terça-feira, 5 de outubro de 2021

É preciso investigar?

Em reportagem publicada pelo Pandora Paper, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, foi revelada a existência de empresa em paraíso fiscal, nas Ilhas Britânicas, em nome do ministro da Economia brasileiro. 

Em razão disso, a Procuradoria Geral da República resolveu investigar, preliminarmente, a regularidade das movimentações financeiras denunciadas na aludida reportagem, tendo aquele órgão decidido que vai solicitar informações ao ministro sobre os ativos mantidos no exterior.

          Depois disso, com base nas informações, a PGR deve avaliar se há indícios de crimes que justificariam o pedido de abertura de inquérito ou apenas o arquivamento do caso.

Nos termos da legislação brasileira, a abertura de empresa em paraíso fiscal é absolutamente legal, conforme o preenchimento dos requisitos normativos exigidos para as operações financeiras, entre os quais a prestação de informação pertinente à Receita Federal.

No caso específico de servidor público, como o de ministro de Estado, o Código de Conduta Ética da Alta Administração Federal veda “a manutenção de aplicações financeiras que possam ser afetadas por políticas governamentais seja no Brasil ou no exterior.”.

Segundo as reportagens publicadas no país, em diversos sites e pela mídia em geral, o ministro da Economia, enquanto era sócio da Bozano Investimentos, fundou a Dreadnoughts International, nas Ilhas Virgens Britânicas, empresa que se mantém em operação mesmo ele estando no exercício do cargo.

Segundo as reportagens, o ministro segue normalmente no comando da empresa em atividade e tinha registro, em 2015, o patrimônio de US$ 9,5 milhões.

Diante dessa reportagem, o Ministério da Economia informou que “Toda a atuação privada do ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019". 

A nota do ministério esclarece que “Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade. Desde que assumiu o cargo de ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão”.

O Código de Conduta Ética veda a manutenção de aplicações financeiras em nome de servidor público, cuja medida tem maior relevância em se tratando logo do ministro da Economia, que seria o primeiro a dar o exemplo de nada ter em seu nome, em forma de aplicação financeira, em paraíso fiscal, que passa a ser não permitido se o código diz que é vedado.

Ou seja, mesmo que se confirme que ele não opera a empresa dele, só o fato de ela existir tal e qual como antes já se encontra configurada a violação ao código de ética, apenas precisando aquilatar a gravidade da participação dele no caso, ante a clareza da proibição, que não dá margem para interpretação sobre exceção.

As informações prestadas aos órgãos de controle são apenas parte do protocolo, no sentido de que o servidor diz que tem patrimônio nas condições por ele especificadas e isso preenche exigência legal, o que é diferente de ele continuar sendo titular da empresa, quando a legislação diz claramente que é vedado.

Para o bom entender a palavra “vedado” significa que é proibido, não é permitida a continuidade da operação da empresa em nome do servidor, mesmo que ele diga que não participa das movimentações do seu patrimônio, porque, estando a empresa no nome do titular, somente ele pode operá-la e, nesse caso, não satisfaz o simples esclarecimento de que foi tudo informado aos órgãos competentes, quando a empresa continua normalmente em nome do ministro, porque isso não atende à norma sobre ética na administração pública.

Acredita-se até que o ministro possa até ter deixado de gerenciar a empresa que continua no seu nome, mas a vedação é no sentido de que não pode ter empresa no seu nome, o que é bem diferente uma coisa da outra.

Convém sim que o caso seja devidamente investigado, diante da importância de se aquilatar o cumprimento das normas sobre ética no serviço público, de modo que possam prevalecer a transparência na administração pública e o fiel cumprimento das normas aplicáveis à espécie e ainda a se justificar as exigências nesse sentido aos servidores públicos.

          Brasília, em 5 de outubro de 2021 

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