domingo, 17 de outubro de 2021

O povo no sínodo

 

O papa abre o maior movimento de consulta democrática da história da Igreja Católica, uma religião que, aos longo dos séculos, se tornou símbolo de hierarquia rígida, conservadorismo e pouca transparência, para que, nos próximos dois anos, os católicos de 1,3 bilhão, que se declaram assim, sejam ouvidos sobre o futuro da instituição religiosa.

Na primeira fase, será consultada a comunidade católica local, passando pelas assembleias regionais e, por fim, haverá a manifestação do Sínodo dos Bispos, já marcado para 2023, no Vaticano.

Os principais temas que deverão ser objeto de discussão centralizam na maior participação feminina na tomada de decisões da igreja e mais acolhimento a grupos ainda marginalizados pelo catolicismo tradicional, a exemplo de homossexuais e divorciados em segunda união.

Além disso, o papa deve fazer uso do momento para consolidar seu pensamento com tendência reformadora, que vem sendo combatida com ardor pela conservadora da igreja.

O pontífice definiu o próximo sínodo como tema da própria sinodalidade, que é maneira de ser e de agir da própria Igreja Católica, tendo por inspiração o modo de vida dos primeiros cristãos, cujas decisões eram tomadas de forma colegiada.

Essa maneira de consulta não significa que a igreja tenha resolvido abraçar o regime democrático, porquanto as suas decisões seguem normalmente como antes no quartel de Abrantes, em estrito respeito à hierarquia tradicional do papa, tendo como novidade, nesse caso, a consulta pública, que é realmente democrática, à vista da introdução da consulta aos cristãos de todo o mundo, mas caberá a palavra final ao papa, que é quem dita sobre todos os assuntos da igreja.

O papa avalia que, a depender do sucesso da consulta popular, a instituição terá dado importante salto de qualidade, de modo que a chamada sinodalidade pode deixar de ser apenas método casual, para passar a se tornar importante maneira de pensar pela igreja, dando continuidade à nova sistemática, que se presume que seja em benefício da modernidade da Igreja Católica.

Um mecanismo para tratar a sinodalidade precisa ser entendido como revolucionária metalinguagem dentro da igreja, fato este que tem o condão de mostrar que o atual pontífice acredita, de modo contundente, na igreja que deve ouvir os anseios de seus seguidores cristãos.

Este futuro encontro dos bispos servirá para a realização de conferências integradas por religiosos que estejam além dos muros do Vaticano, de modo que o processo de sinodalidade pretende estar aberto a ouvir os católicos que desejem se expressar nos próximos dois anos.

Um doutor vaticanista disse que "É o mais amplo sínodo, a maior experiência de sinodalidade que já foi feita na Igreja. A proposta é ampla, pretende que todos os fiéis batizados tenham a chance de, em alguma parte do processo, serem consultados. Isso nunca existiu na história da Igreja: uma tentativa de consultar todos os católicos do mundo. É claro que ninguém vai bater de porta em porta para falar com todos. Mas reuniões e assembleias devem ocorrer em paróquias e em grupos, questionários devem ser aplicados. A ideia é que todos se sintam tocados a participar. É a tentativa mais ampla de enraizar a sinodalidade não mais como um processo e uma forma de fazer as coisas, mas como uma mentalidade da Igreja.".

O coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo disse que "Nesta nova assembleia do sínodo, o mais importante não serão as conclusões, mas o processo de escuta e de participação eclesial que ela deflagra. Além disso, tem uma grande possibilidade de Francisco encerrar seu pontificado, por aposentadoria ou morte, antes do sínodo terminar. Assim, o processo sinodal se torna um meio para garantir a continuidade do processo de mudanças iniciado por Bergoglio, independentemente de quem seja o novo papa. O ponto crucial é a ampla consulta à comunidade católica, que começará em nível local, nas dioceses e paróquias, para culminar na assembleia dos bispos. Essas consultas se tornaram características de um 'modo Francisco' de governar a Igreja, ainda que processos semelhantes possam ser encontrados em várias experiências anteriores.".

Não há a menor dúvida de que a Igreja Católica é instituição hermética por natureza, em que as suas decisões são tomadas por colegiado ou até mesmo somente pelo papa, de modo que, desta feita, a sinodalidade permita se imprimir o entendimento de que os rumos dela possam ter por base ideias nascidas das pessoas de todo mundo, porque elas, quer queira ou não, são a razão da sua existência.

Também é de suma importância que, no próximo sínodo, seja discutida com profundidade a efetividade da participação da mulher nas atividades da Igreja Católica, levando-se em conta as suas capacidade, inteligência e abnegação às causas sociais, que estão sempre interligadas com os princípios disseminados pelo Evangelho de Jesus Cristo, no sentido do mais puro amor ao próximo.

Os novos tempos aconselham que a mulher possa desempenhar os mesmos papéis destinados aos sacerdotes, à luz dos princípios humanitários em geral, não havendo qualquer empecilho de natureza alguma que isso possa se tornar realidade, muito em breve, diante da natural evolução do homem.

A Igreja Católica precisa, com urgência, acompanhar as transformações experimentadas pelas conquistas hauridas com as descobertas da ciência e da tecnologia, que devem servir precisamente para o proveito do próprio homem e isso tem muito a ver também com o amadurecimento dos conceitos da religiosidade, em acolhimento igualitário entre homem e mulher.

Desde o início do atual papado, já foram realizados quatro sínodos, tendo como temas a família, nos dois primeiros; os jovens, no terceiro; e a Amazônia, no último, ocorrido em 2019, onde foram discutidos assuntos com implicações sociais, geográficas e ambientais.

Ao contrário dos anteriores, o atual papa vem amadurecendo e aprofundando a ideia sobre a participação popular nos temas de interesse da igreja, procurando motivar e incentivar que os sínodos sirvam muito mais do que encontros só de bispos de todo mundo, dispondo apenas de suas visões e experiências, quando a participação desses religiosos se torne muito mais valiosa e interessante, como no próximo sínodo, que deverá contar com o resultado de consultas emanadas das respectivas comunidades.

É preciso que os católicos que integram a igreja sejam consultados, tendo por base os temas eleitos, de modo que se possa aquilatar os anseios de toda comunidade cristã, tendo em vista a importância da manifestação e dos sentimentos dos cristãos, tendo como pressuposto a modernidade da igreja, à vista da evolução da humanidade, por conta das conquistas dos conhecimentos científico e tecnológico, em que ela não pode ficar à margem desse importante processo evolutivo, mesmo que se respeito, como é natural, seus principais fundamentos como instituição secular.

Espera-se que o processo sinodal, que se inicia agora e tem dois anos de maturação, possa permitir o discussão, com profundidade, de assuntos relevantes para tornar a Igreja Católica ainda mais autêntica, renovada e mais cheia da vida do seu mentor-fundador Jesus Cristo, de modo que a experiência consolidada nesse período possa repercutir de modo proveitoso para a comunidade católica, que precisa contar com instituição mais arejada, libertária e que o seu diálogo proporcione maior aproximação dos cristãos.

Brasília, em 17 de outubro de 2021


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