quarta-feira, 6 de abril de 2022

O dever da investigação

Em comparecimento à Comissão da Educação do Senado Federal, três prefeitos confirmaram que o pastor integrante do gabinete paralelo do ex-ministro da Educação realmente cobrou propina para a liberação de  recursos da pasta.

Essa mesma informação havia sido prestada por eles a um importante jornal, há cerca de quinze dias.

Por causa dessa acusação, o então ministro da Educação resolveu, por iniciativa própria, se exonerar do cargo, após não ter mais condição moral para continuar à frente da pasta, principalmente porque  os fatos só confirmavam a cobrança de propina, para a liberação de verbas públicas.

O esquema criminoso no Ministério da Educação era operado normalmente por dois pastores amigos do ex-ministro, sendo que o líder foi recomendado pelo presidente do país para ser acolhido no órgão, ou seja, ele tinha trânsito livre no ministério, sob o respaldo do Palácio do Planalto e esse “jeitinho brasileiro”, nada republicano, foi confirmado pelo ex-ministro, recentemente.

Pois bem, o prefeito do município de Luís Domingues (MA) relatou aos senadores que, após reunião no Ministério da Educação, ele teria  participado de almoço com “20 a 30” colegas.

Ele afirmou que, nesse almoço, um dos pastores se “(...) virou para mim e disse: cadê suas demandas? Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou rapidamente: olha, você vai me arrumar os R$ 15 mil para mim (sic) protocolar as suas demandas e depois que o recurso já estiver empenhado, você, como a sua região é região de mineração, você vai me trazer 1kg de ouro. Eu não disse nem que sim nem que não. Me afastei da mesa e fui almoçar.”.

Já o prefeito do município de Boa Esperança do Sul (SP) declarou que foi almoçar com os pastores, no hotel Grand Bittar, em Brasília, e um deles disse: “Prefeito, você bem sabe como funciona né? Eu disse: não. Então, ele disse: Prefeito, o Brasil é muito grande, nós temos mais de 5.600 municípios. Não dá para ajudar todos os municípios. Eu disse: não dá, pastor? Ele falou: mas eu consigo te ajudar.”.

Esse mesmo prefeito contou aos senadores que perguntou a um pastor como seria a “ajuda” e foi quando o religioso acenou com verbas para a escola profissionalizante, tendo afirmado: “Você assina um ofício, eu já coloco no sistema e, em contrapartida, você deposita R$ 40 mil na, conta da Igreja Evangélica. Foi onde (sic) eu bati nas costas dele e falei: pastor, muito obrigado, mas para mim não serve, não é desse jeito que funciona”.

O outro prefeito do município de Bonfinópolis (GO) também declarou que um pastor cobrou R$ 15 mil para destravar os recursos, por ocasião de almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília.

Ele disse que, no encontro ocorrido em 11 de março de 2021, “Quando chegou o pastor Arilton na minha mesa e me abordou de uma forma assim muito abrupta e direta, dizendo: olha, prefeito, vi aqui que o seu ofício aqui está pedindo a escola de 12 salas. Essa escola aí deve custar uns R$ 7 milhões o recurso para ser liberado, mas é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje”.

Ele disse que o pastor, pediu “uma transferência” imediata para sua conta, dizendo que “esse negócio de para depois, isso não cola comigo, não. Vocês políticos são um bando de malandros, não têm palavra. Se não pegar antes, não paga ninguém. Aquilo me deu ânsia de vômito”.

Em princípio, parece que os relatos dos prefeitos se revestem de plausibilidade, até mesmo pela forma da semelhança das investidas quanto aos pedidos de propina, embora não tenha sido apresentada nenhuma comprovação sobre a materialização do crime, na forma de depósito de dinheiro, ficando apenas no campo dos indícios, que são as confissões de fortes suspeitas de promiscuidade na gestão pública.

