quinta-feira, 7 de abril de 2022

À luz da verdade?

É impressionante como pessoas inteligentes preferem disseminar fatos distorcidos, ao invés do verdadeiro, como nesse caso da decisão do Supremo Tribunal Federal, com afirmação absurda e sem fundamento de que foram tirados os poderes do presidente da República para combater a pandemia do coronavírus, transferindo-os para os governadores e prefeitos.

Esse fato deplorável caracteriza umas das maiores vergonhas desse governo, que foi extremamente omisso sob essa falsa premissa, uma vez que ela somente se sustenta na mente do presidente do país e de seus apoiadores, que jamais se atreveriam em fazer acusações injustos e descabidas, caso tivessem interesse em conhecer a decisão em questão, porque não há nela qualquer proibição nesse sentido, conforme se pode ver no texto abaixo.

É lamentável que isso venha acontecendo, em razão de envolver diretamente o interesse da população, quando, por falta da devida interpretação da decisão do Supremo, o governo deixou se agir efetivamente, como ele mesmo confirmou, praticamente dizendo que, em face desse decisum, o presidente lavou as mãos e se afastou da incumbência do combate à pandemia, que competia aos governos federal, estadual e municipal, em ação conjunta, exatamente na forma do entendimento do Supremo.

Certamente que, se tivesse havido boa vontade, tanto da parte do presidente do país como de seus apoiadores, as causas da população, no que diz ao combate à pandemia, teriam sido mais bem cuidadas e, por certo, muitas mortes teriam sido evitadas.

Diante de tanto o presidente do país alegar que teria sido impedido de agir, por força dessa decisão, o Supremo chegou a divulgar nota, para informar e esclarecer que a Corte nunca proibiu o governo federal de estabelecer medidas de combate ao coronavírus.

O Supremo esclareceu, na ocasião, que "não é verdadeira a afirmação que circula em redes sociais", tendo afirmado que o Supremo não proibiu atuação federal nos estados contra pandemia, como diz o presidente do país.

O Supremo afirmou, em nota, que, "Na verdade, o Plenário decidiu, no início da pandemia, em 2020, que União, estados, Distrito Federal e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública para realizar ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus. Esse entendimento foi reafirmado pelos ministros do STF em diversas ocasiões. Ou seja, conforme as decisões, é responsabilidade de todos os entes da federação adotarem medidas em benefício da população brasileira no que se refere à pandemia".

Para quem se interessar em conhecer a verdade e julgar os fatos com a devida justiça, parece conveniente ler e interpretar o conteúdo da questionada decisão do Supremo, conforme texto a seguir.

DETERMINAR a efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24, XII; 30, II e 198, todos da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/20 e dispositivos conexos, RECONHENDO E ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS GOVERNOS MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário. Obviamente, a validade formal e material de cada ato normativo específico estadual, distrital ou municipal poderá ser analisada individualmente. Intimem-se e publique-se. Brasília, 8 de abril de 2020.”.

          Já li e reli o aludido texto, mas não consegui enxergar algo proibitivo ao presidente do país para deixar de cumprir a sua incumbência constitucional de adotar as necessárias medidas de combate à Covid-19.

Salvo melhor juízo, a referida decisão fala em competência “concorrente” dos governadores e “suplementar” dos prefeitos, sem falar em restrição à competência privativa do presidente da República.

A competência estendida àquelas autoridades estariam relacionadas com “a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras; (...) INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário. (...)”.

Em síntese, o Supremo decidiu que a responsabilidade de combate à Covid-19 é dos três níveis da federação e isso não quer estabelecer hierarquia, porque, em se tratando de crise da saúde pública, o que menos importa é a hierarquia, quando é preciso, nesse caso, que seja possível o estabelecimento de condições necessárias de combate ao coronavírus, de acordo com as orientações e prescrições dos sanitaristas, dos cientistas e dos médicos, cabendo às autoridades governamentais, em conjunto, adotarem as medidas pertinentes, mas o governo federal preferiu alegar motivo inexistente.

