Em
mensagem que circula nas redes sociais, há apelo aos brasileiros no sentido de
que, verbis: “O Brasil quer que as Forças Armadas fiscalizem as urnas e a apuração
das eleições. Se concorda com essa ideia, COMPARTILHE!”.
Diante desse
texto, eu disse que é natural que os brasileiros concordem que as Forças
Armadas fiscalizem o processo eleitoral, mas isso não pode ser feito apenas na
base na simples da vontade deles, no
peito e na raça, como muitos querem, porque isso depende do respeito ao regramento
jurídico do país.
Convém que
seja mudada, no Constituição, a finalidade institucional das Forças Armadas,
para o acréscimo dessa importante missão, sob pena de crime por desvio de
função e isso é gravíssimo, sob o prisma da juridicidade, além da inadmissível
interferência no trabalho da Justiça especializada, dando a entender clara intervenção
do poder Executivo na esfera do Judiciário.
É preciso
que se respeite o ordenamento jurídico do país, como forma de preservação dos
sagrados princípios democráticos, eis que, na forma constitucional, somente a
Justiça eleitoral tem competência para tratar dos procedimentos referentes às
eleições brasileiras.
Uma distinta
amiga, escreveu a seguinte mensagem: “Adalmir, eu vi que existe esse
dispositivo na Constituição, dando esse direito às Forças Armadas não só
fiscalizar como também participar da contagem de votos. Me parece que mais uma
vez o STF está se sobrepondo às leis. Você como advogado, com certeza será
mais fácil confirmar do que para mim que sou leiga no assunto. Confesso
que ao tomar conhecimento não me atentei sobre a Lei, artigos, incisos,
etc.”.
Atendendo
ao alerta em causa, verifiquei que, realmente, na Constituição somente existem,
neste particular, as competências institucionais da Justiça eleitoral e das
Forças Armadas, nas forma dos artigos 118 e 142, respectivamente, conforme a
sua transcrição abaixo:
“Art.
118. São órgãos da Justiça Eleitoral: l - o Tribunal Superior Eleitoral; ll -
os Tribunais Regionais Eleitorais; lll - os juízes eleitorais; lV - as Juntas
Eleitorais. (Somente esses órgãos fazem parte da Justiça eleitoral);
Art. 142.
As Forças Armadas... destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” (Só isso, não existindo outras
funções).
Citem-se
ainda que, na qualidade de comandante-em-chefe das Forças Armadas, o presidente
da República poderá responder por crime de responsabilidade, caso ele permita
ou simplesmente se cale, se elas participarem de atividade estranha às suas
funções constitucionais, evidentemente sem o amparo legal.
Aproveitei
o ensejo para esclarecer que, infelizmente, eu não sou advogado, mas até que eu
gostaria de ser, porque é nessa classe de profissionais que existem competentes
doutores da lei e grandes juristas.
Não
conformada com as minhas explicações, a prezada amiga concluiu seu pensamento,
dizendo: “Adalmir, deve ter alguma emenda, porque eu me lembro ter visto o amparo
às FFAAs. Salvo engano o povo não está pedindo aleatoriamente. A presença delas
sabemos bem que foi a convite do Presidente do TRE/TSE, hoje surpreso ao
descobrir o profundo conhecimento dos técnicos até em cibernética, e não sabe o
que fazer para afastá-los, uma vez que adentraram como convidados.”.
Tudo bem,
mas é muito pouco provável que exista alguma norma nesse sentindo, mesmo se
sabendo que o sistema eleitoral brasileiro nunca foi confiável.
Só de pouco
tempo atrás é que se intensificaram as suspeitas e críticas sobre possíveis
fragilidades na operalização das votações, em especial quanto às urnas eletrônicas,
a ponto de se propiciar o pedido de socorro às Forças Armadas, que realmente
elas são sempre muito competentes em qualquer assunto de segurança nacional e o
seu trabalho merece crédito e respeito.
