Um dos inquéritos instaurados pelo Supremo Tribunal
Federal contra o senador tucano afastado, tendo por base delação da Odebrecht,
foi redistribuído e ficará sob a relatoria de um ministro amigo desse
parlamentar.
O caso diz respeito à acusação de que o senador
recebeu, no ano de 2014, valores de forma indevida daquela empreiteira para a
sua campanha eleitoral.
De acordo com delatores, os pagamentos teriam sido
feitos de forma dissimulada por meio de contratos fictícios firmados com a
empresa PVR Propaganda e Marketing Ltda., cuja acusação foi negada pelo tucano.
Ao determinar a redistribuição do inquérito, a
presidente do Supremo concordou com o argumento do procurador-geral da
República, nestes termos: “Na espécie
vertente, como exposto pelo Procurador-Geral da República, em exposição
acolhida pelo relator, ministro Edson Fachin, inexiste conexão entre os fatos
narrados no presente inquérito e aqueles relacionados à denominada Operação
Lava Jato. Pelo exposto, acolho a manifestação do Procurador-Geral da República
e determino a livre redistribuição deste inquérito, resguardada a natureza do
procedimento, incluídas ao resguardo do grau de publicidade, ou não, a ele
imposto até o momento, até decisão do novo relator a quem caberá decidir as
questões arguidas no presente processo”.
O
inquérito objetiva investigar fatos narrados por delatores que “apontam, por meio de declaração e prova
documental, que, em 2014, foi prometido e/ou efetuado, a pedido do senador da
República Aécio Neves da Cunha, o pagamento de vantagens indevidas em seu favor
e em benefício de seus aliados políticos".
A
propósito, o mencionado ministro foi flagrado em áudios divulgados na Operação
Lava-Jato conversando, pelo telefone, com o senador tucano, conforme registro
feito pela Polícia Federal, em maio último, onde eles combinavam supostas
articulações para a tramitação do projeto de lei que endurece as punições para
autoridades que cometem abuso.
O
tucano disse que o objetivo da conversa era "dar uma satisfação para a bancada" e que seus encontros e suas
conversas mantidos com o ministro são públicos e institucionais.
O
ministro afirmou que não se sente constrangido e "nada impedido" de assumir a relatoria de um dos inquéritos
sobre o senador tucano afastado, nestes termos: "(Não me sinto) nada impedido. Nenhum constrangimento".
Na verdade, a sociedade se sente extremamente constrangida e desapontada por perceber a total falta de sensibilidade e discernimento por parte de magistrado que ignora a realidade dos fatos, dando a impressão de que tudo pode, sem precisar prestar contas sobre seus atos àqueles que pagam os seus subsídios.
O
senador, atualmente afastado do mandato, tem afirmado que as doações recebidas
foram legais e devidamente declaradas à Justiça Eleitoral, que é comandada pelo
mesmo ministro.
Esse caso parece surrealista, porque, excluídos o
ministro responsável pela Lava-Jato, que era relator do processo em apreço, e a
presidente do Supremo, sobram nove ministros e o processo foi
"sorteado" logo para o polêmico ministro presidente do Tribunal
Superior Eleitoral e amigo íntimo do investigado, que há poucos dias foi
grampeado falando exatamente com o senador tucano que passa a ser julgado por
ele.
Convém esclarecer, como foi amplamente divulgado
pela mídia, que a conversa entre ambos não era nada republicana, uma vez que o
senador teria ligado para o ministro para que este lhe fizesse o favorzinho de
ligar para senadores, com a finalidade de cooptar votos deles em favor de
projeto de interesse do senador tucano.
Ou seja, como o ministro não declarou ser suspeito para
atuar e cuidar do caso, o Supremo vai ficar ainda mais sem condição de
justificar uma trapalhada que poderia ter sido contornada discretamente no seu
próprio seio, evitando que a imprensa e a opinião pública questionassem mais
esse caso escabroso.
Por se permitir que o processo em apreço possa ser
relatado por ministro que recentemente foi subserviente ao investigado, dá azo
para justificável desconfiança quanto ao resultado da investigação, que não
haveria qualquer questionamento quanto ao aspecto da imparcialidade se o
processo fosse redistribuído para outro ministro insuspeito de relações pouco
usual, uma vez que não é normal que político fique pedindo favor a ministro de
tribunal superior, em matéria sujeita a outra jurisdição.
Diante das ligações de amizade íntima entre o
ministro e senador, os brasileiros esperavam que o magistrado tivesse sensatez
e sensibilidade suficientes para entender que as aludidas relações fossem
capazes de, no mínimo, suscitar questionamentos por parte da opinião pública,
que tanto aspira pela moralização da administração do pais, uma vez que fica
bem na cara que tal forma de proceder, mesmo que não haja facilitação, não
condiz, entre outros, com os salutares princípios do decoro, da ética e da
dignidade.
Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 27 de junho de 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário