terça-feira, 6 de junho de 2017

A involução da humanidade

O Congresso Nacional promulgou, nesta data, a Emenda Constitucional que versa sobre a prática de vaquejada, pondo término aos entraves jurídicos para a realização dessa atividade no país.
Como se sabe, essa forma de evento é praticada por dois vaqueiros montados a cavalo, lado a lado, que correm em perseguição ao boi, para derrubá-lo, por meio de puxão pelo rabo.
A citada emenda altera a Constituição, especificando “que não são consideradas cruéis as práticas desportivas que utilizem animais e sejam registradas como manifestações do patrimônio cultural brasileiro.”.
Por ocasião da votação, um deputado ainda tentou retirar de pauta a emenda em apreço, alegando que, “Apesar de o texto da PEC tentar tratar essa prática como uma questão cultural, a cultura do Nordeste, do Sul e do Brasil vai muito além de uma prática como essa, que é lamentavelmente uma prática cruel”.
Em contraposição, um parlamentar da Paraíba defendeu o evento, dizendo que “A vaquejada evoluiu, sim, ela hoje tem regras, tem estatuto. Ela fiscaliza e pune (sic) quem comete os maus-tratos, porque é perfeitamente possível conciliar de forma sustentável essa atividade que gera emprego, renda e oportunidade com a vida de quem está no semiárido do Nordeste e vive na seca, no sol e na poeira”.
O líder do PSDB defendeu posição contrária à emenda, ressaltando que “O Supremo (Tribunal Federal) se reúne e vota no Pleno pela inconstitucionalidade dessa matéria. E o que faz o Congresso Nacional? Busca uma fórmula de inibir uma votação do Supremo”.
Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a vaquejada, por haver submissão dos animais à crueldade, tendo o ministro-relator concluído que se trata da prática eivada de “crueldade intrínseca” e que o dever de proteção ao meio ambiente previsto na Constituição Federal se sobrepõe aos valores culturais da atividade desportiva.
Na tentativa de contrapor à posição do Supremo, um deputado baiano disse que “Se a vaquejada fosse banida, além da cultura de um povo, teria prejuízo injustificável para toda uma cadeia produtiva, condenando cidades e microrregiões ao vazio da noite para o dia.”.
Enquanto isso, um parlamentar entusiástico afirmou que a vaquejada evoluiu, tem regras e estatuto, que fiscaliza e pune quem comete os maus-tratos, quando que se sabe, de sã consciência, que ela não pode fiscalizar nem punir e que, na verdade, ninguém é punido, pelo menos não se tem conhecimento disso, pela prática de graves crueldades contra os animais, que acontecem costumeiramente.
          Por seu turno, à toda evidência, quem vive na “na seca, no sol e na poeira” não tem mínimas condições de promover vaquejada, porque se trata de sertanejo calejado estranho aos verdadeiros promotores e aproveitadores dessa absurda farra com os animais, eis que eles se beneficiam da situação e põem em risco a integridade dos bois.
É extremamente lamentável que, em pleno século XXI, quando tanta evolução já se processou no mundo, com o aparecimento dos maravilhosos avanços operados nos conhecimentos científico e tecnológico e quando a humanidade se beneficia, de forma magnífica, da engenhosidade da informática, da internet e dos celulares, permitindo que a cultura tenha realmente dimensão e contribua, de forma útil e benéfica para o enriquecimento do saber e do conhecimento humanos, vem agora o Congresso Nacional, em notória demonstração de extremo retrocesso, aprovar norma jurídica para dizer que a vaquejada não causa sofrimento aos animais envolvidos nessa tragédia, por se tratar de manifestação cultural, ficando muito cristalina a falta de sensibilidade humano dos congressistas.
Os defensores desse absurdo não passam de insensatos e insensíveis, que preferem ignorar e desprezar a crueldade e os maus-tratos aos animais, em nome de uma pseudocultura que já deveria ter sido sepultada há bastante tempo, uma vez que a diversão que isso causaria no passado já não se justifica no presente, diante do surgimento de outros motivos de diversão humana, próprios da modernidade e das conquistas da humanidade, suficientemente capazes de substituir o sofrimento dos animais.
Nunca se viu, nem nas republiquetas, definição tão ridícula, absurda, esdrúxula e irresponsável de se dizer “que não são consideradas cruéis as práticas desportivas que utilizem animais e sejam registradas como manifestações do patrimônio cultural brasileiro.”, quando os atos de crueldade não levam em conta o que está escrito no papel, mas sim a brutalidade física causada na arena pelo bicho homem, que não se sensibiliza pelo sofrimento dos animais indefesos.
A norma aprovado pelo Congresso simplesmente ignora o comezinho princípio de proteção dos animais, sob o bestial e infundado argumento dito acima, de que não são cruéis as práticas que utilizem animais e sejam registradas como manifestações do patrimônio cultural, quando a realidade é bem diferente disso, diante da constatação de animais mutilados, com pernas quebradas, rabos arrancados ou quebrados e outras barbaridades que o bicho homem simplesmente tenta ignorar e pôr no papel que o sentido de "patrimônio cultural brasileiro" põe a salvo o sofrimento dos animais.
Data vênia, a vaquejada evoluiu somente na concepção dos gananciosos empresários (que não têm nada a ver com o povo), que promovem os eventos visando ao faturamento e ao lucro fácil em cima do sofrimento e do martírio de animais, que a partir de agora podem ser manipulados com respaldo em norma jurídica aprovada pelo bicho homem interessado nos votos dos nordestinos, a exemplo das justificativas infundadas e desconectadas com a realidade fática.
 Ao contrário da vaquejada, que alguém asseverou que ela evoluiu, nesse caso, o homem deu contundente demonstração de que passa por terrível processo de involução humanitária, por ter deixado de lado a pureza de seus sentimentos humanos, próprios de quem sabe perfeitamente a real dimensão do sofrimento e da crueldade quando essa forma de judiação afeta diretamente as suas insensibilidade e desumanidade.
À toda evidência, a aprovação da norma jurídica em comento nada mais é que estúpida demonstração do quanto o homem ainda é capaz de perseguir fins econômicos, atropelando regras e princípios de bom senso e racionalidade, sob argumentos absurdos e irresponsáveis, para tentar justificar enorme brutalidade contra animais indefesos, que agora podem ser livres e eternamente martirizados, por práticas cruéis da vaquejada, sob os auspícios da estupidez, insensibilidade e insensatez humanas. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
          Brasília, em 6 de junho de 2017

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