcedente o pedido de punição para ele.
A agente de trânsito, que participava da blitz da Lei Seca, informou que o veículo, nos termos da lei, deveria ser apreendido e levado para o pátio de delegacia determinada por ela, mas o juiz exigiu que o carro fosse levado para a delegacia da preferência dele. Na ocasião, ao saber que o juiz determinara a prisão dela, a agente teria dito que "juiz não é Deus".
Diante disso, o juiz alegou que a agente de trânsito foi debochada, enquanto ela disse que o magistrado agiu com abuso de autoridade. Em razão desse imbróglio, a agente de trânsito formalizou ação na Justiça contra o juiz, com pedido de punição para ele.
No entanto, para surpresa geral, a decisão condenou a agente ao pagamento do valor de R$ 5 mil ao juiz, por danos morais, porquanto o magistrado relator do caso entendeu que a agente de trânsito “agiu com abuso de poder, ofendendo o réu, mesmo ciente da função pública desempenhada por ele”.
Como a agente de trânsito alegou que "Não tenho dinheiro para pagar isso, é mais que meu salário", internautas criaram uma “vaquinha virtual” para pagar a o valor em apreço, cujo montante arrecadado atingiu a quantia de R$ 14 mil.
Diante dos fatos, ela disse que a decisão em comento é desmotivante e "É um absurdo. Porque você bota a pessoa ali para trabalhar, para cumprir a lei. É uma pena a lei ser para poucos, para pessoas que têm o poder maior que o nosso. Imagina se vira rotina?".
A servidora disse que houve interpretação errada sobre a expressão "juiz não é Deus", porque o magistrado havia dado ordem a um policial militar para dar voz de prisão a ela: "O PM já veio na tenda onde eu estava com a algema dizendo que ia me algemar porque ele (o juiz) queria. Eu então disse ao policial que ele queria, mas ele não era Deus. O policial falou isso para o juiz. Não fiz isso com o objetivo de ofender".
Argumentando em prol do juiz, o relator do caso disse que, “em defesa da própria função pública que desempenha, nada mais restou ao magistrado, a não ser determinar a prisão da recorrente, que desafiou a própria magistratura e tudo o que ela representa”.
À toda evidência, a análise fria do caso, há enorme equívoco por parte do julgador, ao afirmar o império da defesa da própria função pública, quando o infrator foi o juiz, que, na ocasião não se encontrava investido de magistratura nenhuma, muito ao contrário, porque ele foi apanhado cometendo infringência de dispositivos do Código Nacional de Trânsito, não tendo nenhuma autoridade para reclamar absolutamente de coisa alguma, porque a situação dele era, repita-se, de infrator da norma legal.
Induvidosamente, trata-se de clássico caso de corporativismo da magistratura, por não haver ocorrido qualquer ato de desacato ao servidor público no exercício do cargo de juiz, porquanto ele se encontrava na via pública apenas como cidadão comum, sujeito às normas de cidadania, sem direito a qualquer privilégio, embora até pudesse merecer se ele estivesse em situação de regularidade perante a lei, que é do seu dever e dos demais brasileiros, que têm a obrigação de, em qualquer circunstância, observar as normas constitucionais e legais do país.
Pode-se afirmar, com absoluta segurança, que se trata da proteção corporativista, ante a visão unilateral do juiz julgador do imbróglio, que somente viu infração da agente de trânsito, como se a falha tivesse sido causada por ela, quando o infrator foi o juiz, que menosprezou a dignidade ínsita de magistrado, ao conduzir veículo sem as placas de identificação e sem o documento obrigatório de habilitação, infringindo, a um só tempo, princípios do Código Nacional de Trânsito e da Lei da Magistratura Nacional, sendo que esta certamente exige conduta ilibada e exemplar dos magistrados.
No entanto, de forma estranha e inexplicável, esse fato não foi objeto de análise e decisão, quanto à imperiosa necessidade de aplicação de penalidade ao magistrado, por dar péssimo exemplo de cidadania, manchando a dignidade da magistratura, que, por certo, não pode tolerar que seu integrante, que tem a obrigação de dar bons exemplos, possa sair por aí contrariando os comezinhos princípios de boa conduta e de civilidade.     
A situação se caracteriza tragicômica porque a condenação do valor deveria ser aplicada ao juiz em favor da agente de trânsito e não o contrário, tendo em conta que ela estava em plena atividade, representando o Estado, enquanto ele não passava de cidadão como os demais, que, no momento, encontra-se em situação irregular perante o Código Nacional de Trânsito.
Essa é mais uma demonstração da falta de seriedade do país tupiniquim, em que a autoridade, mesmo não estando no exercício do seu cargo faz valer o poder da sua autoridade, como se ele estivesse, no momento, em atividade, no exercício da magistratura e fosse incomodado pela agente de trânsito, fato que expressa claro menosprezo ao princípio constitucional de igualdade de direitos e obrigações.
Compete realmente ao Conselho Nacional de Justiça rever essa esdrúxula decisão claramente corporativista, que não condiz com a realidade dos fatos, de modo que o seu resultado possa servir de exemplo para os magistrados que se sentem acima de tudo e de todos, inclusive da lei que eles têm obrigação constitucional e legal não somente de observar com o devido rigor que seus relevantes cargos exigem, mas de aplicá-la em benefício da sociedade. Acorda, Brasil!
 
          ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 09 de novembro de 2014

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