segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O império da democracia

    Os recentes acontecimentos da República tupiniquim evidenciam que as comemorações da independência do Brasil, no último dia 7 de setembro, conseguiram potencializar a crise institucional mais grave desde a redemocratização.

O presidente da República se encorajou, de corpo e alma, em empreitada bastante arriscada, talvez convicto de que a sua investida nociva ao pacto democrático de 1988 poderia lhe render dividendos político-eleitorais, na forma da sua alucinada vontade de intervenção no Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse qualquer fato motivador para a insana ruptura institucional, como de fato não foi assim definida, evidentemente por força da prevalência do bom senso e da racionalidade, que, para o bem dos brasileiros, apareceram quando tudo poderia ter resultado em verdadeiro desastre.

Para o bem do Brasil, houve apenas tentativa frustrada de golpe, porquanto o aludido acordo foi preservado, graças ao expressivo apoio da maioria dos brasileiros que se calou, mas, como inexplicável paradoxo, o seu “grito” ensurdecedor falou muito mais alto do que aquele pronunciado em alto e bom som da multidão que foi às ruas, em apelo por ridículo protesto de mais liberdade, quando ela nunca esteve em risco, conforme mostram o fatos.

A verdade é que o auge da crise, alimentada pela indiscutível inexperiência do presidente do país, foi transformado em ato de pacificação, praticamente em piscar de olhos, por meio da “Declaração à Nação”, sem que tivesse havido qualquer forma de discussão sobre possível obstáculo à continuidade democrática, senão em fazê-lo a entender que o Brasil, sem qualquer justificativa ou motivação, estava à beira de abissal abismo, ante a decretação de medida de ruptura institucional, cujas consequências poderiam ter sido às mais catastróficas possíveis para o futuro do Brasil.

Felizmente, o presidente brasileiro foi convencido, no limite do seu raciocínio, a mudar o seu foco golpista, para prestigiar os saudáveis princípios republicanos e democráticos, que estavam seriamente ameaçados por pura invencionice oportunista e tresloucada.

Essa assertiva tanto é verdadeira que o silêncio do presidente do país, sem que ele precisasse justificar ou explicar absolutamente nada para os brasileiros sobre a sua repentina mudança da ideia golpista, mostra que a vida democrática não sofreu o menor abalo, fato este que pode explicar que a possível crise institucional era o próprio ocupante da poltrona presidencial, que apenas resolveu cair na real e seguir a cartilha que ele precisava ter como norte há bastante tempo, desde quando tomou posse.

        A confirmação de que o presidente da República estava desorientado e fora do juízo normal veio logo depois dos discursos agressivos de 7 de setembro, quando ele resolveu, sem qualquer aparente pressão com exigência nesse sentido, dizer aos brasileiros, em límpida nitidez e em bom tom, que, ipsis litteris:  “No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer: 1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar. 2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news. 3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia. 4. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum. 5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes. 6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art. 5º da Constituição Federal. 7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país. 8. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição. 9. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles. 10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.”.

          O primor da aludida manifestação presidencial, conforme o texto transcrito acima, é precisamente o reconhecimento do mandatário que estava agindo de maneira indevida, literalmente à margem dos princípios democrático e de civilidade, tendo a humildade, como nem seria diferente, de dizer que “Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.”, porque isso é fundamental para a afirmação política do verdadeiro estadista, no sentido de marcar respeito às instituições do país, em harmonia com o ordenamento jurídico, que ele se comprometeu a observar e defender, como princípios essenciais na qualidade de comandante da nação.

Ao decidir por ficar calado, o presidente do pais contribui para tranquilizar importante parcela dos brasileiros, porque se sentia incomodada com a falta de civilidade de quem tem o dever de promover a paz à frente do governo e isso tem como reflexo a melhoria do bem-estar social, além de contribuir para a pacificação entre os poderes da República.

À toda evidência, o silêncio do presidente do pais é a certeza da paz e da tranquilidade no seio da sociedade, permitindo, em especial, que ele possa se concentrar, doravante, tão somente à solução dos graves problemas nacionais acumulados enquanto ele ficava cuidando de criticar, acusar e agredir autoridades da República, em absoluta perda de tempo que certamente prejudicou em muito o seu desempenho quanto aos espinhosos encargos presidenciais.

É bem possível que a maioria dos problemas de gestão do país, que se intensificaram ao meio às crises, está diretamente vinculada à reiteração das inúteis agressões e críticas protagonizadas pelo mandatário, que usava o poder, de maneira indevida, para menosprezar a dignidade de autoridade da República, em desprezo à sabedoria que ensina que o homem público prudente e capaz busca o diálogo para a solução das questões políticas e de governo.

 O tempo já cuidou de confirmar a importância do silencia do presidente do país, cuja ressonância é traduzida com a calmaria que domina no seio das instituições da República, cujos efeitos ajudam ao fortalecimento da democracia, diante da paz que se dissemina espontaneamente no âmbito da administração pública.

         Na verdade, o silencia presidencial tem o poder de importante lição em benefício da excelência da produtividade em prol da sociedade, que anseia também pela pacificação entre as instituições republicanas.

A exatamente um ano das eleições de 4 de outubro de 2022, a opinião de especialista político é no sentido de que o panorama político brasileiro se apresenta, no momento, bastante confuso e incerto, em especial quanto ao futuro político do presidente do país, que poderá até tentar a reeleição, mas o conjunto de seus atos até agora deixa verdadeira lacuna na continuidade das atividades presidenciais, ou seja, há fortes marcas de incerteza com relação ao segundo mandato para ele.

A avaliação que se faz sobre a gestão do presidente brasileiro é a de que ele foi capaz de protagonizar a prática de atos importantes na gestão pública, em contraponto de atitudes fortemente de desequilíbrio temperamental quanto à segurança e a estabilidade das instituições da República, em especial na sublimação da tentativa de golpe, que é algo absolutamente impensável para qualquer estadista, mas esse fato esteve à beira de acontecer, porque o cenário já estava todo preparado para o seu desfecho.

Por fim, é preciso ficar muito claro que o presidente do país foi eleito por ter sido o candidato mais viável para derrotar o petismo, então esfacelado por gestões temerárias e ruidosas aos interesses nacionais, num cenário político de caos institucional e de cruzada moral pela erradicação da corrupção, fatos estes que foram bastante explorados, na ocasião, pelo candidato, mas terminaram sendo desprezados diante das insistentes investigações de familiares dele, envolvidos em irregularidades com dinheiro público.

O certo é que os vícios do patrimonialismo prevaleceram presentes no atual governo, como a captura persistente do Estado por grupos de interesse, com destaque para o melancólico fim da Operação Lava-Jato, que fora a menina dos olhos do candidato, quando agora o seu nome é absolutamente recriminado pelo próprio presidente e sobre ela somente existem resquícios da sua passagem na gestão pública.

Enfim, os fatos evidenciam que o presidente do país perdeu, ao que parece por muito pouco, a oportunidade para decretar o seu sonhado e adiantado golpe, para se perpetuar na história republicana como o mandatário que teve “peito” para falar mais alto no cenário político-administrativo.

Não há a menor dúvida de que o perigo de golpe continuará na pauta presidencial, porque parece da sua índole política, mas essa medida dificilmente será implementada por ele, exatamente por falta de força e vontade política e das Forças Armadas, que ainda preferem prestigiar a continuidade da prevalência dos saudáveis princípios democrático e republicano, em conformidade com a tradição brasileira.

A esperança dos brasileiros é a de que possa prevalecer no Brasil o sentimento político de generalizada pacificação, tanto no seio das instituições republicanas como no âmbito da sociedade, como forma de se assegurar a primazia do bom senso e da racionalidade na administração pública, em harmonia com os princípios republicano e democrático.

Embora com remotíssimas esperanças, pensando assim por ainda restar alguma chance no horizonte, ante às notáveis riquezas humana e política, convém se torcer no sentido de que surja verdadeiro estadista para a salvação dos brasileiros, tendo como exigências básicas: competência, eficiência, sensibilidade humana, moralidade, seriedade, bom senso, racionalidade, enfim, respeito aos elevados princípios da administração pública.  

          Brasília, em 4 de outubro de 2021

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