quinta-feira, 5 de maio de 2022

Não se pode transigir?

            O ministro do Supremo Tribunal Federal, que anulou as sentenças condenatórias do principal líder da oposição brasileira, condenado à prisão em processos na Operação Lava-Jato, afirmou, pasmem, que “não se pode transigir com ameaças à democracia nem se permitir a corrosão da autoridade do Judiciário.”, dando a entender que ela é o suprassumo da pureza jurídica.

A verdade é que a crise institucional entre o Executivo e o Judiciário nunca havia chegado ao clima de tensão máxima como agora, depois da deliberada provocação protagonizada pelo presidente da República, com a concessão da graça a um deputado federal, que havia sido condenado à prisão e perdido o mandato, por decisão daquela corte, em razão de ter exagerado nas agressões ao Supremo e a seus ministros.

O referido perdão foi concedido apenas um dia depois de o deputado ter sido condenado à prisão e perdido o mandato, por decisão da Excelsa Corte de Justiça.

Aproveitando a mesma linha de afronta ao Supremo, logo em seguida, o presidente do país defendeu, em claro desrespeito à autonomia do Tribunal Superior Eleitoral, apuração paralela dos votos a dessa corte, no próximo pleito, cuja operação ficaria sob a incumbência das Forças Armadas.

À toda evidência, essa medida significa, de forma indiscutível, claras submissão e intervenção brancas, indiretas e ilegais, no funcionamento do sistema eleitoral, porque é exatamente assim que se pode interpretar a vontade presidencial.

A verdade é que o presidente do país não conseguiu, em demonstração de clara falta de habilidade administrativa, o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, como assim ele pretendia, por pura incompetência de argumentos e justificativas capazes de dialogar e convencer, como forma de se mostrar, por meios civilizados e competentes, o que precisa ser feito para o aperfeiçoamento desejável do sistema eleitoral, em especial o funcionamento das urnas eletrônicas.

O mencionado ministro disse que "O respeito entre as instituições — e não há instituição acima ou abaixo, todas as instituições — e a harmonia entre poderes dependem não só de abertura para o diálogo, mas também de uma posição firme: não transigir com ameaças à democracia, não aquiescer com informações falsas e levianas, não permitir que se corroa a autoridade do Poder Judiciário".

Ele afirmou que a liderança do Supremo "é um farol para todos os demais juízes e demais juízas do país, assim como para todos os tribunais", tendo conclamado que a “defesa da normalidade e do exercício das competências institucionais como condição de possibilidade e sustentáculo da República e de uma sociedade livre, justa e solidária. sem diálogo e concórdia, não há cooperação para a defesa das instituições. As liberdades democráticas integram o patrimônio moral das gerações futuras. É nossa missão social garantir um futuro a essas gerações, mesmo diante dos desafios direcionados às instituições democráticas.

Em outro trecho, o ministro afirmou que “É necessária a firme e colaborativa atuação das instituições da República para que a confiança que o povo brasileiro sempre teve no Judiciário possa ser atestada como fato histórico. O respeito entre as instituições e a harmonia entre os poderes "dependem hoje não só da abertura para o diálogo, mas também de uma posição firme: não transigir com as ameaças à democracia; não aquiescer com informações falsas e levianas; não permitir que se corroa a autoridade do Poder Judiciário".  

É bastante difícil de se acreditar que todas essas importantes teses que cuidam do afiançamento da segurança jurídica, da confiança que os brasileiros precisam ter no Judiciário, do respeito à autoridade do poder Judiciário, da credibilidade às decisões judiciais, entre outras afirmações inverossímeis do ministro, como como alegações de formas seguras de sustentabilidade da instituição chamada República, foram sustentadas em vão por essa autoridade.

As palavras desse ministro são absolutamente sem as menores consistência e credibilidade, exatamente por ele ter sido o mentor da concessão do escandaloso indulto ao criminoso que foi condenado pela confirmação da prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, precisamente por haver robustas provas materiais contra ele, que não teve condições morais de provar a sua inocência, com relação aos fatos suspeitos de irregularidades denunciados à Justiça brasileira, tendo como consistência o recebimento de propinas, que é algo próprio do submundo da criminalidade, mas mesmo assim houve o indulto penal, sem o correspondente mérito.

Infelizmente, esse mesmo ministro vem agora, com extrema veemência, tentar censurar a graça concedida pelo presidente da República, que também se trata de ato da maior excrescência na administração pública, mas mesmo assim foi firmado pela principal autoridade do país, eis que o deputado criminoso, condenado à prisão, não tem o mínimo mérito para ser indultado da pena, justamente por ter esculhambado, com termos superagressivos, a instituição Supremo Tribunal Federal e seus ministros, em indiscutível evidenciação do desprezo ao salutar decoro parlamentar, sendo merecedor de julgamento ao menos pela Câmara dos Deputados, mas ele o foi por este tribunal, em decorrência da clara omissão da Câmara Baixa.

