O
ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu arquivar, sem analisar o mérito, o
recurso da Advocacia Geral da União (AGU), para que o presidente da República
não prestasse depoimento, às 14h00 de sexta-feira, na Superintendência da
Polícia Federal, em Brasília, como havia sido determinado pelo magistrado, na
véspera.
O
ministro do Supremo considerou que o referido recurso - tecnicamente chamado de
agravo regimental – teria sido apresentado fora do prazo previsto legalmente,
porquanto, segundo ele, esse recurso teria que ingressar no Supremo em dezembro
e não agora, às vésperas do horário agendado para o depoimento.
O
ministro esclareceu, verbis: "A Advocacia-Geral da União – AGU
protocolou a petição nº 3671/2022, nesta data, às 13h:49 – 11 minutos antes do
horário agendado para o interrogatório – e recebida no Gabinete às 14h:08,
sabendo tratar-se de RECURSO MANIFESTAMENTE INTEMPESTIVO POR PRECLUSÃO TEMPORAL
E LÓGICA.".
O
ministro do Supremo mencionou ainda que já tinha havido prorrogação do prazo
para que o presidente do país depusesse e ele "expressamente"
concordado com seu depoimento pessoal.
O
magistrado transcreveu no seu despacho: "No ponto, convém rememorar –
diferentemente do que, estranhamente alegado pela AGU no presente agravo – que,
ao formular o pedido de dilação do prazo para a sua oitiva, o Presidente
concordou expressamente com seu depoimento pessoal e restou acentuado que: 'o
Senhor Presidente da República, em homenagem aos princípios da cooperação e
boa-fé processuais, atenderá ao contido no Ofício nº 536307/2021-SR/PF/DF'".
Na
prática, o arquivamento do pedido da AGU significa que o recurso em causa se
encerra automaticamente e, por via de consequência, ele não segue para
apreciação do plenário, conforme havia pedido nesse sentido, objetivado em grau
de apreciação mais ampla pelos membros da Corte.
Na
forma jurídica, como o presidente do país deixou de prestar depoimento, é muito
provável que isso possa levá-lo à eventual responsabilização criminal, em razão
do descumprimento de decisão judicial.
Ressalte-se
que o inquérito em que o presidente do país teria de depor apura responsabilidade
dele sobre vazamento, em live, de investigação sigilosa da Polícia Federal acerca
de ataque hacker contra sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, em 2018, meses
antes das eleições daquele ano, sem que houvesse consequência sobre o resultado
das eleições daquele ano.
No
início de agosto do ano passado, o presidente do país usou o conteúdo desse
inquérito para contestar - sem qualquer prova - o sistema de votação em urnas
eletrônicas no país.
À
época, o presidente do país alegava, com insistência, que o sistema eleitoral
brasileiro não é confiável, porque se desconfiava tão somente sobre ele ser fonte
de fraudes, em que pese não haver um único caso comprovado capaz de justificar
as suspeitas.
O
embasamento do depoimento presencial do presidente do país nasceu com a
conclusão da investigação sobre o caso, em que a Polícia Federal o aponta como
o principal responsável de ter cometido o crime de violação de sigilo funcional,
ao revelar o conteúdo da investigação, sob alegação, em destaque, de que houve
"atuação direta, voluntária e consciente" do mandatário, nesse
delito, conforme informação enviada ao Supremo, em 24 de novembro, por aquele
órgão.
À
toda evidencia, os fatos mostram e isso é o que transparece em forma do desejo do
Palácio do Planalto, no sentido de que tudo aconteça exatamente como noticia a
imprensa, em que o presidente do país, de forma ilegal, divulga informações ainda
sob sigilo, motivando o inquérito, porque, do contrário, ele nem teria existido,
aceita passivamente a sua abertura e as investigações e ainda há a concordância
com o depoimento presidencial, quando ele poderia ter feito o recurso em causa
ainda em dezembro.
Vejam-se
que nada disso poderia ter acontecido caso o presidente do país tivesse entrado
imediatamente à abertura do inquérito com recurso ao Supremo, se defendendo das
acusações, por meio de argumentações capazes de mostrar a sua lisura no caso, o
que certamente poderia apenas ter havido a abertura e o consequente
arquivamento da ação, evitando-se toda essa polêmica, em que há motivos mais do
que suficientes para que todo esse cenário possa atender aos propósitos
desconhecidos da principal autoridade da nação.
Como
se imaginar que caso de simples divulgação de assunto público poderia gerar tamanho
escândalo, se tivesse havido o mínimo de competência por parte do chefe do Executivo,
o principal interessado, que teria silenciado e concordado com tudo, quando da abertura
do inquérito, uma vez que a ação poderia ter se encerrada ainda no nascedouro, por
meio de recurso apropriado ao Supremo, que concordou com o depoimento, por não
ter apresentado o mesmo recurso de sexta-feira, tempestivamente ainda em dezembro,
conforme ressaltou o ministro, e que, por fim, deixar para formular recurso minutos
antes para que não houvesse depoimento, contrariando totalmente os comezinhos rituais
jurídicos aplicáveis à espécie.
A
única ilação que se pode fazer, nesse imbróglio, é o de que o presidente do
país queria que esse script surreal de pura incompetência se efetivasse exatamente
conforme o resultado pretendido, como forma de atender ao roteiro
magistralmente arquitetado para evidenciar que ele continua sendo terrivelmente
injustiçado, em que pese o inquérito ter tramitado segundo a filosofia de trabalho
acreditada ser a de embasamento jurídico aplicável ao caso, em que não houve contestação
pela parte envolvida, como deveria ter acontecido, se tivesse havido o mínimo
de interesse em se fazer verdadeira justiça.
Há
até quem diga que o presidente do país quis descumprir a decisão do ministro,
na forma anunciada em 7 de Setembro último, e isso tem seríssima implicação,
diante do juramento de posse, em que há a promessa da observância à Constituição
e às leis do país, onde se incluem as decisões judiciais.
Sem
entrar no mérito da questão, é preciso que as autoridades da República
encontrem meios para, de forma ordeira, se evitar crises institucionais, de
tempos em tempos, porque o seu potencial destrutivo tem reflexo não somente nas
relações entre os poderes, mas, em especial, no economia, com sérios prejuízos para
o desenvolvimento socioeconômico.
Enfim,
louve-se mais uma importante atrapalhada do presidente da República, que pode contar
vitória para os seus projetos políticos, ao mostrar a ardilosa campanha contra
o seu governo, quando o seu recurso é negado pelo Supremo Tribunal Federal, em
que pese ele ter tido, se quisesse, condições de evitar desfecho extremamente
deplorável, à luz dos princípios da seriedade, da competência e da responsabilidade.
Brasília, em 30 de janeiro de 2022
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