sábado, 10 de janeiro de 2015

Somente demagogia?

Em pleno recesso parlamentar, a Câmara dos Deputados deu posse a 41 deputados federais, em razão do afastamento dos titulares para assumirem cargos no Executivo estadual, os quais ficarão no cargo apenas durante o mês de janeiro em curso, sem necessidade de comparecimento ao trabalho, por força da suspensão temporária das atividades legislativas, prevista no Regimento daquela Casa.
O ato em si apenas faz parte do cotidiano do Parlamento, nas circunstâncias da normalidade das atividades legislativas, em que, nos termos da Constituição Federal, a legislatura na Câmara Federal é composta por 513 parlamentares no período de quatro anos, ficando obrigatória a convocação, toda vez que uma vaga é aberta, do suplente, não importando o tempo restante para a legislatura terminar. Agora, isso apenas se justifica estando o Congresso em plenas atividades, não sendo racional nem muito menos plausível que os suplentes sejam convocados apenas para se beneficiarem das remunerações em pleno gozo de folga ou de férias.
Questionados, apenas um dos deputados se dignou a informar que não considerava “muito moral” receber todos os benefícios inerentes ao cargo. Não obstante, ele entendeu que é assim que funciona o sistema e por isso não iria abrir mão do salário e das verbas de gabinete: “Não vou devolver. Seria muita demagogia”.
Esse mesmo deputado disse que “Você participa de uma coligação, de um pleito eleitoral. Não é assumir como suplente, eu me tornei titular. Isso é uma coisa que infelizmente é contra o bom censo, mas é assim que a coisa funciona. Não é muito moral, mas...".
A falta de honestidade e de caráter se evidencia justamente pelo fato de, sem ter ao menos um dia de trabalho, os deputados terão direito a receber o salário quase total de janeiro, no valor de R$ 26,7 mil, e 13º salário proporcional, além de poderem usar a verba mensal para pagar funcionários de gabinete (no valor de R$ 78 mil), o auxílio-moradia (no valor de R$ 3,8 mil), a cota parlamentar e os recursos destinados ao custeio de passagens aéreas e gasolina, ou seja, trata-se de vergonhosa farra com recursos públicos, totalmente injustificável, em razão de não haver fato plausível que comprove a contraprestação de coisa alguma em benefício do interesse público.
Na verdade, não se trata de mera demagogia a devolução dos recursos recebidos a título de remuneração parlamentar, sem que houvesse, para tanto, o mínimo de contraprestação de serviços por parte do deputado. O caso se caracteriza, na prática, como atitude política antiética, imoral, indigna e desonesta, em virtude de o Estado comprometer quantias substanciais a troco de absolutamente nada, apenas jogando dinheiro pelos ralos, em cristalino procedimento irresponsável e absurdo, que mais se enquadra em crime de responsabilidade, em evidente prática de crime de lesa-pátria, por haver claro desperdício de recursos públicos.
Não há dúvida de que essa triste situação expõe a precariedade e o anacronismo em que se encontra a administração pública brasileira, quando um poder da República obriga o Estado a promover pagamentos de despesas absolutamente dispensáveis e ilegítimas, pois bastava que não houvesse convocação de suplentes de deputados, em razão da desnecessidade da sua atuação no Parlamento, que se encontra em pleno recesso, para que não fosse necessária, à luz do bom senso e da razoabilidade, a convocação dos deputados, eis que o próprio recesso já justificaria a legitimidade desta medida salutar e benéfica para os cofres públicos, ante a expressiva economia de gastos públicos.
Esses fatos absurdos e lamentáveis apenas confirmam a má fama dos políticos tupiniquins, que são acusados, com justiça, à luz dos exemplos em comento, de se aproveitarem das benesses e das facilidades ainda existentes na administração pública, que jamais deveriam existir em pleno século XXI, onde os países se evoluíram e com eles acompanharam os homens públicos, que perceberam que os princípios democráticos são fortalecidos com atitudes que contribuam para o aperfeiçoamento e o fortalecimento dos conceitos de moralidade, dignidade, honestidade e, sobretudo, amor e respeito à coisa pública, principalmente pelo sentimento da percepção de que o recebimento de remunerações sem a devida contraprestação de serviços se caracteriza irregularidade extremamente injustificável e imperdoável. Acorda, Brasil!         
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 09 de janeiro de 2015

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