quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O relatório da CPI

 

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, que funcionou no Senado Federal, concluiu o relatório sobre as investigações realizadas com a finalidade de verificar se houve negligência do governo no combate à pandemia do coronavírus, tendo como destaques os pedidos de indiciamento de 66 pessoas, incluindo o presidente da República e duas empresas.   

O presidente do país é indiciado pela eventual prática de 10 crimes, que consistem nos seguintes delitos: “– Epidemia com resultado morte; – Infração de medida sanitária preventiva; – Charlatanismo; – Incitação ao crime; – Falsificação de documento particular; – Emprego irregular de verbas públicas; – Prevaricação; – Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos; – Violação de direito social; – Incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.”.

 O presidente da CPI da Covid rejeitou questão de ordem apresentada por senador integrante da comissão e manteve a decisão da comissão de investigar e pedir o indiciamento do presidente do país.

O mencionado senador alegou que a CPI do Senado não teria a prerrogativa de investigar o presidente da República, mas, em contraponto, o presidente das investigações disse que, em caso de suspeita da prática de crimes de responsabilidade do mandatário, o Senado Federal já é responsável por julgá-lo.

Diante disso, ele concluiu que os indiciamentos sugeridos do chefe do Executivo estão sustentados em provas colhidas pelos investigações, declarações, depoimentos e publicações em redes sociais, tendo concluído que “Nenhum cidadão está acima da lei. Isso vale inclusive para o presidente Jair Bolsonaro. O presidente cometeu muitos crimes e vai responder por eles”.

Quanto ao indiciamento do presidente do país, consta trecho do relatório que diz: “Esta CPI identifica o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro como o responsável máximo por atos e omissões intencionais que submeteram os indígenas a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vistas a causar a destruição dessa parte da população, que configuram atos de extermínio, além de privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de perseguição”.   

Em outro trecho do relatório, há menção sobre crimes contra a humanidade, com o destaca de que “a população inteira foi deliberadamente submetida aos efeitos da pandemia, com a intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente, espalhar a doença. Dentro desse contexto mais abrangente, o governo federal encontrou no vírus um aliado para atingir os indígenas, intencionalmente submetendo esses povos a condições que propiciem o seu desaparecimento enquanto comunidades culturalmente distintas. É um ataque sistemático, com dolo específico dirigido contra um grupo étnico, dentro do crime mais amplo que foi praticado, com dolo eventual, contraparte inespecífica da população”.   

Além disso, o relatório ressalta que é preciso recorrer ao Tribunal Penal Internacional de Haia, para o julgamento do crime de “extermínio”, que não existe na legislação brasileira, que somente admite a existência de crime quando ele estiver previsto em lei.

O relatório da CPI também acusa os três filhos mais velhos do presidente do país, de “incitação ao crime” e pede o indiciamento deles.   

Já o general e ex-ministro da Saúde é acusado pela CPI pela prática dos crimes de epidemia, com resultado morte; emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a humanidade.   

No documento, tem mais pedidos de indiciamentos de ministros, ex-ministros, parlamentares, funcionários públicos, principalmente os integrantes do “gabinete paralelo” da Presidência da República, empresas privadas, tudo considerando o envolvimento deles nas práticas negacionistas e negligentes no combate à pandemia do coronavírus, segundo a versão do relator da comissão, que foi o mentor intelectual das conclusões sobre as investigações levadas a efeito pela CPI.

O relatório será votado pela CPI da Covid, na próxima semana, e, em seguida, se aprovado, encaminhado ao Ministério Público Federal, a quem incumbe acolher ou não as sugestões elencadas pelo resultado das investigações, podendo se avaliar, desde logo, que seja muito bem provável que as medidas alvitradas nele não sairão do papel, levando-se em conta não somente a falta de consistência jurídica dos elementos para a devida caracterização de crimes, mas também o fato de que o procurador-geral da República é da estrita confiança do presidente do país, que o reconduziu ao cargo, já tendo demonstrado a sua gratidão ao seu padrinho, conforme mostram os fatos.

Pois bem, nunca antes na história da República, um presidente do país havia sido acusado, a um só tempo, pela prática de tantos crimes por CPI, fato este que pode indicar a ocorrência de negacionismo e negligência no combate à pandemia?

É muitíssimo provável que, à luz da legislação penal brasileira, nada fique provado contra ninguém, muito menos contra o presidente do país, exatamente pela falta de robusteza das provas alegadas pelo relator da comissão, que pode ter se excedido quanto às suas precipitadas deduções sobre a prática de crimes, ou seja, faltam elementos válidos juridicamente para a sustentação dos supostos crimes contra a administração do país.

