Em
meio à expectativa que se formou em torno da possível redefinição da prisão em
segunda instância, discutia-se muito, nos meios jurídico e político, no embalo
bem mais próximo de opiniões carregadas de fanatismo político-ideológico do que
de pensamentos técnico-jurídicos, como realmente ela precisa que assim possa
ser analisada e interpretada, à luz do primado da Carta Magna.
A
matéria se encontra no contexto da análise dos doutos ministros do Supremo
Tribunal Federal, órgão que já até firmou entendimento sobre a questão, mas há
na fila dos julgamentos daquela corte duas ações questionando a
constitucionalidade da prisão do condenado na segunda instância, à vista do
disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, que reza, verbis: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória.”.
Como
se vê, diante da clareza mediana, o aludido dispositivo trata, de modo particular,
da declaração ou da condenação pela Justiça sobre a culpa material do réu,
conquanto essa é a maneira mais sábia e inteligente que a Carta Maior do país
poderia deixar assegurado aos cidadãos sobre a certeza de somente puderem ser
declarados culpados, em definitivo, depois de esgotados os recursos legalmente
cabíveis ao caso.
Nem
precisa de esforço para se perceber que, no aludido texto, não se menciona
proibição de prisão enquanto não houver o trânsito em julgado, o que vale dizer
que condenação, culpa e prisão são temas distintos e como tal são e devem ser
tratados de forma independente e com a devida atenção que cada um merece e
exige, diante da sua importância no contexto prisional.
Em
lugar algum da Carta Magna está escrito que o condenado pela Justiça somente
será preso depois do trânsito em julgado, o que seria verdadeiro absurdo, por
contrastar com o princípio da condenação à prisão, que já deveria ocorrer de imediato
e concomitante à sentença judicial, sem mais delongas, como acontece nos países
sérios, civilizados e evoluídos, em termos jurídicos, penais e prisionais, ante
a existência do direito constitucional da ampla defesa e do contraditório,
desde o julgamento na primeira fase judicial, não havendo justificativa
plausível para que o condenado não possa recorrer da sentença na prisão
decretada na origem.
Como
não poderia ser diferente, se os constituintes tivessem a intenção de
estabelecer que a prisão do condenado somente ocorrerá depois do trânsito em
julgado, haveria dispositivo na Constituição nesse sentido, dizendo que ninguém
será preso enquanto não for provada, em definitivo, a sua culpa, como o fez com
relação à prisão e à privação da liberdade, nos termos precisos, claros e
objetivos de que tratam os incisos LIV, LXI e LXVII do aludido art. 5º,
respectivamente, escritos nos seguintes textos: “Ninguém será privado da liberdade ou se seus bens sem o devido processo
legal; (...) Ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei; (...) Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”.
Nos
termos constitucionais, a culpa somente poderá ser decretada com o trânsito em
julgado e esse princípio de cunho humanitário faz preciso sentido de ser,
porque, enquanto o processo pertinente estiver em aberto, significa que, ao
condenado, são facultados todos os meios de recursos legalmente assegurados,
mas isso não quer dizer que ele tenha o direito de ficar em liberdade enquanto
não houver o trânsito em julgado, caso em que, a depender da morosidade da
Justiça, que não consegue dá conta da demanda das ações sob a sua incumbência,
seria o mesmo que decretar, por incompetência, a caducidade dos processos e a
plena impunidade e liberdade dos condenados, principalmente daqueles
endinheirados, que assoberbam seus processos com recursos protelatórios e
infindáveis.
A
absurda defesa da tese da prisão somente depois do trânsito em julgado, se
vencedora, colocariam por terra, ante a inviabilidade jurídica, as prisões
preventiva, provisória e temporária, todas previstas na Constituição e ainda
sem que haja, para os casos de que se tratam, sentenças condenatórias, bem
diferentes da condenação já sacramentada na segunda instância.
