A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, que
funcionou no Senado Federal, concluiu o relatório sobre as investigações
realizadas com a finalidade de verificar se houve negligência do governo no
combate à pandemia do coronavírus, tendo como destaques os pedidos de indiciamento
de 66 pessoas, incluindo o presidente da República e duas
empresas.
O presidente do país é indiciado pela eventual
prática de 10 crimes, que consistem nos seguintes delitos: “– Epidemia com
resultado morte; – Infração de medida sanitária preventiva; – Charlatanismo; –
Incitação ao crime; – Falsificação de documento particular; – Emprego irregular
de verbas públicas; – Prevaricação; – Crimes contra a humanidade, nas
modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos; – Violação de
direito social; – Incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.”.
O presidente da CPI da
Covid rejeitou questão de ordem apresentada por senador integrante da comissão
e manteve a decisão da comissão de investigar e pedir o indiciamento do
presidente do país.
O
mencionado senador alegou que a CPI do Senado não teria a prerrogativa de
investigar o presidente da República, mas, em contraponto, o presidente das investigações
disse que, em caso de suspeita da prática de crimes de responsabilidade do
mandatário, o Senado Federal já é responsável por julgá-lo.
Diante
disso, ele concluiu que os indiciamentos sugeridos do chefe do Executivo estão
sustentados em provas colhidas pelos investigações, declarações, depoimentos e
publicações em redes sociais, tendo concluído que “Nenhum cidadão está acima
da lei. Isso vale inclusive para o presidente Jair Bolsonaro. O presidente
cometeu muitos crimes e vai responder por eles”.
Quanto ao indiciamento do presidente do país,
consta trecho do relatório que diz: “Esta CPI identifica o Presidente da
República Jair Messias Bolsonaro como o responsável máximo por atos e omissões
intencionais que submeteram os indígenas a condições de vida, tais como a
privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vistas a causar a
destruição dessa parte da população, que configuram atos de extermínio, além de
privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito
internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da
coletividade em causa, que configura atos de perseguição”.
Em outro trecho do relatório, há menção sobre
crimes contra a humanidade, com o destaca de que “a população inteira foi
deliberadamente submetida aos efeitos da pandemia, com a intenção de atingir a
imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um
ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente,
espalhar a doença. Dentro desse contexto mais abrangente, o governo federal
encontrou no vírus um aliado para atingir os indígenas, intencionalmente
submetendo esses povos a condições que propiciem o seu desaparecimento enquanto
comunidades culturalmente distintas. É um ataque sistemático, com dolo
específico dirigido contra um grupo étnico, dentro do crime mais amplo que foi
praticado, com dolo eventual, contraparte inespecífica da população”.
Além disso, o relatório ressalta que é preciso
recorrer ao Tribunal Penal Internacional de Haia, para o julgamento do crime de
“extermínio”, que não existe na legislação brasileira, que somente admite a
existência de crime quando ele estiver previsto em lei.
O relatório da CPI também acusa os três filhos mais
velhos do presidente do país, de “incitação ao crime” e pede o indiciamento
deles.
Já o general e ex-ministro da Saúde é acusado pela
CPI pela prática dos crimes de epidemia, com resultado morte; emprego irregular
de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a
humanidade.
No documento, tem mais pedidos de indiciamentos de
ministros, ex-ministros, parlamentares, funcionários públicos, principalmente
os integrantes do “gabinete paralelo” da Presidência da República, empresas
privadas, tudo considerando o envolvimento deles nas práticas negacionistas e
negligentes no combate à pandemia do coronavírus, segundo a versão do relator
da comissão, que foi o mentor intelectual das conclusões sobre as investigações
levadas a efeito pela CPI.
O relatório será votado pela CPI da Covid, na próxima
semana, e, em seguida, se aprovado, encaminhado ao Ministério Público Federal, a
quem incumbe acolher ou não as sugestões elencadas pelo resultado das investigações,
podendo se avaliar, desde logo, que seja muito bem provável que as medidas
alvitradas nele não sairão do papel, levando-se em conta não somente a falta de
consistência jurídica dos elementos para a devida caracterização de crimes, mas
também o fato de que o procurador-geral da República é da estrita confiança do
presidente do país, que o reconduziu ao cargo, já tendo demonstrado a sua
gratidão ao seu padrinho, conforme mostram os fatos.
Pois bem, nunca antes na história da República, um
presidente do país havia sido acusado, a um só tempo, pela prática de tantos
crimes por CPI, fato este que pode indicar a ocorrência de negacionismo e
negligência no combate à pandemia?
