quinta-feira, 22 de junho de 2017

Carnaval com recursos públicos?

As escolas de samba do Grupo Especial da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) chegaram a divulgar nota para anunciar sua decisão de não desfilar, no próximo ano, após o prefeito do Rio de Janeiro ter confirmado o corte da metade dos recursos da subvenção destinados ao evento.
Em tom de contraposição à redução da verba, a Liesa ressalta os “benefícios econômicos, financeiros, de geração e renda, além da valorização da imagem da cidade do Rio de Janeiro e do Brasil”, na tentativa de justificar a necessidade da manutenção do repasse, no nível dos anos anteriores, e o substancial aumento da arrecadação, por meio de receitas diretas e indiretas “proporcionadas durante o período de preparação e realização dos desfiles carnavalescos”.
A Liesa garante que o corte de 50% dos recursos “trará graves consequências para produção do espetáculo” e tornará os desfiles inviáveis, diante da indiscutível perda de qualidade.
A entidade também achou por bem destacar que o prefeito, quando era candidato, visitou a sede da Liesa e firmou compromisso de manter o subsídio aos desfiles, com perspectiva de aumento dos recursos.
Não obstante, a prefeitura do Rio, a par de decidir pelo corte da verba para o desfile, informou que os recursos economizados vão se destinar ao aumento do repasse da manutenção de creches conveniadas com o município.
A prefeitura esclareceu que as escolas de samba receberam, para o desfile deste ano, cerca de R$ 24 milhões e, agora, 50% do valor serão revertidos para melhorar a alimentação e o material escolar das crianças.
É preciso se acabar, com a máxima urgência, com o inadmissível patrimonialismo neste país que falta recursos para o atendimento mínimo das necessidades do povo, enquanto ainda tem entidade que se beneficia de recursos públicos, em montante bastante expressivo, principalmente porque se trata de evento que pode perfeitamente ser financiado pelos segmentos que se beneficiam dos desfiles, como os meios de comunicação, a rede hoteleira, o comércio etc., não se justificando a participação de recursos públicos, em razão de não haver aproveitamento substancial dos resultados para o interesse público.
Na realidade, os desfiles das escolas de samba são autossustentáveis, em razão de envolverem negócios milionários, em que o lucro é sempre garantido, diante do seu indiscutível sucesso, não cabendo qualquer participação de recursos públicos nesse evento bastante rentável, basta que o planejamento seja feito como empreendimento privado.
Todo gestor da coisa pública tem o dever constitucional e legal de zelar primacialmente pelo interesse público e, em função desse princípio, o prefeito do Rio de Janeiro cometeu grave crime, justamente por ter decidido cortar apenas 50% dos repasses às escolas de samba.
No caso sob exame, o interesse público clama por que o prefeito tem o dever legal de cortar os 100% dos repasses, porque as necessidades públicas são prioritárias e a notória escassez de recursos não permite que a diversão de meia dúzia de foliões seja beneficiada por meio de recursos que fazem muita falta à saúde, à educação e principalmente à segurança pública, completamente falida no Rio de Janeiro.
Nas circunstâncias, é aconselhável que o prefeito do Rio de Janeiro se conscientize de que, na qualidade de gestor público, é imperiosa a imediata revogação da sua absurda decisão, para anunciar, em seguida, que ele havia se equivocado, quando a medida correta não seria de 50%, mas sim de 100%, em harmonia com a necessidade de atender ao interesse público, em especial a população que precisa ser assistida com a prestação de serviços de qualidade, porque a diversão do samba não a satisfaz.
A Liesa deveria se vangloriar de ainda receber 50% dos cofres públicos, quando, neste momento de terrível crise econômica, ela tem o dever de indenizar o Estado pelo uso do espaço público.
A verdade é que os governantes precisam se conscientizar de que o interesse público deve sempre prevalecer sobre as causas particulares.
Convém que os verdadeiros e potenciais interessados na realização do Carnaval carioca se mobilizem no sentido de conseguir viabilizar a implementação desse evento exclusivamente com recursos próprios ou de outras fontes estranhas à participação de recursos públicos, que, à toda evidência, têm sido escassos para a satisfação das necessidades essenciais da população.
Caso contrário, a única alternativa, para o bem do povo e do Brasil é realmente não haver Carnaval com as pompas tradicionais, porque o povo não suporta mais ser penalizado com as orgias com recursos públicos que fazem muita falta na saúde, na educação, na segurança pública, no saneamento básico e nos demais serviços de incumbência do Estado, que precisa priorizar a aplicação de seus gastos com atividades exclusivamente indispensáveis ao interesse público.
O gestor público tem o dever, nos termos da Constituição e das leis do país, de priorizar a destinação dos recursos públicos, tendo como foco primordial o suprimento das carências da população, desde a creche até as necessidades essências, de modo que somente haja repasse para entidades, como escolas de samba, quando não houver mais fila para atendimento nos hospitais ou ainda quando a educação seja de qualidade, além de se ter a garantia de plena segurança para todos, enfim, que o dinheiro público seja suficiente para suprir as necessidades básicas da incumbência do Estado. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 22 de junho de 2017

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