Diante
disso, percebe-se o gigantesco descabimento da defesa da prisão somente no
trânsito em julgado ou até mesmo depois da segunda instância, justamente por
investimento com nenhuma razoabilidade de sustentação jurídica para tanto,
quando outras prisões, como visto acima, podem ser decretadas antes mesmo da
formação inicial de culpa, nos casos considerados acautelatórios ou
preventivos, que seriam inviáveis se a prisão já decretada somente fosse
possível depois do trânsito em julgado, fato que levaria o Brasil retroceder à era
do paleolítico, em termos de sistema prisional.
Vejam-se
que a decretação da prisão prevista no inciso LXI, acima transcrito, tem
sentido muito incisivo e direto quanto ao seu desiderato, quando estabelece que
a prisão deve ser executada em flagrante delito ou de ordem ou sentença fundamentada
da autoridade judiciária competente, sem precisar, porque desnecessária, a
instância do Poder Judiciário, que fica entendido desde logo como sendo somente
da autoridade judicial, inclusive da primeira instância.
Nos
países sérios, civilizados e evoluídos, em termos políticos, jurídicos e
democráticos, a exemplo da Alemanha, Inglaterra, França, dos Estados Unidos da
América, entre outros assemelhados, a prisão ocorre, sem maiores discussões, na
primeira instância ou, quando muito, na segunda instância, facultando ao
condenado o direito de recorrer dentro da prisão, porque a pena começa a ser
cumprida, desde a sentença, como forma natural do pagamento do crime cometido
contra a sociedade, daí a imperiosidade da reclusão do criminoso, como forma de
se mostrar que o crime não compensa.
Impende
lembrar, em reforço do acerto da prisão em segunda instância, que é exatamente
até essa fase que o denunciado dispõe do importantíssimo direito de contestar
os fatos objeto do seu julgamento, que tem por base os elementos de prova,
coligidos por meio das investigações, perícias e demais apurações sobre as
suspeitas da prática de irregularidades, que constituem a materialidade acerca da
autoria do crime ou dos crimes, conforme o caso, os quais são apreciados pelo
juiz da primeira instância, que tem o dever constitucional de conceder ao réu o
consagrado direito de se defender, por meio da contestação, no âmbito da ampla
defesa e do contraditório, sobre os fatos consistentes na comprovação da
denúncia.
Depois
dessa importantíssima fase, com a juntada aos autos das peças de contraprova e
os termos das testemunhas ouvidas, com o processo concluído, o juiz da primeira
instância está apto a julgar o caso e a proferir o seu veredicto sobre a ação
de que se trata.
A
outra fase, também de suma importância, se processa na segunda instância, onde
ocorre a apelação do apenado, com a apresentação de novo recurso sobre os fatos
objeto da sentença prolatada na primeira instância, que será julgado por órgão colegiado,
normalmente composto por três desembargadores, que têm a incumbência de
examinar os autos, revisar as conclusões da primeira instância, baixar os autos
em diligência, para complementação, esclarecimentos ou outras medidas
saneadoras, conforme a necessidade do seu pronunciamento definitivo sobre a
existência ou não de culpabilidade, cujo veredicto é considerado legalmente definitivo
sobre o caso, salvo se surgirem fatos novos ainda não apresentados pelo réu.
Tudo
isso para se afirmar que a Constituição e o Código Penal conferem à Justiça de
primeira e segunda instâncias a primazia de dizerem, com base no ordenamento
jurídico do país, se os elementos constantes dos autos constituem base sólida e
robusta para a formação da convicção dos magistrados sobre a culpabilidade ou
não quanto à autoria do crime ou dos crimes arrolados nos autos.
