domingo, 4 de janeiro de 2015

Corte no compromisso sagrado

A presidente da República fez questão de encerrar a mensagem dirigida ao povo, que se encontrava reunido para a sua segunda posse, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, com esse juramento: "Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás, só mais direitos e só o caminho à frente. Esse é meu compromisso sagrado perante vocês.”.
Em evidente contradição, há três dias dessa estonteante declaração, o governo havia anunciado corte em cinco benefícios previdenciários, que podem atingir a cifra de R$ 18 bilhões, cuja tesourada palaciana tem por abrangência o seguro-desemprego, o abono salarial, a pensão por morte, o auxílio-doença e o seguro defeso (com aplicação aos pescadores). Esses cortes afetam os interesses diretos dos trabalhadores pobres, cujo montante avaliado para economia de recursos equivale a aproximadamente 70% do dispêndio com o programa Bolsa Família, no exercício de 2014.
Causa perplexidade se perceber que a face do governo não se ruboriza nem um pouco ao expressar incoerência entre o que diz e o que efetivamente pratica, à vista do ato supramencionado, em que a tesoura petista corta profundos direitos dos trabalhadores, mas a petista, sem nenhum desface, assegura a integridade dos direitos trabalhistas como compromisso sagrado.
A contradição entre palavras e atos salta aos olhos de forma bastante perigosa, dando a entender que os brasileiros são verdadeiros imbecis, que não têm condições de perceber a atroz diferença entre o que se diz e o que se faz, uma vez que o resultado se materializa em prejuízo para a sociedade, que não tem como deixar de sentir na pele os duros efeitos das medidas adotadas pelo governo, que podem se tratar de distorções que deveriam já ter sido saneadas há bastante tempo, sem necessidade de desfaçatez, porque faz parte do governo de tratar com seriedade e responsabilidade os assuntos da sua alçada.
Apesar de haver incontestável e alarmante contradição por parte do governo, que alega em sua defesa que não se trata de retirada de direitos, mas sim de correção de "distorções", que correspondem efetivamente à realidade, porque distorções não seriam capazes de produzir economia que pode se aproximar do suntuoso montante de R$ 18 bilhões. Infelizmente a justificativa petista somente contribui para desacreditar a autoridade do governo, quando não tem condições morais de assumir seus atos, exatamente com a verdadeira objetividade do seu alcance, mas tudo isso não passa de vã tentativa de mostrar tolerância e bondade absolutamente inexistentes do governo, que o faz dessa forma apenas em razão de possível mais perda de confiança por parte de seus admiradores e simpatizantes.
Não há a menor dúvida de que é corretíssimo que haja corte de despesas públicas, notadamente em se tratando de situação que vem resultando déficit crônico nas contas públicas, com enorme reflexo na elevação da descontrolada e alarmante dívida pública e do seu serviço. Trata-se de comezinho princípio da boa e eficiente gestão dos dinheiros públicos, que sempre deve primar pela estrita observância ao princípio da economicidade. Todavia, o governo jamais deveria criticar a oposição, por justificar a necessidade de ajuste nas contas públicas, e dizer que não mexe nos direitos dos trabalhadores, mas, vez por outra, faz exatamente aquilo que teria censurado, a exemplo da ridícula correção de “distorções”, que mais funciona como verdadeira dissimulação que não condiz com a seriedade que se espera de governo com credibilidade e responsabilidade de agir exclusivamente em defesa dos interesses nacionais, independentemente se as medidas adotadas por ele possam contrariar os interesses pessoais ou partidários, que são irrelevantes em relação às causas da sociedade.
Na prática, o que o governo vem fazendo, há bastante tempo e com irretocável brilhantismo, é manipular e desinformar grande parcela dos brasileiros, que prefere continuar iludida com essa poderosa estratégia de enganação de se dizer uma coisa e se realizar outra, como forma de confundir os fatos e os conceitos sobre a sua finalidade, sem, no entanto, assumir as consequências, quando elas não são convenientes para o conceito do partido ou do governo.
Agora, estranha-se que o governo nunca encontre distorções nos gastos públicos, com origens nos gabinetes palacianos, como forma de se exigir urgentes adequações, ou melhor falando, cortes nas abundantes e dispendiosas mordomias, regalias e benefícios usufruídos, de forma descontrolada, por autoridades dos poderes da República, a exemplo de auxílio moradia, passagens aéreas, veículos, combustível, telefones, cartões corporativos e outras distorções injustificáveis e carentes de imediatas adequações à realidade de miséria brasileira, que não condiz com a vida nababesca dos homens públicos, que são insensíveis à penúria e à pobreza da maioria de seus representados.
Urge que os brasileiros tenham a dignidade de repudiar as contradições e as incoerências de seus governantes, exigindo seriedade e responsabilidade na administração do país, de modo que haja, entre tantas medidas imprescindíveis, urgente racionalização dos gastos públicos, com vistas à adequação das despesas supérfluas, injustificáveis e dispensáveis, como mordomias, regalias e benefícios extravagantes à realidade de pobreza do país, à vista do que preconiza o salutar princípio da economicidade. Acorda, Brasil!
 
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
 
          Brasília, em 04 de janeiro de 2015

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