Fica
muito difícil se acreditar nessa reiterada conversa de que inexiste corrupção no
governo, porque os fatos se sucedem em forma de denúncias que não há o menor
interesse em investigá-los, por parte do presidente da República, tendo por
finalidade mostrar a veracidade sobre eles.
O fato
mais substancial de corrupção surgiu com a notícia sobre o esquema ilícito no
MEC, envolvendo a participação de pastores lobistas, que estariam atuando nos
meandros da liberação de recursos públicos para prefeituras comandadas por amigos, mostrando
que havia malfeitos dentro do governo.
Nesse
caso, o então ministro do órgão confirmou a atuação dos pastores lobistas, cujo
episódio foi reforçado com a testemunha de prefeitos municipais, que teriam sido
chantageados por eles, à busca de propinas, para a facilitação da concessão dos
recursos por eles pretendidos.
Agora,
aparece mais uma denúncia envolvendo o MEC, na forma de licitação do Fundo Nacional
do Desenvolvimento do Ensino, com previsão para a compra de ônibus escolares,
sob notícia de preços superfaturados.
Os
veículos pretendidos estariam avaliados em cerca de R$ 270,6 mil no mercado,
mas, na licitação, há a indicação do valor acertado para pagamento que chega a
até R$ 480 mil por unidade, ou seja, segundo a imprensa, o acréscimo atinge o valor
de R$ 232 milhões, cujo valor estaria sendo desviado para o bolso de
aproveitadores de recursos públicos.
Há ainda a
denúncia sobre a existência de orçamento secreto dentro do Ministério da
Defesa, com o valor de quase R$ 600 milhões, mas não se sabe ainda a origem dessa
verba, que pode ter origem em emendas de relator, usadas para o ministro da
Defesa contemplar aliados em troca de apoio no Congresso Nacional.
Esses
recursos estariam ligados aos investimentos a serem aplicados em cidades
localizadas dentro do raio de atuação do Programa Calha Norte, idealizado pelos
militares na década de 1980.
A
promiscuidade desse governo com recursos salta aos olhos, à vista da fartura de
dinheiro liberado para parlamentares aliados, que receberam verbas, em 2021, de
forma facilitada, para a realização de obras como cemitérios, praças, passarelas
e outras libertinagens, nas cidades desses congressistas, quando o princípio orçamentário
estabelece a necessidade da priorização de obras importantes para a população, para
os investimentos com recursos públicos.
O
Ministério da Defesa informou que o Programa Calha Norte não tem competência
para definir os valores e nem a destinação de emendas e que cabe aos
parlamentares, nos termos da lei, definirem os municípios contemplados, ou
seja, trata-se de explicação que não convence nem justifica a destinação dos
recursos questionados, que é uma das exigências legais, tanto em termos da boa
e regular aplicação do dinheiro público como da devida prestação de contas.
Esses
fatos, em princípio, são considerados forma de corrupção no governo, que vêm de
longa data, a começar de 2019, quando o então ministro do Turismo foi indiciado
num inquérito que investigava suposto esquema de desvios de recursos por meio
de candidaturas femininas, nas eleições de 2008, quando ele ainda era
presidente do PSL de Minas Gerais.
Pouco
tempo depois, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi acusado de
dificultar a fiscalização ambiental e de integrar organização criminosa
chefiada por madeireiros, vindo a ser afastado do governo, sem que houvesse
nenhuma investigação sobre as denúncias.
Em maio
do ano passado, foi revelado escândalo envolvendo a destinação de recursos
vindos de orçamento paralelo, no valor de R$ 3 bilhões em emendas, sendo que
expressiva parte delas se destinava à compra de tratores, cujo caso ficou
conhecido como “tratoraço”, em razão do superfaturamento dos valores contratados.
Não
obstante, o maiores escândalos e os malfeitos também ocorreram à solta na
pandemia, quando o governo foi exprimido diante da suspeita de corrupção na
compra da vacina indiana Covaxin, quando o Ministério da Saúde foi acusado de
ter empenhado o valor de R$ 1,6 bilhão para comprar o imunizante que não havia
sido autorizado pela Anvisa, cuja compra foi cancelada, posteriormente.
O
Ministério da Saúde também patrocinou outro escândalo, por meio do contrato,
sem licitação, para a execução de obras em imóveis do seu acervo, no Rio de
Janeiro, compreendendo o valor de quase R$ 30 milhões.
As reformas
nesse imóvel mereceram a justificativa do momento da pandemia, mas os valores
foram empenhados em ritmo de urgência e só não foram efetivamente gastos porque
a Advocacia Geral da União identificou indícios de irregularidades e providenciou
no sentido do cancelamento dos repasses pertinentes.
Em todos
esses casos, com fortes indícios de irregularidades, seriam necessárias
imediatas investigações, para se verificar a regularidade dos atos pertinentes,
mas o governo não moveu uma palha nesse sentido, o que bem evidencia verdadeiro
pacto com a impunidade e desleixo claro desleixo em relação do zelo da coisa
pública, quando não se apura nada e ninguém é punido, como forma de lição pedagógica
aos administradores de recursos públicos.
Essa
promíscua maneira de administrar o patrimônio público representa expressivo retrocesso
no combate à corrupção, porque não há interesse de se investigar, mesmo diante
de graves irregularidades envolvendo recursos públicos.
O certo é
que o próprio governo contribui para manter viva e atuante a velha estrutura da
corrupção, que continua robusta, livre, leve e solta, exatamente porque há o entendimento
de que nada de irregular acontece nele, cujo sentimento se consolida
precisamente quando não há mínimo interesse em se investigar os fatos
denunciados, como que querendo dizer que não faz sentido apurar algo
inexistente.
A ideia
que se tem sobre as denúncias de irregulares na gestão pública é a de que o resultado
das investigações pertinentes pode efetivamente contribuir ou não para reforçar,
conforme os fatos apurados, justamente a certeza de que não há corrupção no
governo, mas não tem a menor validade que isso seja dito apenas verbalmente,
porque não encontra amparo legal.
O governo
com o mínimo de competência e responsabilidade públicas, tem o dever
constitucional de mandar investigar, imediatamente, todos os fatos suspeitos de
irregularidades, como forma de prestação de contas de seus atos, por força de
dever constitucional e legal ínsito do cargo presidencial.
A
indiferença do presidente do país ao combate à corrupção, conforme mostram os
fatos, somente reforça o entendimento sobre a imperiosa necessidade de mudança na
mentalidade dos governantes, com vistas ao exato cumprimento da legislação básica
de regência, que exige que sejam investigados os fatos suspeitos de irregulares,
com vistas ao saneamento dos desvios, à reparação dos danos causados ao erário
e à adoção de medidas preventivas, de modo a se evitar a reincidência de falha
similar.
Convém
que os dignos e honrados brasileiros exijam que o presidente da República se
conscientize sobre a obrigatoriedade de abandonar imediatamente a retórica vazia
e ilegal de que inexiste corrupção no governo e, mesmo que isso seja verdade, cuide
de determinar, o mais rapidamente possível, as devidas investigações sobre os
fatos suspeitos de irregularidades, uma vez que a transparência e a prestação de
contas na gestão pública são princípios essenciais que devem ser observados
pelo verdadeiro estadista.
Brasília, em 10 de abril de 2022
Nenhum comentário:
Postar um comentário