Em comparecimento
à Comissão da Educação do Senado Federal, três prefeitos confirmaram que o
pastor integrante do gabinete paralelo do ex-ministro da Educação realmente cobrou
propina para a liberação de recursos da
pasta.
Essa
mesma informação havia sido prestada por eles a um importante jornal, há cerca
de quinze dias.
Por causa
dessa acusação, o então ministro da Educação resolveu, por iniciativa própria, se
exonerar do cargo, após não ter mais condição moral para continuar à frente da
pasta, principalmente porque os fatos só
confirmavam a cobrança de propina, para a liberação de verbas públicas.
O esquema
criminoso no Ministério da Educação era operado normalmente por dois pastores amigos
do ex-ministro, sendo que o líder foi recomendado pelo presidente do país para
ser acolhido no órgão, ou seja, ele tinha trânsito livre no ministério, sob o respaldo
do Palácio do Planalto e esse “jeitinho brasileiro”, nada republicano, foi
confirmado pelo ex-ministro, recentemente.
Pois bem,
o prefeito do município de Luís Domingues (MA) relatou aos senadores que, após reunião
no Ministério da Educação, ele teria participado
de almoço com “20 a 30” colegas.
Ele
afirmou que, nesse almoço, um dos pastores se “(...) virou para mim e disse:
cadê suas demandas? Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou
rapidamente: olha, você vai me arrumar os R$ 15 mil para mim (sic)
protocolar as suas demandas e depois que o recurso já estiver empenhado, você,
como a sua região é região de mineração, você vai me trazer 1kg de ouro. Eu não
disse nem que sim nem que não. Me afastei da mesa e fui almoçar.”.
Já o
prefeito do município de Boa Esperança do Sul (SP) declarou que foi almoçar com
os pastores, no hotel Grand Bittar, em Brasília, e um deles disse: “Prefeito,
você bem sabe como funciona né? Eu disse: não. Então, ele disse: Prefeito, o
Brasil é muito grande, nós temos mais de 5.600 municípios. Não dá para ajudar
todos os municípios. Eu disse: não dá, pastor? Ele falou: mas eu consigo te
ajudar.”.
Esse
mesmo prefeito contou aos senadores que perguntou a um pastor como seria a “ajuda”
e foi quando o religioso acenou com verbas para a escola profissionalizante,
tendo afirmado: “Você assina um ofício, eu já coloco no sistema e, em
contrapartida, você deposita R$ 40 mil na, conta da Igreja Evangélica. Foi onde
(sic) eu bati nas costas dele e falei: pastor, muito obrigado, mas para mim
não serve, não é desse jeito que funciona”.
O outro
prefeito do município de Bonfinópolis (GO) também declarou que um pastor cobrou
R$ 15 mil para destravar os recursos, por ocasião de almoço no restaurante Tia
Zélia, em Brasília.
Ele disse
que, no encontro ocorrido em 11 de março de 2021, “Quando chegou o pastor
Arilton na minha mesa e me abordou de uma forma assim muito abrupta e direta,
dizendo: olha, prefeito, vi aqui que o seu ofício aqui está pedindo a escola de
12 salas. Essa escola aí deve custar uns R$ 7 milhões o recurso para ser
liberado, mas é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje”.
Ele disse
que o pastor, pediu “uma transferência” imediata para sua conta, dizendo
que “esse negócio de para depois, isso não cola comigo, não. Vocês
políticos são um bando de malandros, não têm palavra. Se não pegar antes, não
paga ninguém. Aquilo me deu ânsia de vômito”.
Em princípio,
parece que os relatos dos prefeitos se revestem de plausibilidade, até mesmo
pela forma da semelhança das investidas quanto aos pedidos de propina, embora
não tenha sido apresentada nenhuma comprovação sobre a materialização do crime,
na forma de depósito de dinheiro, ficando apenas no campo dos indícios, que são
as confissões de fortes suspeitas de promiscuidade na gestão pública.