O ministro que concedeu indulto, de forma indevida e injusta, a criminoso de colarinho branco, que se beneficiou irregularmente de recursos públicos, sem que tenha mínimo mérito para justificar seu ato visivelmente absurdo e abusivo, motivado possivelmente por mera ideologia, não tendo nada mais a se acenar como argumento válido, em especial em termos em bases jurídicas, ao menos, eis que o mesmo argumento da incompetência jurisdicional já havia sido descartado em quatro ocasiões anteriores, não tem a menor moral para criticar nada do pior e mais grave que possa acontecer neste país, precisamente porque ele se tornou indigno, para o resto da vida, de ser ouvido nem considerado como brasileiro.

O verdadeiro brasileiro seria incapaz de praticar ato jurídico, em forma de indulto judicial, da pior e mais degradante espécie como praticada por ele, diante da falta de amparo legal, em que pese a sua deplorável e abusiva deliberação ter sido convalidada pela mesma monstruosidade jurídica e interpretativa de seus pares, que igualmente cometeram atrocidade contra os interesses da pátria, em cristalino ato de “mortalidade” aos princípios jurídicos e constitucionais, diante do completo descabimento do indulto, à vista da inexistência de mérito, justificativa nem motivação plausíveis.

Os verdadeiros brasileiros, que amam o Brasil, ficaram estarrecidos com a defesa da instituição Supremo Tribunal Federal, quando ela vem sendo tratada com extremo desprezo e nenhum respeito, à vista do enfrentamento pelo presidente da República e por um deputado federal, que desacataram suas decisões, por meio da graça presidencial e pela recusa do recebimento da notificação sobre a decisão de ministro, ficando mais do que patente a decadência do respeito à sua autoridade, como poder da República.

É evidente que isso parece ter harmonia com a precisa incoerência das decisões emanadas pela corte, em especial no que diz ao monstruoso indulto a criminoso que se envolveu no maior escândalo político da história do Brasil, sem que tenha absolutamente nada para justificar, em termos jurídicos, e isso mostra gigantesca falta de compromisso com a defesa das causas do país, além de completo desprezo aos princípios constitucionais e republicanos.

O ministro disse que o Supremo serve de “farol” para os juízes brasileiros, mas em que sentido, quando ele próprio cometeu monstruosa violência jurídica, ao anular decisões firmes e consolidadas por julgamentos em instâncias superiores da Justiça, convalidadas diante da robusteza das provas materiais sobre a autoria da prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que é algo tão deprimente, em termos jurídicos, na administração pública, que seria verdadeiro deboche se isso tivesse acontecido na pior republiqueta ditatorial?

É preciso que fique bastante claro, para esse ministro, que “a confiança que o povo brasileiro sempre teve no Judiciário” foi perdida há muito tempo, em razão das decisões abusivas e inconstitucionais proferidas pelo Supremo, nos últimos tempos, a exemplo, em especial, quanto à anulação de sentenças condenatórias consistentes à prisão de criminosos, cujos conteúdos não foram sequer questionados, ante às suas firmezas procedimentais, em termos de juridicidade, em confirmação das valiosas bases legais, tanto que elas foram convalidadas por instâncias inferiores ao Supremo, ou seja, em três das quatro instâncias da Justiça brasileira.

Urge que os brasileiros honrados e dignos se conscientizem quanto à necessidade de mobilização, de âmbito nacional, no sentido da criação de norma jurídica que tenha por propósito a moralização do funcionamento do Supremo Tribunal Federal, de modo que seja possível a revisão, por instância superior, em forma de conselho supervisor do judiciário, que deve ser constituído sob a incumbência constitucional do Congresso Nacional, imediatamente a qualquer decisão questionável dessa corte, sob suspeita de inconstitucionalidade, como nesse caso do indulto ao político julgado corrupto, cujo ato seria urgentemente revisado, nos termos necessários ao seu ajustamento à legitimidade e ao ordenamento jurídico.

A verdade é que os poderes da República, representados pelos Executivo, Legislativo e Judiciário, funcionam, em muitos casos, de forma precária tendo por importante participação o silêncio e a aceitação do povo, que não se interessam pelo necessário aprimoramento do funcionamento desses órgãos, quando nunca a sociedade se mostra interessada em querer que qualquer poder seja fiscalizado e controlado como deviam, tendo em vista que todos têm o dever de executar as suas missões institucionais somente em consonância com a satisfação do atendimento do interesse público, em harmonia com os princípios constitucionais e republicanos, mas, para isso, todos os poderes deveriam se submeter ao crivo da supervisão dos seus trabalhos, que são de natureza pública, em que ninguém está acima da lei e da Constituição.

          Brasília, em 5 de maio de 2022

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