Em
princípio, que não seja não saber como dispensar as Forças Armadas da comissão com
a destinação de sugerir ideias para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, porque
é o que já aconteceu com a sua dissolução, por vencimento do prazo para o
oferecimento de sugestões, ocorrido em janeiro último, o que vale dizer que
elas já estão afastadas do processo eleitoral.
Novamente
a amiga voltou a intervir, para afirmar: “Isso mesmo! Vamos aguardar, o
Comandante Geral saberá agir. Ele deve ser o mais interessado na lisura das
urnas!”.
Na minha avaliação,
a competência para gerenciar o sistema eleitoral brasileiro precisa ficar
exclusivamente sob a competência constitucional da Justiça eleitoral, que é
órgão com a especialização para tratar, com a precisão necessária, de todos os
assuntos inerentes aos procedimentos da sua área, de modo que o seu trabalho precisa
ser executado da melhor maneira possível, no sentido do oferecimento de
resultados com credibilidade, confiança e segurança.
Caso seja
preciso alguma forma de controle ou supervisão, para se assegurar maior certeza
sobre a eficiência e a efetividade dos resultados das eleições, esse órgão deveria
ser criado na estrutura da Justiça, com formação jurídica, ou seja, com
competência para decidir com base nos princípios jurídicos.
Com isso,
é crível se afirmar que as Forças Armadas podem sim participar dos procedimentos
referentes ao funcionamento das urnas, no que diz respeito à alta tecnologia da
informática, que é a base do funcionamento do processo operacional das votação e
apuração dos votos, mas jamais servirem como agente fiscalizador e, por fim,
controlador do resultado da votação, porque essa indevida ingerência desmerece
a atribuição constitucional até então privativa do Tribunal Superior Eleitoral,
que também deixaria de ser superior, para passar a ser apenas Tribunal
Eleitoral, diante da perda plena das suas autonomia e independência, no tocante
à sua especialidade.
Na
verdade, a participação direta das Forças Armadas no processo eleitoral poderia
contribuir para sérios desvirtuamentos funcionais de dois órgãos da República, causando
visível risco à quebra de autoridade e de autonomia e isso não é aconselhável
na administração moderna, porque haveria claro retrocesso na cadeia de comando,
em que esse envolvimento das Forças Armadas ou mais especificamente do Exército
na política pode inverter a ordem democrática, em que o sistema militarista
passa a intervir no sistema eleitoral, podendo advir verdadeira desgraça
institucionalizada no país, como ocorreu na Venezuela, onde aconteceu a generalização
da ingerência dos militares em tudo que se refere ao governo.
Cabe
aqui importante alerta aos brasileiros, que ficam concordando com as ideias mirabolantes
e absurdas do “Comandante Geral”, como essa em referência, exatamente sob
a ideia de que ele “saberá agir”, quando há situações que podem envolver
questões jurídicas que não se resolvem no simples arbítrio presidencial, ante
às delicadas implicações conjunturais e operacionais.
É
preciso que os brasileiros atentem para o fato de que apenas por meio de pequeno
precedente, como esse, pode-se estar-se abrindo uma gigantesca porteira para,
inicialmente, se permitir a passagem de tão somente um boi, mas a abertura
dessa mesma cancela poderá dar margem à passagem da boiada, no sentido de que o
sentimento de quaisquer outras deficiências no serviço público, poderá ser
aplicado o mesmo remédio das Forças Armadas e aí ter-se-á o clássico efeito
venezuelano, com a plena dominação dos militares e isso pode ser sinônimo de
desastre não somente jurídico, mas de dimensão humanitária.
Ante
o exposto, fica o grito de alerta aos brasileiros, no sentido de que o pequeno fenômeno
como medida de politização das Forças Armadas pode servir de estopim como modelo
de alastramento para outras áreas da gestão pública, com sérios riscos para a
consagrada democracia, inclusive com gravíssima repercussão no direto desrespeito
aos princípios constitucionais de autonomia e independência dos poderes da
República.
Brasília,
em 20 de maio de 2022
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