segunda-feira, 9 de maio de 2022

Afronta à Constituição Federal?

 

      Dias atrás, o presidente da República declarou que as Forças Armadas vão realizar tarefa inteiramente estranha às suas competências constitucionais, no sentido de que “As Forças Armadas não vão fazer papel de chancelar apenas o processo eleitoral, participar como espectadoras do mesmo”, ou seja, elas vão atuar com efetividade na fiscalização dos votos.

O presidente do país escancara verdadeira ameaça contra o processo eleitoral, ficando muito claro o seu objetivo de violação de princípio constitucional que ele jurou, no ato de posse, não só de cumprir, mas também de defender, uma vez que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, ex-vi do disposto no art. 142 da Constituição Federal, que não acena para o exercício da atividade anunciada pelo anúncio presidencial.

Causa perplexidade o presidente do país aventar, por conta pessoal, a possibilidade de as Forças Armadas tutelarem ou se incursionarem em missão não definida como sendo da sua incumbência de co-gerenciamento do sistema das eleições brasileiras, tendo em vista que isso foge à sua competência constitucional, cuja medida, se realmente efetivada, se torna visivelmente abusiva e ilegal, quando o seu propósito deriva da exclusiva vontade pessoal do mandatário da nação, em flagrante dissonância com o regramento jurídico do país.

A propósito dessa notícia, a Lei nº 1.079/1950 inclui, entre os crimes de responsabilidade, “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina”.

A verdade é que, conforme mostram os fatos, o presidente do país tem sido contumaz incitador das Forças Armadas para agirem fora de suas competências constitucionais, já tendo promovido todo o seu comando por discordância do seu posicionamento político.

Ao contrário do sentimento do presidente do país, as Forças Armadas devem ser apenas fiéis espectadoras do processo eleitoral brasileiro, porque é dessa maneira que elas se comportam em regime sério e evoluído, em termos político-democráticos.

Ressalte-se que o presidente do país já pretendeu incitar o Congresso Nacional a se posicionar contra o sistema eleitoral brasileiro, mas, felizmente, o Legislativo preferiu agir com prudência e rejeitar as propostas de mudanças pretendidas por ele, cujas justificativas apresentadas para tanto foram insuficientemente capazes de convencimento dos parlamentares.

Depois de descartada a tentativa da mudança no funcionamento das urnas eletrônicas, pelo Legislativo, o presidente do país se comprometeu a respeitar a soberana decisão do Congresso, mas apenas não cumpriu seu juramento como vem tentando convencer a opinião pública de que há possibilidade de fraudes no sistema eleitoral e ainda, o que ainda o mais grave, pretender envolver as Forças Armadas em sua campanha de deslegitimação do processo eleitoral, em clara dissonância com a legislação do país.

Diante dos fatos do quotidiano, fica muito claro que a incitação no sentido de que as Forças Armadas possam atuar fora de suas competências constitucionais não é somente precedente perigo abstrato ou distante, mas sim bem acentuado, quando o ministro da Defesa se sentiu, pasmem, no direito de pedir ao Tribunal Superior Eleitoral a divulgação de propostas feitas por aquelas corporações acerca do processo eleitoral.

À toda evidência, o aludido pedido se reveste, em princípio, em total disparate, a revelar incompreensão e inconformismo sobre o normal funcionamento das instituições da República, fato este que conspira, com muita clareza, contra o Estado Democrático de Direito.

O certo é que o convite para que as Forças Armadas participem da Comissão Externa de Transparência da Justiça Eleitoral, tendo apenas função consultiva e sem nenhum poder decisório, não autoriza o ministro da Defesa a exercer pressão pública sobre o TSE, como nesse caso em que a corte deveria dar publicidade às sugestões oferecidas por aquelas corporações.

É preciso que a Justiça eleitoral seja muito firme na defesa de suas prerrogativas constitucionais, sem transigir com indevida pressão, venha de onde vier, como nesse caso dos militares, que, a um só tempo, fica patente a agressão à independência da Justiça eleitoral, por meio da indiscutível extrapolação das competências constitucionais das Forças Armadas.

Nessa mesma linha de indiscutível desconfiança do sistema eleitoral brasileiro, como se não bastassem as investidas por todos os flancos, o presidente do país anunciou que seu partido, o PL, vai contratar, evidentemente com recursos dos bestas dos contribuintes, uma vez que os recursos vêm do Fundo Eleitoral, empresa especializada para auditar as eleições, em processo paralelo ao oficial.

A legislação eleitoral prevê a possibilidade de auditoria do processo eleitoral, mas não é bem isso o que o presidente do país pretende, porque ele deseja criar atrito com a Justiça Eleitoral e desconfiança nas urnas eletrônicas, em clara demonstração de que ele quer mesmo, em última instância, é colocar os eleitores contra o sistema eleitoral.

O presidente da nação já até anunciou a sua pretensa jogada absurda, ao afirmar que “Ela (a empresa de autoria) pode falar ‘aqui é impossível auditar’ e não fazer o trabalho. Olha a que ponto vamos chegar”, tendo por base premissa de pura pretensão de descrédito sobre o sistema eleitoral, ou seja, a contratação de empresa seria para garantir a afirmação de que é impossível acesso aos elementos necessários à checagem dos votos.

A exposição dessa conduta maquiavélica fica caracterizado que o presidente do país incorre noutro crime de responsabilidade, com previsão no art. 7º da Lei 1.079/1950, que diz: “Utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral”.

Ou seja, fica muito cristalino que já existe norma legal capaz de se abri processo de punição contra o presidente do país, diante dos absurdos que ele vem protagonizando contra o sistema eleitoral brasileiro.

Para tanto compete ao Congresso Nacional e à Procuradoria Geral da República tornarem efetiva a medida apropriada ao caso, permitindo que o presidente do país esclareça as suas reiteradas pretensões de confronto com a Justiça eleitoral.

A verdade é que, ao permitirem, de forma irresponsável, que o presidente da República perturbe as eleições, de maneira impune, como há tempos ele vem fazendo, à luz solar, as instituições com poder constitucional para impedi-lo tornam-se cúmplices com a desordem democrática e o desrespeito ao regramento jurídico do país.

Na melhor compreensão de República tendo por base o regime democrático de direito, os poderes precisam funcionar em perfeita harmonia e independência institucionais, de modo que ações legitimamente de natureza voltadas para a satisfação do interesse público devem ser, necessariamente, encaminhadas, apreciadas e concretizadas no âmbito da convergência de ideias, conquanto as divergências conduzidas pelo presidente da República são compreendidas como retrocesso político-administrativo, que são contrárias ao desenvolvimento do pais.  

Assim, urge que o Congresso Nacional e a Procuradoria Geral da República reajam, no âmbito das suas competências constitucionais, de modo que sejam impedidas as ameaças e agressões que o presidente da República vem cometendo contra a Constituição Federal, a legislação eleitoral e a Lei nº 1.079/1950, uma vez que a sua passividade perante tão insistente violência afronta a ordem jurídica e o regime democrático brasileiros.

Brasília, em 9 de maio de 2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário