terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Decisão questionável?

 

O presidente da República foi proibido de usar o verbete "lepra" e seus derivados, para se referir à hanseníase, em declarações públicas.

A decisão de juiz da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro atende ao pedido do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).

A entidade recorreu ao Judiciário depois que o presidente do país fez menção ao verbete em discurso pronunciado em dezembro do ano passado, no qual ele fez referência à palavra "lepra", que tem proibição legal de uso, nos termos do art. 1º da Lei nº 1.010/95, que estabelece, verbis: O termo ‘Lepra’ e seus derivados não poderão ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros.”.

Ressalte-se que o objetivo da Lei é estabelecer princípio de defesa da dignidade humana, diante da forte conotação de segregação impingida ao ser humano, advinda ainda dos tempos bíblicos.

Em discurso, o presidente do país disse o seguinte: “Quem já leu ou viu filmes daquela época, quando Cristo nasceu, o grande mal daquele momento era a lepra. O leproso era isolado, distância dele. Hoje em dia, temos lepra também, continua, mas o mundo não acabou naquele momento.”.

É bastante interessante o que o juiz autor dessa decisão escreveu, como fundamento da sua sentença, nestes termos: "Nesse ponto, é importante ressaltar que, no Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, todos devem observância à Constituição e às leis. Ademais, em nosso país, ninguém pode se escusar de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º do Decreto-Lei nº 4.657/1942), nem mesmo, evidentemente, o presidente da República. De fato, seria absurda qualquer cogitação de que tal autoridade estaria desonerada de observar o ordenamento jurídico pátrio. Afinal, ao tomar posse no cargo, o chefe do Poder Executivo presta expresso compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição e observar as leis (art. 78 da Constituição da República)".

Além do presidente do país, todos os integrantes da União ficam proibidos de usar o termo e também seus derivados.

É evidente que, sob o rigor legal, o juiz estaria absolutamente certo, caso o presidente do país tivesse deixado de observar o sentido dado na lei, que fala em emprego do verbete questionado em “documentos oficiais da Administração”, que, por óbvio, não é o caso.

No meu modesto entendimento, o magistrado laborou em magistral equívoco, na interpretação do texto legal, quando está escrito, com muita clareza, na norma jurídica, que a palavra “lepra” e seus derivados são proibidos do uso “nos documentos oficiais da Administração”.

À toda evidência, o presidente da República pronunciou a mencionada palavra em discurso, o que é bem diferente da intenção objetivada pelos legisladores e o que consta escrito na lei, salvo melhor interpretação, especialmente na esfera jurídica, onde os doutos sempre encontram argumentos apropriados para todas as situações jurídicas.

Convém que o presidente da República não aceite passivamente a decisão que impôs a sua proibição de pronunciar a palavra “lepra”, sob a melhor interpretação de que discurso é completamente diferente de documento oficial da administração, situação esta que ele realmente está proibido de fazê-lo, legalmente.  

Brasília, em 18 de janeiro de 2022

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