domingo, 10 de abril de 2022

O princípio da investigação

Fica muito difícil se acreditar nessa reiterada conversa de que inexiste corrupção no governo, porque os fatos se sucedem em forma de denúncias que não há o menor interesse em investigá-los, por parte do presidente da República, tendo por finalidade mostrar a veracidade sobre eles.

O fato mais substancial de corrupção surgiu com a notícia sobre o esquema ilícito no MEC, envolvendo a participação de pastores lobistas, que estariam atuando nos meandros da liberação de recursos públicos para  prefeituras comandadas por amigos, mostrando que havia malfeitos dentro do governo.

Nesse caso, o então ministro do órgão confirmou a atuação dos pastores lobistas, cujo episódio foi reforçado com a testemunha de prefeitos municipais, que teriam sido chantageados por eles, à busca de propinas, para a facilitação da concessão dos recursos por eles pretendidos.

Agora, aparece mais uma denúncia envolvendo o MEC, na forma de licitação do Fundo Nacional do Desenvolvimento do Ensino, com previsão para a compra de ônibus escolares, sob notícia de preços superfaturados.

Os veículos pretendidos estariam avaliados em cerca de R$ 270,6 mil no mercado, mas, na licitação, há a indicação do valor acertado para pagamento que chega a até R$ 480 mil por unidade, ou seja, segundo a imprensa, o acréscimo atinge o valor de R$ 232 milhões, cujo valor estaria sendo desviado para o bolso de aproveitadores de recursos públicos.

Há ainda a denúncia sobre a existência de orçamento secreto dentro do Ministério da Defesa, com o valor de quase R$ 600 milhões, mas não se sabe ainda a origem dessa verba, que pode ter origem em emendas de relator, usadas para o ministro da Defesa contemplar aliados em troca de apoio no Congresso Nacional.

Esses recursos estariam ligados aos investimentos a serem aplicados em cidades localizadas dentro do raio de atuação do Programa Calha Norte, idealizado pelos militares na década de 1980.

A promiscuidade desse governo com recursos salta aos olhos, à vista da fartura de dinheiro liberado para parlamentares aliados, que receberam verbas, em 2021, de forma facilitada, para a realização de obras como cemitérios, praças, passarelas e outras libertinagens, nas cidades desses congressistas, quando o princípio orçamentário estabelece a necessidade da priorização de obras importantes para a população, para os investimentos com recursos públicos.

O Ministério da Defesa informou que o Programa Calha Norte não tem competência para definir os valores e nem a destinação de emendas e que cabe aos parlamentares, nos termos da lei, definirem os municípios contemplados, ou seja, trata-se de explicação que não convence nem justifica a destinação dos recursos questionados, que é uma das exigências legais, tanto em termos da boa e regular aplicação do dinheiro público como da devida prestação de contas.

Esses fatos, em princípio, são considerados forma de corrupção no governo, que vêm de longa data, a começar de 2019, quando o então ministro do Turismo foi indiciado num inquérito que investigava suposto esquema de desvios de recursos por meio de candidaturas femininas, nas eleições de 2008, quando ele ainda era presidente do PSL de Minas Gerais.

Pouco tempo depois, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi acusado de dificultar a fiscalização ambiental e de integrar organização criminosa chefiada por madeireiros, vindo a ser afastado do governo, sem que houvesse nenhuma investigação sobre as denúncias.

Em maio do ano passado, foi revelado escândalo envolvendo a destinação de recursos vindos de orçamento paralelo, no valor de R$ 3 bilhões em emendas, sendo que expressiva parte delas se destinava à compra de tratores, cujo caso ficou conhecido como “tratoraço”, em razão do superfaturamento dos valores contratados.

Não obstante, o maiores escândalos e os malfeitos também ocorreram à solta na pandemia, quando o governo foi exprimido diante da suspeita de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin, quando o Ministério da Saúde foi acusado de ter empenhado o valor de R$ 1,6 bilhão para comprar o imunizante que não havia sido autorizado pela Anvisa, cuja compra foi cancelada, posteriormente.

O Ministério da Saúde também patrocinou outro escândalo, por meio do contrato, sem licitação, para a execução de obras em imóveis do seu acervo, no Rio de Janeiro, compreendendo o valor de quase R$ 30 milhões.

As reformas nesse imóvel mereceram a justificativa do momento da pandemia, mas os valores foram empenhados em ritmo de urgência e só não foram efetivamente gastos porque a Advocacia Geral da União identificou indícios de irregularidades e providenciou no sentido do cancelamento dos repasses pertinentes.

Em todos esses casos, com fortes indícios de irregularidades, seriam necessárias imediatas investigações, para se verificar a regularidade dos atos pertinentes, mas o governo não moveu uma palha nesse sentido, o que bem evidencia verdadeiro pacto com a impunidade e desleixo claro desleixo em relação do zelo da coisa pública, quando não se apura nada e ninguém é punido, como forma de lição pedagógica aos administradores de recursos públicos.

Essa promíscua maneira de administrar o patrimônio público representa expressivo retrocesso no combate à corrupção, porque não há interesse de se investigar, mesmo diante de graves irregularidades envolvendo recursos públicos.

O certo é que o próprio governo contribui para manter viva e atuante a velha estrutura da corrupção, que continua robusta, livre, leve e solta, exatamente porque há o entendimento de que nada de irregular acontece nele, cujo sentimento se consolida precisamente quando não há mínimo interesse em se investigar os fatos denunciados, como que querendo dizer que não faz sentido apurar algo inexistente.

A ideia que se tem sobre as denúncias de irregulares na gestão pública é a de que o resultado das investigações pertinentes pode efetivamente contribuir ou não para reforçar, conforme os fatos apurados, justamente a certeza de que não há corrupção no governo, mas não tem a menor validade que isso seja dito apenas verbalmente, porque não encontra amparo legal.

O governo com o mínimo de competência e responsabilidade públicas, tem o dever constitucional de mandar investigar, imediatamente, todos os fatos suspeitos de irregularidades, como forma de prestação de contas de seus atos, por força de dever constitucional e legal ínsito do cargo presidencial.

A indiferença do presidente do país ao combate à corrupção, conforme mostram os fatos, somente reforça o entendimento sobre a imperiosa necessidade de mudança na mentalidade dos governantes, com vistas ao exato cumprimento da legislação básica de regência, que exige que sejam investigados os fatos suspeitos de irregulares, com vistas ao saneamento dos desvios, à reparação dos danos causados ao erário e à adoção de medidas preventivas, de modo a se evitar a reincidência de falha similar.

Convém que os dignos e honrados brasileiros exijam que o presidente da República se conscientize sobre a obrigatoriedade de abandonar imediatamente a retórica vazia e ilegal de que inexiste corrupção no governo e, mesmo que isso seja verdade, cuide de determinar, o mais rapidamente possível, as devidas investigações sobre os fatos suspeitos de irregularidades, uma vez que a transparência e a prestação de contas na gestão pública são princípios essenciais que devem ser observados pelo verdadeiro estadista.

          Brasília, em 10 de abril de 2022 

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