terça-feira, 18 de novembro de 2014

O princípio da desmoralização orçamentária

Com o envio de projeto de lei ao Congresso Nacional, o governo pretende eliminar a meta de superávit primário para 2014, ficando livre para abater da meta o volume de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de desonerações que forem feitas até o final do ano.
Uma autoridade da República disse que o superávit não é "questão de governo, mas de Estado" e o governo vai ganhar grande flexibilidade para administrar a meta de superávit primário das contas do setor público, caso seja aprovado o citado projeto, ou seja, nessas condições, fica eliminada a meta fiscal, com a alteração, de última hora, no bater do gongo, das regras fundamentais da política fiscal brasileira em 2014. 
O mais espantoso de tudo isso é que, em que pese a mudança quase no apagar das luzes do regime fiscal, o governo ainda tem o desplante de insistir e afirmar que o resultado do ano será positivo, como se os bestas dos brasileiros nada entendessem de malabarismo nas contas públicas, reiteradamente manipuladas para disfarçar os resultados das contas nacionais, inclusive na tentativa de enganar a opinião internacional, embora ela seja a primeira a perceber a incompetência administrativa do país, que sobrevive às custas dos famosos e ridículos jeitinhos brasileiros da vexatória criação da contabilidade criativa, em contraposição ao princípio universal da honestidade contábil. 
Até o ministério do Planejamento, responsável pelos levantamentos e acompanhamentos das contas públicas, afirma que, apesar da mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014, para a retirada do limite para abatimento da meta fiscal com despesas com o PAC e com as desonerações tributárias, "o Executivo está comprometido a realizar o máximo de superávit primário e ao mesmo tempo garantir a execução de investimentos prioritários e a manutenção dos incentivos à economia nacional, por meio de desonerações de tributos", ou seja, meras argumentações falseadas, mentirosas, inverídicas e ilegítimas, por não condizerem com a realidade dos fatos, porque, do contrário, não precisava do escandaloso artifício da mudança proposta ao Congresso Nacional. 
O certo mesmo é que o questionado projeto acaba com o limite fixo de R$ 67 bilhões para o abatimento das desonerações tributárias e dos investimentos do PAC, deixando o governo desobrigado de abater da meta fiscal o volume dos recursos do PAC e das desonerações que forem feitas até o final de 2014, tornando letras mortas as normas essenciais estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, por força das regras firmadas na Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.  
Impende se ressaltar que, até setembro último, as desonerações e os gastos com o PAC somavam a cifra de R$ 122,9 bilhões, ou seja, as desonerações somavam o valor de R$ 75,69 bilhões e a quantia do PAC atingiu mais R$ 47,2 bilhões, fato que demonstra o estouro da meta fiscal de R$ 67 bilhões, embora o rombo continuasse crescendo depois daquele, porquanto esse valor deve aumentar substancialmente até o final do ano, fato que pode garantir margem para o governo trabalhar até mesmo o resultado desfavorável nas contas públicas, que, até setembro, as contas do setor público acumulavam o déficit de R$ 15,3 bilhões.  
Com os investimentos e as desonerações já processadas até setembro, no valor de R$ 122,9 bilhões, e as projeções até o final do exercício fiscal, o volume potencial de abatimentos soma o valor de R$ 163,8 bilhões, o que se poderá projetar, com base nesses cálculos, a margem para déficit nas contas do governo da ordem de R$ 50 bilhões.
Embora o projeto do governo demonstre claramente flagrante afronta à dignidade do compromisso presidencial de cumprir o regramento jurídico do país, o presidente do Senado Federal disse que haverá empenho da base aliada para a aprovação do projeto, que tem merecido tratamento superespecial pelo Parlamento, quando deveria ter a dignidade de também zelar pelo fiel cumprimento das leis aprovadas por ele, a exemplo da importante Lei de Diretrizes Orçamentárias, que simplesmente poderá ter alguns de seus essenciais dispositivos menosprezados e jogados na lixeira do Legislativo, que cada vez mais se afunda no descrédito da sociedade, que ainda tem a obrigação de arcar com a suntuosa manutenção do Parlamento.
A propósito, um importante senador da base governista, sem sopesar a significância e a relevância do Parlamento, com relação a mais uma desmoralização que ele poderá materializar, com a aprovação do projeto em apreço, afirmou que "Nós queremos dar rapidamente parecer, porque esta é uma questão de Estado. Independentemente da questão política, eleitoral, partidária, nós temos de ter responsabilidade com a política fiscal do País, temos de sinalizar claramente a situação econômica do País, a situação fiscal, não só interna, mas externamente".
A aludida declaração é tão estapafúrdia, que a aprovação contradiz exatamente as palavras do parlamentar, porque a medida, se efetivada, sinalizará exatamente para a materialização da incompetência e o debacle da situação econômica do país, mostrando o quanto o governo foi incapaz de controlar, mesmo que minimamente, as contas públicas, tendo se excedido com vantagem o limite da meta fiscal estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, fato que depõe contra a credibilidade do governo, com evidentes prejuízos para os interesses nacionais, ante a certeza do afastamento dos investimentos internacionais no país, haja vista que o capital estrangeiro não sentirá segurança em aplicar no país cujo governo não observa sequer o limite fixado para a importante meta fiscal, aprovada pelo Parlamento com base em proposta apresentada pelo próprio governo.
Ao extrapolar as metas fiscais, o governo apenas demonstra um pouco de coerência ideológica, porque, na campanha eleitoral as previsões dos especialistas já acenavam para as terríveis dificuldades, notadamente quanto ao controle das contas públicas, mas a presidente do país jurava que a administração do país se encontrava absolutamente sob controle, inclusive com relação às contas do país, fato que certamente, agora, funciona como verdadeiro estelionato eleitoral, por ter induzido os eleitores a acreditarem na conversa dela, que se confirma, agora, de forma lamentável, como falsa e destituída de credibilidade.
O mínimo que o governo deveria fazer era respeitar também as metas orçamentárias, por força das normas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, notadamente porque o descumprimento dessa fundamental regra compromete a credibilidade do governo e do país, principalmente pela perda da confiança quanto à garantia sobre o controle das contas públicas, cujas despesas não podem superar a capacidade de arrecadação.
A falta de controle orçamentário pode implicar crime de responsabilidade fiscal, ante a evidente demonstração de incapacidade gerencial, pelo fato de se gastar além da previsão, advindo graves consequências para o país, motivadas pela desconfiança quanto à fragilidade dos gastos públicos.
A sociedade, imbuída do seu dever e da sua responsabilidade cívicos, deve se conscientizar e se posicionar contrariamente à aprovação do projeto de lei em comento, por alterar importantes dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias, com o injustificável abandono à meta fiscal acertada no início deste exercício, em função da meta de superávit primário, que é economia para o pagamento dos juros da dívida do governo, eis que ela não é definida numericamente e passa a ser o "máximo superávit primário", ou seja, o limite para o endividamento do país é simplesmente o infinito sideral, quando deveria também haver freios, como existe para a meta fiscal, que agora, de forma irresponsável e injustificável, pode nem mais ser preciso respeitar, em evidente retrocesso dos princípios da dignidade, do decoro administrativo, da legalidade e da transparência, que se impõem na governança do país tão importante como o Brasil, que jamais poderia se confundir com os procedimentos e as práticas político-administrativas das republiquetas, que simplesmente menosprezam, de maneira banalizada, os conceitos fundamentais da administração da nação. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 17 de novembro de 2014 

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