domingo, 30 de janeiro de 2022

Desrespeito ao Judiciário?

O ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu arquivar, sem analisar o mérito, o recurso da Advocacia Geral da União (AGU), para que o presidente da República não prestasse depoimento, às 14h00 de sexta-feira, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, como havia sido determinado pelo magistrado, na véspera.

O ministro do Supremo considerou que o referido recurso - tecnicamente chamado de agravo regimental – teria sido apresentado fora do prazo previsto legalmente, porquanto, segundo ele, esse recurso teria que ingressar no Supremo em dezembro e não agora, às vésperas do horário agendado para o depoimento.

O ministro esclareceu, verbis: "A Advocacia-Geral da União – AGU protocolou a petição nº 3671/2022, nesta data, às 13h:49 – 11 minutos antes do horário agendado para o interrogatório – e recebida no Gabinete às 14h:08, sabendo tratar-se de RECURSO MANIFESTAMENTE INTEMPESTIVO POR PRECLUSÃO TEMPORAL E LÓGICA.".

O ministro do Supremo mencionou ainda que já tinha havido prorrogação do prazo para que o presidente do país depusesse e ele "expressamente" concordado com seu depoimento pessoal.

O magistrado transcreveu no seu despacho: "No ponto, convém rememorar – diferentemente do que, estranhamente alegado pela AGU no presente agravo – que, ao formular o pedido de dilação do prazo para a sua oitiva, o Presidente concordou expressamente com seu depoimento pessoal e restou acentuado que: 'o Senhor Presidente da República, em homenagem aos princípios da cooperação e boa-fé processuais, atenderá ao contido no Ofício nº 536307/2021-SR/PF/DF'".

Na prática, o arquivamento do pedido da AGU significa que o recurso em causa se encerra automaticamente e, por via de consequência, ele não segue para apreciação do plenário, conforme havia pedido nesse sentido, objetivado em grau de apreciação mais ampla pelos membros da Corte.

Na forma jurídica, como o presidente do país deixou de prestar depoimento, é muito provável que isso possa levá-lo à eventual responsabilização criminal, em razão do descumprimento de decisão judicial.

Ressalte-se que o inquérito em que o presidente do país teria de depor apura responsabilidade dele sobre vazamento, em live, de investigação sigilosa da Polícia Federal acerca de ataque hacker contra sistemas do Tribunal Superior Eleitoral, em 2018, meses antes das eleições daquele ano, sem que houvesse consequência sobre o resultado das eleições daquele ano.

No início de agosto do ano passado, o presidente do país usou o conteúdo desse inquérito para contestar - sem qualquer prova - o sistema de votação em urnas eletrônicas no país.

À época, o presidente do país alegava, com insistência, que o sistema eleitoral brasileiro não é confiável, porque se desconfiava tão somente sobre ele ser fonte de fraudes, em que pese não haver um único caso comprovado capaz de justificar as suspeitas.

O embasamento do depoimento presencial do presidente do país nasceu com a conclusão da investigação sobre o caso, em que a Polícia Federal o aponta como o principal responsável de ter cometido o crime de violação de sigilo funcional, ao revelar o conteúdo da investigação, sob alegação, em destaque, de que houve "atuação direta, voluntária e consciente" do mandatário, nesse delito, conforme informação enviada ao Supremo, em 24 de novembro, por aquele órgão.

À toda evidencia, os fatos mostram e isso é o que transparece em forma do desejo do Palácio do Planalto, no sentido de que tudo aconteça exatamente como noticia a imprensa, em que o presidente do país, de forma ilegal, divulga informações ainda sob sigilo, motivando o inquérito, porque, do contrário, ele nem teria existido, aceita passivamente a sua abertura e as investigações e ainda há a concordância com o depoimento presidencial, quando ele poderia ter feito o recurso em causa ainda em dezembro.

Vejam-se que nada disso poderia ter acontecido caso o presidente do país tivesse entrado imediatamente à abertura do inquérito com recurso ao Supremo, se defendendo das acusações, por meio de argumentações capazes de mostrar a sua lisura no caso, o que certamente poderia apenas ter havido a abertura e o consequente arquivamento da ação, evitando-se toda essa polêmica, em que há motivos mais do que suficientes para que todo esse cenário possa atender aos propósitos desconhecidos da principal autoridade da nação.

Como se imaginar que caso de simples divulgação de assunto público poderia gerar tamanho escândalo, se tivesse havido o mínimo de competência por parte do chefe do Executivo, o principal interessado, que teria silenciado e concordado com tudo, quando da abertura do inquérito, uma vez que a ação poderia ter se encerrada ainda no nascedouro, por meio de recurso apropriado ao Supremo, que concordou com o depoimento, por não ter apresentado o mesmo recurso de sexta-feira, tempestivamente ainda em dezembro, conforme ressaltou o ministro, e que, por fim, deixar para formular recurso minutos antes para que não houvesse depoimento, contrariando totalmente os comezinhos rituais jurídicos aplicáveis à espécie.

A única ilação que se pode fazer, nesse imbróglio, é o de que o presidente do país queria que esse script surreal de pura incompetência se efetivasse exatamente conforme o resultado pretendido, como forma de atender ao roteiro magistralmente arquitetado para evidenciar que ele continua sendo terrivelmente injustiçado, em que pese o inquérito ter tramitado segundo a filosofia de trabalho acreditada ser a de embasamento jurídico aplicável ao caso, em que não houve contestação pela parte envolvida, como deveria ter acontecido, se tivesse havido o mínimo de interesse em se fazer verdadeira justiça.

Há até quem diga que o presidente do país quis descumprir a decisão do ministro, na forma anunciada em 7 de Setembro último, e isso tem seríssima implicação, diante do juramento de posse, em que há a promessa da observância à Constituição e às leis do país, onde se incluem as decisões judiciais.

Sem entrar no mérito da questão, é preciso que as autoridades da República encontrem meios para, de forma ordeira, se evitar crises institucionais, de tempos em tempos, porque o seu potencial destrutivo tem reflexo não somente nas relações entre os poderes, mas, em especial, no economia, com sérios prejuízos para o desenvolvimento socioeconômico.

Enfim, louve-se mais uma importante atrapalhada do presidente da República, que pode contar vitória para os seus projetos políticos, ao mostrar a ardilosa campanha contra o seu governo, quando o seu recurso é negado pelo Supremo Tribunal Federal, em que pese ele ter tido, se quisesse, condições de evitar desfecho extremamente deplorável, à luz dos princípios da seriedade, da competência e da responsabilidade.       

          Brasília, em 30 de janeiro de 2022 

Nenhum comentário:

Postar um comentário