Dias atrás, o presidente da República declarou que as Forças Armadas vão
realizar tarefa inteiramente estranha às suas competências constitucionais, no
sentido de que “As Forças Armadas não vão fazer papel de chancelar apenas o
processo eleitoral, participar como espectadoras do mesmo”, ou seja, elas
vão atuar com efetividade na fiscalização dos votos.
O presidente do país escancara verdadeira
ameaça contra o processo eleitoral, ficando muito claro o seu objetivo de violação
de princípio constitucional que ele jurou, no ato de posse, não só de cumprir,
mas também de defender, uma vez que as Forças Armadas “destinam-se à defesa
da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”, ex-vi do disposto no art. 142 da Constituição
Federal, que não acena para o exercício da atividade anunciada pelo anúncio
presidencial.
Causa perplexidade o presidente do país
aventar, por conta pessoal, a possibilidade de as Forças Armadas tutelarem ou se
incursionarem em missão não definida como sendo da sua incumbência de co-gerenciamento
do sistema das eleições brasileiras, tendo em vista que isso foge à sua
competência constitucional, cuja medida, se realmente efetivada, se torna visivelmente
abusiva e ilegal, quando o seu propósito deriva da exclusiva vontade pessoal do
mandatário da nação, em flagrante dissonância com o regramento jurídico do país.
A propósito dessa notícia, a Lei nº
1.079/1950 inclui, entre os crimes de responsabilidade, “incitar militares à
desobediência à lei ou infração à disciplina”.
A verdade é que, conforme mostram os
fatos, o presidente do país tem sido contumaz incitador das Forças Armadas para
agirem fora de suas competências constitucionais, já tendo promovido todo o seu
comando por discordância do seu posicionamento político.
Ao contrário do sentimento do
presidente do país, as Forças Armadas devem ser apenas fiéis espectadoras do
processo eleitoral brasileiro, porque é dessa maneira que elas se comportam em regime
sério e evoluído, em termos político-democráticos.
Ressalte-se que o presidente do país
já pretendeu incitar o Congresso Nacional a se posicionar contra o sistema eleitoral
brasileiro, mas, felizmente, o Legislativo preferiu agir com prudência e rejeitar
as propostas de mudanças pretendidas por ele, cujas justificativas apresentadas
para tanto foram insuficientemente capazes de convencimento dos parlamentares.
Depois de descartada a tentativa da mudança
no funcionamento das urnas eletrônicas, pelo Legislativo, o presidente do país
se comprometeu a respeitar a soberana decisão do Congresso, mas apenas não
cumpriu seu juramento como vem tentando convencer a opinião pública de que há
possibilidade de fraudes no sistema eleitoral e ainda, o que ainda o mais grave,
pretender envolver as Forças Armadas em sua campanha de deslegitimação do
processo eleitoral, em clara dissonância com a legislação do país.
Diante dos fatos do quotidiano, fica
muito claro que a incitação no sentido de que as Forças Armadas possam atuar
fora de suas competências constitucionais não é somente precedente perigo
abstrato ou distante, mas sim bem acentuado, quando o ministro da Defesa se
sentiu, pasmem, no direito de pedir ao Tribunal Superior Eleitoral a divulgação
de propostas feitas por aquelas corporações acerca do processo eleitoral.
À toda evidência, o aludido pedido se
reveste, em princípio, em total disparate, a revelar incompreensão e inconformismo
sobre o normal funcionamento das instituições da República, fato este que
conspira, com muita clareza, contra o Estado Democrático de Direito.
O certo é que o convite para que as Forças
Armadas participem da Comissão Externa de Transparência da Justiça Eleitoral, tendo
apenas função consultiva e sem nenhum poder decisório, não autoriza o ministro
da Defesa a exercer pressão pública sobre o TSE, como nesse caso em que a corte
deveria dar publicidade às sugestões oferecidas por aquelas corporações.
É preciso que a Justiça eleitoral
seja muito firme na defesa de suas prerrogativas constitucionais, sem transigir
com indevida pressão, venha de onde vier, como nesse caso dos militares, que, a
um só tempo, fica patente a agressão à independência da Justiça eleitoral, por
meio da indiscutível extrapolação das competências constitucionais das Forças
Armadas.
Nessa mesma linha de indiscutível
desconfiança do sistema eleitoral brasileiro, como se não bastassem as investidas
por todos os flancos, o presidente do país anunciou que seu partido, o PL, vai
contratar, evidentemente com recursos dos bestas dos contribuintes, uma vez que
os recursos vêm do Fundo Eleitoral, empresa especializada para auditar as
eleições, em processo paralelo ao oficial.
A legislação eleitoral prevê a
possibilidade de auditoria do processo eleitoral, mas não é bem isso o que o
presidente do país pretende, porque ele deseja criar atrito com a Justiça
Eleitoral e desconfiança nas urnas eletrônicas, em clara demonstração de que
ele quer mesmo, em última instância, é colocar os eleitores contra o sistema
eleitoral.
O presidente da nação já até anunciou
a sua pretensa jogada absurda, ao afirmar que “Ela (a empresa de autoria)
pode falar ‘aqui é impossível auditar’ e não fazer o trabalho. Olha a que
ponto vamos chegar”, tendo por base premissa de pura pretensão de descrédito
sobre o sistema eleitoral, ou seja, a contratação de empresa seria para garantir
a afirmação de que é impossível acesso aos elementos necessários à checagem dos
votos.
A exposição dessa conduta maquiavélica
fica caracterizado que o presidente do país incorre noutro crime de
responsabilidade, com previsão no art. 7º da Lei 1.079/1950, que diz: “Utilizar
o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral”.
Ou seja, fica muito cristalino que já
existe norma legal capaz de se abri processo de punição contra o presidente do
país, diante dos absurdos que ele vem protagonizando contra o sistema eleitoral
brasileiro.
Para tanto compete ao Congresso
Nacional e à Procuradoria Geral da República tornarem efetiva a medida
apropriada ao caso, permitindo que o presidente do país esclareça as suas reiteradas
pretensões de confronto com a Justiça eleitoral.
A verdade é que, ao permitirem, de
forma irresponsável, que o presidente da República perturbe as eleições, de maneira
impune, como há tempos ele vem fazendo, à luz solar, as instituições com poder
constitucional para impedi-lo tornam-se cúmplices com a desordem democrática e o
desrespeito ao regramento jurídico do país.
Na melhor compreensão de República
tendo por base o regime democrático de direito, os poderes precisam funcionar
em perfeita harmonia e independência institucionais, de modo que ações legitimamente
de natureza voltadas para a satisfação do interesse público devem ser,
necessariamente, encaminhadas, apreciadas e concretizadas no âmbito da convergência
de ideias, conquanto as divergências conduzidas pelo presidente da República
são compreendidas como retrocesso político-administrativo, que são contrárias
ao desenvolvimento do pais.
Assim, urge que o Congresso Nacional e a Procuradoria Geral da República
reajam, no âmbito das suas competências constitucionais, de modo que sejam
impedidas as ameaças e agressões que o presidente da República vem cometendo
contra a Constituição Federal, a legislação eleitoral e a Lei nº 1.079/1950,
uma vez que a sua passividade perante tão insistente violência afronta a ordem
jurídica e o regime democrático brasileiros.
Brasília,
em 9 de maio de 2022
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