É muitíssimo provável que, à luz da legislação penal
brasileira, nada fique provado contra ninguém, muito menos contra o presidente
do país, exatamente pela falta de robusteza das provas alegadas pelo relator da
comissão, que pode ter se excedido quanto às suas precipitadas deduções sobre a
prática de crimes, ou seja, faltam elementos válidos juridicamente para a sustentação
dos supostos crimes contra a administração do país.
É possível sim que o relatório de mais de mil
páginas contenha infinidades de inconsistências, em especial no que diz
respeito à efetiva autoria dos possíveis crimes atribuídos às autoridades e
agentes públicos, mas é preciso se compreender que eles foram deduzidos no
decorrer das investigações, tendo por base os elementos coligidos, como
depoimentos, testemunhas, vídeos, documentos diversos etc., de modo que seja
provável que, no frigir dos ovos, resulte alguma medida capaz de contribuir
para o aprimoramento da administração dos recursos públicos.
Em princípio, não se espera que possa resultar
alguma medida sancionária contra as pessoas relacionadas com os pedidos de
indiciamento, à vista do que consta dos fatos mencionados no relatório em
apreço, mas, por dever constitucional, cabe, agora, ao Ministério Público
Federal se debruçar sobre as questões indicadas nele, para o fim de serem tiradas
as suas conclusões, em especial quanto às responsabilidades por possíveis atos
inquinados de irregulares, à vista da importância dos fatos de que se tratam,
que são propalados como sendo da maior gravidade, em se tratando que o objeto
principal tinha como cenário da vida dos brasileiros.
Acredita-se na completa fragilidade dos argumentos
elencados pelo relator, por demonstrar forte influência política nas suas
conclusões e isso é péssimo condutor para a consolidação da credibilidade de
seus argumentos, a evidenciarem verdadeiro antagonismo com o chefe do
Executivo, alvo principal dos indiciamentos, cujo fato contribui decisivamente
para o enfraquecer dos pedidos pertinentes, exatamente em razão da divergência
política entre ambos políticos, em que se percebe claramente que o resultado da
comissão seria completamente diferente, talvez sem nenhum pedido de
indiciamento, caso o relator fosse simpatizante do governo.
Pensando assim, pode-se imaginar que esse fato pode
ter sido o pior e mais grave erro de se admitir o relator da comissão que
trabalharia justamente para elaborar relatório com as características tal e
qual como foi apresentado, fazendo muitas acusações contra o combate à pandemia
do coronavírus, em que só o presidente teria praticado dez crimes, inclusive de
responsabilidade, que tem vinculação direta com processo de impeachment, caso
confirmadas as acusações.
Não se enxerga a menor possibilidade de o
Ministério Público Federal aceitar os pedidos de indiciamentos constantes do
relatório, precisamente diante da fragilidade das provas materiais, possivelmente
produzidas com o esforço das conclusões já preconcebidas, com a vontade arquitetada
para mostrar que o presidente teria sim praticado vários crimes durante a pandemia,
sendo responsável por muitas mortes, quando, para isso, se exige, na forma da
lei, provas contundentes e firmes contra os autores dos crimes suscitados no relatório.
A propósito, convém que fique muito claro que o
resultado das investigações em apreço pode até merecer questionamentos, mas em
especial quanto à efetiva possibilidade da existência de provas suficientes
para tantos pedidos de indiciamentos, que foram levantados, ao que tudo indica,
com base nas investigações.
Não cabe, salvo aspecto de moralidade, qualquer
questionamento quanto à legitimidade propriamente dos integrantes da comissão, para
o exercício das suas funções específicas, diante da falta de previsão legal contra
isso, no sentido de se dizer que não podem compor CPI parlamentares que estiverem
sendo investigados ou com processo penal tramitando na Justiça, o que vale
dizer que, se alguns membros não sejam ficha limpa, isso não obstaculiza a sua participação
nos trabalhos da CPI, que tem sede exclusivamente no Regimento Interno do
Senado, que nada fala sobre impedimento nesse sentido, mesmo sabendo que alguns
membros jamais poderiam participar de comissão de alto nível como essa, ante a
incompatibilidade com os princípios da dignidade e da moralidade.
Ante o exposto, espera-se que o Ministério Público
Federal, caso receba o relatório em apreço, proceda à rigorosa avaliação sobre
o seu conteúdo, de modo que a sua conclusão técnico-jurídica corresponda aos
anseios da sociedade, no sentido da continuidade ou não, conforme os exames da
matéria, de modo que as investigações pertinentes sirvam de respaldo, se for o
caso, para as condenações dos verdadeiros culpados e as isenções dos agentes
que tenham sido rigorosamente fiéis aos ditames constitucionais e legais, a par
de se adotarem as medidas de aperfeiçoamento e racionalidade administrativas
que se fizerem necessárias.
Brasília,
em 21 de outubro de 2021
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