sábado, 28 de maio de 2022

Inadmissível insensibilidade

 

O presidente República vetou o projeto que autorizava a inscrição da médica psiquiatra Nise da Silveira no livro dos “Heróis e Heroínas” da Pátria.

A médica teve atuação na área da psiquiatria na década de 1940 e se notabilizou por ter sido uma das pioneiras do movimento contra métodos agressivos e violentos aplicados, à época, a internados com transtornos mentais.

Em 1936, a médica foi presa depois de ter sido denunciada por envolvimento com líderes do comunismo, no Brasil.

A homenagem, post-mortem, havia sido aprovada pelo Senado Federal, como forma de reconhecimento da sua importante obra humanitária, mas não foi possível a  sua efetivação, uma vez que o presidente do país conseguiu encontrar justificativa fajuta para o veto do nome dela, alegando, pasmem, que "não é possível avaliar a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da Nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional".

Acontece que a médica Nise Silveira ficou conhecida mundialmente por ter sido crítica de tratamentos à base de “eletrochoque, lobotomia, camisa de força e o isolamento em hospícios”, que são métodos absurdamente desumanos.

Como defensora de métodos mais humanizados, a médica inseriu a interação com a arte, especialmente a pintura, como forma de tratamento dos transtornos mentais, com efetiva capacidade de recuperação de doentes.

Como resultado desse tratamento, além de minimizar, de maneira significativa, o sofrimento dos doentes, muitas obras de seus pacientes ainda estão em exposições pelo país e já chegaram a ser expostas no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

O exemplar e a excelência desse trabalho, de notórios cunho humanista, ganhou projeção mundial e teve a obra dela reconhecida por psiquiatras de renome internacional, inclusive o famoso suíço Carl Jung.

Não obstante, verifica-se que, muito estranhamente, o presidente do país houve por bem discordar da iniciativa do Senado Federal, em homenageá-la, com o devido mérito, tendo alegado, para tanto: "Ademais, prioriza-se que personalidades da história do país sejam homenageadas em âmbito nacional, desde que a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do estado democrático".

A senadora-relatora do projeto defendeu a brilhante trajetória da psiquiatra, tendo por base que "A doutora Nise foi uma extraordinária psiquiatra, que implantou tratamentos humanizados para transtornos mentais e criou um novo momento em relação a esses tratamentos na nossa sociedade brasileira. Estar no livro de Heróis e Heroínas da Pátria é, sobretudo, um reconhecimento ao trabalho que essa mulher fez para o Brasil".

Eis aqui mais uma tremenda e absurda confusão mental, quando se quis confundir, de propósito, trabalho profissional de altíssima qualidade com questões político-ideológicas, quando fica muito claro que uma coisa não tem absolutamente nada com a outra, o que só demonstra indiscutível sentimento de ódio e vingança, na tentativa de se querer fazer justiça com as próprias mãos, quando se nega, por meio de justificativas sem a menor plausibilidade, a concessão do justo direito ao reconhecimento da competência distinguida em benefício da sociedade e digna sim do título honorário à altura da homenageada, que muito fez pelas ciência e humanidade.

Não há a menor dúvida de que nada justifica o veto presidencial à grandeza dessa excelente profissional da medicina, que foi inovadora em métodos de tratamento humanizado, dignos por todos os governos imbuídos da seriedade e do respeito à competência e à sensibilidade em harmonia com os princípios humanos, exatamente na maneira pioneira e vanguardista da doutora Nise Silveira, expoente dos estudos da psiquiatria nacional, que foi, sem dúvida alguma exemplo para o mundo, sendo merecedora dos maiores títulos honorários conferidos aos brasileiros do quilate dela.

É muito triste que o presidente da República não tenha a grandeza de sentimento humano para reconhecer a magnífica obra da médica brasileira que teve o elevado reconhecimento precisamente dos entendidos da psiquiatria, que elogiaram o importante feito das descoberta da doutora Nise Silveira, que são realmente notórios.

A despeito disso, o mandatário da nação, visivelmente sob o pretexto de cunho eminentemente ideológico, já que ela se envolveu em causa política, que não se confunde com a área psiquiátrica, achou por bem de entender o absurdo do contrário, ao afirmar, pasmem: “não é possível avaliar a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da Nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional.”, que não passam de declarações fora da realidade do que exatamente foi feito pela psiquiatra, conforme mostram os fatos, que são vistos à luz solar, que não pode ser vista pela insensibilidade humana.

A aludida assertiva é tão ridícula e estapafúrdia que os excelentes resultados produzidos com o método inventado pela médica foram extraordinários, à vista da valorização dos princípios humanitários, com a eliminação de tratamento cruéis e desumanos e a introdução de terapia à base da arte, em forma de socialização progressiva da familiarização do paciente com métodos de racionalização à moderna humanização dos doentes.

A verdade é que, nem mesmo a visível insensibilidade dos homens, felizmente, consegue deslustrar a grandeza e a excepcionalidade de quem realmente se tornou digno de aplausos, cujos louros lhe são devidos e atribuídos pela marca indelével da sua fantástica obra, que é tão expressiva que tem o poder de se eternizar na história brasileira e servir de modelo para gerações, ante a sua representatividade em forma de dedicação e amor ao ser humano.  

O presidente da República perde excelente oportunidade para mostrar um pouco do seu sentimento de sensibilidade ao trabalho de muita grandeza e valorização aos princípios humanitários, como o que foi feito pela médica psiquiatra Nise da Silveira, que merece sim que o seu nome seja inscrito no rol dos heróis e heroínas nacionais, para que o seu importantíssimo legado perpetue na história e na lembrança dos brasileiros.  

Brasília, em 28 de maio de 2022

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