Nenhum
prefeito confirmou o pagamento da propina, ficando a dúvida no ar se alguma
prefeitura recebeu verba para os fins objetivados por eles, caso em que,
certamente a propina deve ter sido repassada para os pastores, mas nenhum prefeito
esclareceu sobre a execução ou não de obras.
Na verdade,
há de se estranhar o motivo pelo qual nenhum prefeito denunciou, nos exatos momentos
dos pedidos, os assédios dos pastores por propina, preferindo o silêncio e
somente agora eles se encorajaram a denunciar o esquema criminoso.
É preciso
que se investigue se houve ou não a realização de obras com recursos do Ministério
da Educação, porque, com certeza, em caso positivo, houve sim corrupção ativa
por parte do prefeito que tenha inaugurado obra objeto do pedido de propina, porque
a confirmação disso implica a criminalização de quem recebeu recurso para a sua
obra e pagou sim a propina, mas não tem a dignidade para denunciar, na certeza
de que haverá a caracterização do crime de cumplicidade.
Agora,
essa confirmação dos pedidos de propina também têm o condão de complicar ainda
mais a situação do presidente do país, que, a despeito de gritar aos quatro
cantos do país que, no seu governo, não tem corrupção, ele se mostrou absolutamente
incapaz de esboçar reação de moralidade, diante da prática de esquema criminoso
no Ministério da Educação, que somente conspira contra a dignidade do governo.
De certa
forma, isso até pode ser compreensível, na medida em que os pastores não tinham
vínculo de emprego no serviço público e estavam com trânsito livre no MEC, muito
bem à vontade, em razão de contarem com a segura proteção do presidente do país,
conforme assegurou o ex-ministro.
A
magnanimidade do presidente do país para com o então ministro foi tão
irreconhecível que ele foi capaz, pasmem, de afirmar que seria capaz de colocar
a cara no fogo por ele, quando ainda ardia em foto a lisura de ambos.
Tudo isso
só mostra, com muita clareza, o nível da incompetência prevalente na gestão
pública, uma vez que o menor sinal de suspeita de irregularidade com dinheiro
público, o gestor tem o dever legal de determinar a imediata apuração dos fatos,
de modo a se confirmar o que realmente teria acontecido, independentemente das
amizades pessoais, porque o que está em jogo é a responsabilidade pública, que goza
do privilégio da prioridade em tudo e sobre tudo.
Nesse
caso, ao tomar conhecimento da denúncia de esquema criminoso no Ministério da
Educação, a única alternativa do presidente do país era, de imediato, ter
afastado o ministro do órgão e determinar as devidas investigações sobre os
fatos inquinados de irregulares, mas a sua compreensão sobre o discernimento
administrativo o aconselhou a não fazer absolutamente nada, em evidente demonstração
de desprezo às normas referentes à gestão pública e ao sentimento de lisura e
proteção da integridade do patrimônio dos brasileiros.
Convém
que o presidente da República se conscientize sobre a real importância das investigações
sobre os fatos denunciados, com suspeitas de irregularidades, porque, além de
serem exigências legais, o seu resultado pode servir de salvo-conduto das afirmações
acerca da inexistência de corrupção no governo, cujas alegações são absolutamente
inócuas sem a devida comprovação, que é obtida por meio da apuração pertinente.
Além disso, é preciso ficar claro que o verdadeiro
objetivo das investigações é possibilitar a confirmação de que não houve
irregularidade acerca dos fatos denunciados ou, em caso contrário, ser legalmente
viável a atribuição das responsabilidades dos envolvidos, como forma de servirem
de aplicação das medidas de saneamento, no sentido do ressarcimento dos danos
causados ao erário, e da necessária lição pedagógica, com vistas a se evitar a
reincidência de casos análogos.
Enfim, agora,
resta esperar pelo resultado das investigações sobre esse horroroso escândalo,
que foram determinadas não pelo presidente da República, como era da sua competência
constitucional, na forma do seu dever institucional, mas sim pelo Supremo Tribunal
Federal, em atenção a pedido de congressistas, para se saber a verdadeira
dimensão dos possíveis estragos causados à regularidade da administração do
Brasil.
Brasília, em 6 de abril de 2022
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