Não obstante, a verdade é que, mesmo com a má interpretação sobre a falsa proibição, o governo federal não deixou de se esforçar quanto ao repasse dos auxílios financeiros às causas de combate à pandemia do coronavírus, embora se tivesse havido combate em conjunto dos entes da federação, certamente que o resultado das medidas adotadas teria sido muito mais proveitoso para os brasileiros.

Na verdade, inexiste a menor razão para o presidente do país se eximir da sua importante responsabilidade, mas foi assim que ele entendeu, inclusive não tendo o menor escrúpulo para assim declarar que poderia fazer algo contra a Covid-19, se não tivesse sido proibido, o que não é verdade.

A compreensão que deflui da decisão do Supremo é a de que a atuação dos governos federal, estadual e municipal deveria ter sido no sentido de convergência no mesmo sentido e na mesa direção, observado o modelo de cooperativa, com vistas à efetivação de políticas públicas de promoção da melhor saúde pública possível, evidentemente em respeito aos limites de atuação.

De qualquer modo, a participação do governo federal era mais do que necessária, uma vez que a saúde pública é um direito fundamental da população brasileira, que constitui dever imprescindível do qual nenhuma autoridade do país poderia ter desistido de ter participado, em momento tão grave da vida humana.

O que se percebe é que o Supremo determinou que as medidas diretas de combate à Covid-19 fossem também de responsabilidade de estados e municípios, mesmo porque os doentes ficam nesses entes da federação e os governadores e prefeitos são as autoridades diretamente ligadas com o fluxo dos doentes, tendo melhor condição de avaliar a conveniência de medidas de isolamento e outras pertinentes e necessárias.

Vejam a que ponto chegou o presidente do país, em afirmar, verbis: "Se o Supremo não tivesse me proibido, eu teria um plano diferente do que foi feito, e o Brasil estaria em situação completamente diferente", fato esse que não tem amparo legal.

A decidida omissão do presidente do país é da maior gravidade, chegando a ser monstruosa, por ele declarar que tinha “plano diferente do que foi feito”, certamente capaz de salvar vidas, mas a sua insensibilidade foi superior à importância da vida humana, porque, quando há medida de salvamento de vida, ele precisa ser implementado mesmo que houvesse proibição, apenas no plano legal.

É pena que o presidente do país tenha sido tão desumano de confessar tamanha maldade, em clara demonstração de tentativa de incriminar o Supremo, jogando o povo contra ele, nesse caso, quando não nunca existiu proibição alguma, o que contribui para aumentar a culpa dele de ter declarado que tinha mais e melhores condições de combater a Covid-19 com mais recursos, mas não o fez por pura má vontade.

Sim, má vontade, porque se ele tivesse a verdadeira compreensão sobre a importância da vida humana, teria colocado em ação seu “plano diferente”, mesmo com proibição e tudo em contrário, assumindo as consequências legais, ou, ainda, na outra alternativa também importante, ele poderia ter impetrado recurso, mas não o fez, contra a decisão que foi interpretada por ele como proibitiva.

Nesse recurso, o presidente do país deveria ter alegado que a competência de cuidar da saúde pública é da competência privativa da União e ele, como o mandatário, precisaria cumprir a missão constitucional de cuidar dos brasileiros, sob pena de se tornar omisso, como realmente foi, por não ter feito nenhuma coisa nem outra, infelizmente, conforme mostram os fatos.

A afirmação presidencial foi clara tentativa de imputar ao Supremo Tribunal Federal a omissão da qual seu governo foi recorrentemente acusado no combate à doença, fato este que ainda agora vem sendo disseminado por ele e seus seguidores, que preferem corroborar com tremendo equívoco de interpretação, que somente é desmentido à luz da própria decisão, que tem conteúdo cristalino, de modo a não restar dúvida alguma sobre quem prefere omitir a verdade, nesse caso.

Enfim, convém que os brasileiros possam julgar os fatos exatamente como eles aconteceram ou são, apenas levando em conta o que existe de real sobre eles, independentemente de ideologia partidária ou interpretação equivocada, uma vez que a sua versão mentirosa pode ter pernas curtas e ser perfeitamente alcançada pela luz da verdade.

          Brasília, em 7 de abril de 2022 

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