terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Afirmações surrealistas

A presidente da República aproveitou as atenções nacionais às celebrações da sua posse para esbanjar elogios ao seu governo e ao do seu antecessor, os elevando aos píncaros da eficiência e da competência, como se ela estivesse discursando para telespectadores constituídos por ela mesma, à vista do surrealismo com que suas afirmações representaram, contrariamente à realidade do que foi o seu governo nos últimos quatro anos, ladeados de resultados pífios, notadamente na execução das políticas econômicas, na prestação dos serviços públicos de péssima qualidade - comparáveis aos oferecidos nas republiquetas – e na frequência de alarmantes atos de corrupção.
A petista, inebriada possivelmente pelos bons fluidos do segundo mandato, aproveitou o momento para celebrar a inacreditável vitória, proclamar expressões de puro otimismo e prometer megarrealizações, em repetição às promessas antigas, que não foram cumpridas no primeiro mandato, que foi recheado de insucessos e de maus resultados.
É evidente que a ocasião aconselharia que a presidente fosse apenas comedida e permanecesse centrada na sua gestão, para se referir tão somente aos fatos relacionados ao seu governo, cujo desempenho já é do conhecimento dos brasileiros, pelos menos daqueles que não votaram nela, não havendo necessidade que ela se exagerasse no esforço de autoelogios sobre o inexistente ou talvez do existente em contrariedade ao que ela afirmara com tanta convicção, porquanto o diagnóstico realista sobre os fatos causadores da terrível crise que ronda seu primeiro governo sequer foi tangenciado por ela, como o desastroso desempenho da economia e o terremoto causado pelos escândalos com sede na Petrobras.
É possível que o momento mais importante do discurso tenha sido quando ela, talvez por lapso, tenha admitido que as contas públicas precisem de "ajustes", deixando claro, com isso, que nem tudo foi palmilhado com flores no seu governo, uma vez que o ajustamento pretendido deixa escapar que houve barbaridades e deficiências na condução das contas públicas, na primeira gestão da petista.
Ao afirmar que "Sempre orientei minhas ações pela convicção sobre o valor da estabilidade econômica, da centralidade do controle da inflação e do imperativo da disciplina fiscal", a presidente deixa dúvida quanto à firmeza na condução das políticas econômicas, tanto que os resultados da sua gestão foram cercados de muitos e sucessivos déficits. O certo é que a deterioração da execução das políticas econômicas ultrapassou os limites da intolerância que a obrigou a passar o bastão do Ministério da Fazenda para economista identificado com a oposição, de ideologia liberal, como forma de se evitar que o fosso da degeneração desse sensível setor não aprofundasse de maneira incontrolável.
A presidente preferiu fazer uso do eufemismo para defender o primeiro pacote de cortes, com medidas que retira benefícios de trabalhadores, como forma de amenizar o rombo no Tesouro, com os gastos na Previdência, ao se referir a “correções de distorções” e “eventuais excessos” nos ajustes promovidos no seguro doença e na pensão por morte, considerando que se tratam de problemas com origem há mais de 12 anos, que já deveriam ter sido saneados há bastante tempo e não agora, depois de ter garantido que não mexeria em direitos dos trabalhadores e de criticar os candidatos que acenavam para correção de falhas no sistema previdenciário.
Agora, o caso mais emblemático ficou por conta da referência ao agressivo rombo detectado na Petrobras, ao prometer adotar medidas de proteção do patrimônio da estatal, garantindo, sempre bitolada no velho chavão inconsequente e infrutífero, apurações e punições, dando a entender que as irregularidades passaram ao largo das hostes petistas e catervas, ignorando os termos dos depoimentos à Justiça Federal do ex-diretor de Abastecimentos da estatal, de que o esquema de desvio de recursos da empresa foi arquitetado pelo PT, PMDB e PP, mas a presidente apenas se referiu a "alguns servidores que não souberam honrá-la", como se o escândalo não envolvesse altos dirigentes da empresa e políticos dos maiores partidos que a apoiam, inclusive do PT.
A presidente foi pródiga de equívocos, no seu discurso de posse, ao produzir autoelogios aos governos petistas, elevando-os a patamares impróprios, deixando de reconhecer as deficiências e incompetências do primeiro mandato e ainda apresentando festival de imprecisão e imposturas que não condizem com a realidade dos fatos, cujas afirmações distorcidas conspiram contra os apelos de quem precisa de apoio e de credibilidade no início do novo governo-velho.
A verdade é que, enquanto não houver superação do crônico fanatismo ideológico-partidário, materializado na mentalidade dos simpatizantes do governo, que contribui para impedir o reconhecimento de erros, imperfeições e deficiências, o governo continuará a imaginar que administra a nação com eficiência e competência, embora os fatos sejam cristalinos em mostrar que a situação do país e gravíssima, notadamente no que diz respeito à condução das políticas econômicas, à prestação dos serviços públicos e ao combate à corrupção, que não se resolve com simples afirmações de coragem para apurar e punir, sem que haja medidas efetivas de saneamento dos problemas. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
Brasília, em 05 de janeiro de 2015

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