Nenhum prefeito confirmou o pagamento da propina, ficando a dúvida no ar se alguma prefeitura recebeu verba para os fins objetivados por eles, caso em que, certamente a propina deve ter sido repassada para os pastores, mas nenhum prefeito esclareceu sobre a execução ou não de obras.

Na verdade, há de se estranhar o motivo pelo qual nenhum prefeito denunciou, nos exatos momentos dos pedidos, os assédios dos pastores por propina, preferindo o silêncio e somente agora eles se encorajaram a denunciar o esquema criminoso.

É preciso que se investigue se houve ou não a realização de obras com recursos do Ministério da Educação, porque, com certeza, em caso positivo, houve sim corrupção ativa por parte do prefeito que tenha inaugurado obra objeto do pedido de propina, porque a confirmação disso implica a criminalização de quem recebeu recurso para a sua obra e pagou sim a propina, mas não tem a dignidade para denunciar, na certeza de que haverá a caracterização do crime de cumplicidade.

Agora, essa confirmação dos pedidos de propina também têm o condão de complicar ainda mais a situação do presidente do país, que, a despeito de gritar aos quatro cantos do país que, no seu governo, não tem corrupção, ele se mostrou absolutamente incapaz de esboçar reação de moralidade, diante da prática de esquema criminoso no Ministério da Educação, que somente conspira contra a dignidade do governo.

De certa forma, isso até pode ser compreensível, na medida em que os pastores não tinham vínculo de emprego no serviço público e estavam com trânsito livre no MEC, muito bem à vontade, em razão de contarem com a segura proteção do presidente do país, conforme assegurou o ex-ministro.

A magnanimidade do presidente do país para com o então ministro foi tão irreconhecível que ele foi capaz, pasmem, de afirmar que seria capaz de colocar a cara no fogo por ele, quando ainda ardia em foto a lisura de ambos.

Tudo isso só mostra, com muita clareza, o nível da incompetência prevalente na gestão pública, uma vez que o menor sinal de suspeita de irregularidade com dinheiro público, o gestor tem o dever legal de determinar a imediata apuração dos fatos, de modo a se confirmar o que realmente teria acontecido, independentemente das amizades pessoais, porque o que está em jogo é a responsabilidade pública, que goza do privilégio da prioridade em tudo e sobre tudo.

Nesse caso, ao tomar conhecimento da denúncia de esquema criminoso no Ministério da Educação, a única alternativa do presidente do país era, de imediato, ter afastado o ministro do órgão e determinar as devidas investigações sobre os fatos inquinados de irregulares, mas a sua compreensão sobre o discernimento administrativo o aconselhou a não fazer absolutamente nada, em evidente demonstração de desprezo às normas referentes à gestão pública e ao sentimento de lisura e proteção da integridade do patrimônio dos brasileiros.

Convém que o presidente da República se conscientize sobre a real importância das investigações sobre os fatos denunciados, com suspeitas de irregularidades, porque, além de serem exigências legais, o seu resultado pode servir de salvo-conduto das afirmações acerca da inexistência de corrupção no governo, cujas alegações são absolutamente inócuas sem a devida comprovação, que é obtida por meio da apuração pertinente.

Além  disso, é preciso ficar claro que o verdadeiro objetivo das investigações é possibilitar a confirmação de que não houve irregularidade acerca dos fatos denunciados ou, em caso contrário, ser legalmente viável a atribuição das responsabilidades dos envolvidos, como forma de servirem de aplicação das medidas de saneamento, no sentido do ressarcimento dos danos causados ao erário, e da necessária lição pedagógica, com vistas a se evitar a reincidência de casos análogos.

Enfim, agora, resta esperar pelo resultado das investigações sobre esse horroroso escândalo, que foram determinadas não pelo presidente da República, como era da sua competência constitucional, na forma do seu dever institucional, mas sim pelo Supremo Tribunal Federal, em atenção a pedido de congressistas, para se saber a verdadeira dimensão dos possíveis estragos causados à regularidade da administração do Brasil.    

          Brasília, em 6 de abril de 2022 

Nenhum comentário:

Postar um comentário