É possível sim que o relatório de mais de mil páginas contenha infinidades de inconsistências, em especial no que diz respeito à efetiva autoria dos possíveis crimes atribuídos às autoridades e agentes públicos, mas é preciso se compreender que eles foram deduzidos no decorrer das investigações, tendo por base os elementos coligidos, como depoimentos, testemunhas, vídeos, documentos diversos etc., de modo que seja provável que, no frigir dos ovos, resulte alguma medida capaz de contribuir para o aprimoramento da administração dos recursos públicos.

Em princípio, não se espera que possa resultar alguma medida sancionária contra as pessoas relacionadas com os pedidos de indiciamento, à vista do que consta dos fatos mencionados no relatório em apreço, mas, por dever constitucional, cabe, agora, ao Ministério Público Federal se debruçar sobre as questões indicadas nele, para o fim de serem tiradas as suas conclusões, em especial quanto às responsabilidades por possíveis atos inquinados de irregulares, à vista da importância dos fatos de que se tratam, que são propalados como sendo da maior gravidade, em se tratando que o objeto principal tinha como cenário da vida dos brasileiros.

Acredita-se na completa fragilidade dos argumentos elencados pelo relator, por demonstrar forte influência política nas suas conclusões e isso é péssimo condutor para a consolidação da credibilidade de seus argumentos, a evidenciarem verdadeiro antagonismo com o chefe do Executivo, alvo principal dos indiciamentos, cujo fato contribui decisivamente para o enfraquecer dos pedidos pertinentes, exatamente em razão da divergência política entre ambos políticos, em que se percebe claramente que o resultado da comissão seria completamente diferente, talvez sem nenhum pedido de indiciamento, caso o relator fosse simpatizante do governo.

Pensando assim, pode-se imaginar que esse fato pode ter sido o pior e mais grave erro de se admitir o relator da comissão que trabalharia justamente para elaborar relatório com as características tal e qual como foi apresentado, fazendo muitas acusações contra o combate à pandemia do coronavírus, em que só o presidente teria praticado dez crimes, inclusive de responsabilidade, que tem vinculação direta com processo de impeachment, caso confirmadas as acusações.

Não se enxerga a menor possibilidade de o Ministério Público Federal aceitar os pedidos de indiciamentos constantes do relatório, precisamente diante da fragilidade das provas materiais, possivelmente produzidas com o esforço das conclusões já preconcebidas, com a vontade arquitetada para mostrar que o presidente teria sim praticado vários crimes durante a pandemia, sendo responsável por muitas mortes, quando, para isso, se exige, na forma da lei, provas contundentes e firmes contra os autores dos crimes suscitados no relatório.

A propósito, convém que fique muito claro que o resultado das investigações em apreço pode até merecer questionamentos, mas em especial quanto à efetiva possibilidade da existência de provas suficientes para tantos pedidos de indiciamentos, que foram levantados, ao que tudo indica, com base nas investigações.

Não cabe, salvo aspecto de moralidade, qualquer questionamento quanto à legitimidade propriamente dos integrantes da comissão, para o exercício das suas funções específicas, diante da falta de previsão legal contra isso, no sentido de se dizer que não podem compor CPI parlamentares que estiverem sendo investigados ou com processo penal tramitando na Justiça, o que vale dizer que, se alguns membros não sejam ficha limpa, isso não obstaculiza a sua participação nos trabalhos da CPI, que tem sede exclusivamente no Regimento Interno do Senado, que nada fala sobre impedimento nesse sentido, mesmo sabendo que alguns membros jamais poderiam participar de comissão de alto nível como essa, ante a incompatibilidade com os princípios da dignidade e da moralidade.   

Ante o exposto, espera-se que o Ministério Público Federal, caso receba o relatório em apreço, proceda à rigorosa avaliação sobre o seu conteúdo, de modo que a sua conclusão técnico-jurídica corresponda aos anseios da sociedade, no sentido da continuidade ou não, conforme os exames da matéria, de modo que as investigações pertinentes sirvam de respaldo, se for o caso, para as condenações dos verdadeiros culpados e as isenções dos agentes que tenham sido rigorosamente fiéis aos ditames constitucionais e legais, a par de se adotarem as medidas de aperfeiçoamento e racionalidade administrativas que se fizerem necessárias.      

Brasília, em 21 de outubro de 2021

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