terça-feira, 27 de junho de 2017

Falta de sensibilidade

Um dos inquéritos instaurados pelo Supremo Tribunal Federal contra o senador tucano afastado, tendo por base delação da Odebrecht, foi redistribuído e ficará sob a relatoria de um ministro amigo desse parlamentar.
O caso diz respeito à acusação de que o senador recebeu, no ano de 2014, valores de forma indevida daquela empreiteira para a sua campanha eleitoral.
De acordo com delatores, os pagamentos teriam sido feitos de forma dissimulada por meio de contratos fictícios firmados com a empresa PVR Propaganda e Marketing Ltda., cuja acusação foi negada pelo tucano.
Ao determinar a redistribuição do inquérito, a presidente do Supremo concordou com o argumento do procurador-geral da República, nestes termos: “Na espécie vertente, como exposto pelo Procurador-Geral da República, em exposição acolhida pelo relator, ministro Edson Fachin, inexiste conexão entre os fatos narrados no presente inquérito e aqueles relacionados à denominada Operação Lava Jato. Pelo exposto, acolho a manifestação do Procurador-Geral da República e determino a livre redistribuição deste inquérito, resguardada a natureza do procedimento, incluídas ao resguardo do grau de publicidade, ou não, a ele imposto até o momento, até decisão do novo relator a quem caberá decidir as questões arguidas no presente processo”.
O inquérito objetiva investigar fatos narrados por delatores que “apontam, por meio de declaração e prova documental, que, em 2014, foi prometido e/ou efetuado, a pedido do senador da República Aécio Neves da Cunha, o pagamento de vantagens indevidas em seu favor e em benefício de seus aliados políticos".
A propósito, o mencionado ministro foi flagrado em áudios divulgados na Operação Lava-Jato conversando, pelo telefone, com o senador tucano, conforme registro feito pela Polícia Federal, em maio último, onde eles combinavam supostas articulações para a tramitação do projeto de lei que endurece as punições para autoridades que cometem abuso.
O tucano disse que o objetivo da conversa era "dar uma satisfação para a bancada" e que seus encontros e suas conversas mantidos com o ministro são públicos e institucionais.
O ministro afirmou que não se sente constrangido e "nada impedido" de assumir a relatoria de um dos inquéritos sobre o senador tucano afastado, nestes termos: "(Não me sinto) nada impedido. Nenhum constrangimento".
Na verdade, a sociedade se sente extremamente constrangida e desapontada por perceber a total falta de sensibilidade e discernimento por parte de magistrado que ignora a realidade dos fatos, dando a impressão de que tudo pode, sem precisar prestar contas sobre seus atos àqueles que pagam os seus subsídios.   
O senador, atualmente afastado do mandato, tem afirmado que as doações recebidas foram legais e devidamente declaradas à Justiça Eleitoral, que é comandada pelo mesmo ministro.
Esse caso parece surrealista, porque, excluídos o ministro responsável pela Lava-Jato, que era relator do processo em apreço, e a presidente do Supremo, sobram nove ministros e o processo foi "sorteado" logo para o polêmico ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral e amigo íntimo do investigado, que há poucos dias foi grampeado falando exatamente com o senador tucano que passa a ser julgado por ele.
Convém esclarecer, como foi amplamente divulgado pela mídia, que a conversa entre ambos não era nada republicana, uma vez que o senador teria ligado para o ministro para que este lhe fizesse o favorzinho de ligar para senadores, com a finalidade de cooptar votos deles em favor de projeto de interesse do senador tucano.
Ou seja, como o ministro não declarou ser suspeito para atuar e cuidar do caso, o Supremo vai ficar ainda mais sem condição de justificar uma trapalhada que poderia ter sido contornada discretamente no seu próprio seio, evitando que a imprensa e a opinião pública questionassem mais esse caso escabroso.
Por se permitir que o processo em apreço possa ser relatado por ministro que recentemente foi subserviente ao investigado, dá azo para justificável desconfiança quanto ao resultado da investigação, que não haveria qualquer questionamento quanto ao aspecto da imparcialidade se o processo fosse redistribuído para outro ministro insuspeito de relações pouco usual, uma vez que não é normal que político fique pedindo favor a ministro de tribunal superior, em matéria sujeita a outra jurisdição.
Diante das ligações de amizade íntima entre o ministro e senador, os brasileiros esperavam que o magistrado tivesse sensatez e sensibilidade suficientes para entender que as aludidas relações fossem capazes de, no mínimo, suscitar questionamentos por parte da opinião pública, que tanto aspira pela moralização da administração do pais, uma vez que fica bem na cara que tal forma de proceder, mesmo que não haja facilitação, não condiz, entre outros, com os salutares princípios do decoro, da ética e da dignidade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 27 de junho de 2017

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