Daí
a quase certeza da segurança da prisão depois da segunda instância, diante do
esgotamento nela da apreciação dos fatos denunciados e das provas apresentadas
pela defesa, levando-se em conta a gigantesca improbabilidade da absolvição do
condenado, à luz dos fatos julgados, conforme assegura resultado de pesquisa
realizada, tempos atrás, pela Coordenadoria de Gestão da Informação do Superior
Tribunal de Justiça, dando conta de que somente em 0,62% dos recursos
apresentados traduziram na reforma das decisões da segunda instância, para
reconhecer a absolvição do condenado, tendo como supedâneo falhas e
inconsistências processuais, ou seja, erros judiciais.
Ultrapassada
as fases exclusivas, próprias e importantes das provas e dos recursos de
defesa, nas primeira e segunda instâncias, caso mantida e confirmada a
condenação do réu, resta a ele se dirigir, se quiser, ao Superior Tribunal de
Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, para, no primeiro, arguir a existência
de possível falha processual, indicando a inconsistência dos procedimentos
adotados nos autos, na tentativa da anulação das sentenças proferidas nas
citadas instâncias.
Vencido
na aludida instância, considerada a terceira, o condenado ainda pode recorrer à
quarta e última instância, o Supremo, mas apenas na tentativa de demonstrar a
inconstitucionalidade das medidas adotadas também nas duas instâncias iniciais,
tudo o mais sem que haja a menor possibilidade de modificação das sentenças
condenatórias firmadas quanto à culpabilidade do réu, que somente poderiam ser
alteradas para declarar a inocência do réu no caso do surgimento de novas
provas contrárias aos fatos já julgados.
Ou
seja, o reconhecimento de falhas processuais e inconsistência legal podem
recorrer para anular o processo, conforme as circunstâncias, mas a
culpabilidade sobre a autoria dos crimes permanece intocável, salvo se fatos
remanescentes aos já apreciados pela Justiça venham aos autos, que estariam sob
a luz do princípio segundo o qual ninguém será considerado culpado antes do
trânsito em julgado.
Diante
do exposto, parece ficar bastante evidente que a prisão na segunda instância
melhor atende ao bom senso e à racionalidade, sob o prisma da consistência
jurídica, porquanto os fatos denunciados à Justiça já passaram pelo devido e
indispensável destrinche, sem necessidade de passar pelo crivo de qualquer
outra instância da Justiça, quanto às investigações inerentes ao caso em
julgamento, para a busca de provas sobre a materialidade da autoria do crime
alegado nos autos, e à apresentação das contraprovas, por meio da ampla defesa
e do contraditório, tudo em consonância com o ordenamento jurídico aplicável à
espécie.
Poder-se-ia
até se alegar que um inocente pode ser preso, por falta de provas, sob o
argumento da imperfeição da Justiça, mas essa forma de argumento se torna quase
impossível, diante da obrigação funcional de juízes e corpo técnico dos
tribunais de terem o cuidado e o zelo da rigorosa contrasteação dos fatos denunciados com as
provas coligidas e juntadas aos autos, mostrando o liame deles com a
materialidade da sua autoria, a se justificar que dificilmente a confirmação do
julgamento na segunda instância suscitará risco capaz de se permitir que
haveria segurança jurídica somente no trânsito em julgado, fato que melhor se
evidenciaria a falência do Poder Judiciário, por completa incompetência
institucional.
É
evidente que há forte pressão veiculada na mídia sobre o relaxamento da prisão
na segunda instância, para que ela somente ocorra na instância seguinte, no
Superior Tribunal de Justiça, que apenas tem competência institucional para
dizer se houve ou não a devida observância aos parâmetros próprios do trâmite
processual, sem competência para se pronunciar se a pena aplicada é justa ou
compatível com os fatos denunciados.
Isso
demonstra tão somente que se trata de argumento com viés absolutamente
protelatório, para beneficiar o condenado, por meio dos infinitos recursos
legalmente cabíveis, na terceira instância, com farta capacidade para empurrar
os autos à prescrição, à impossibilidade do seu trânsito em julgado e ao
consequente prêmio da eterna impunidade aos criminosos de colarinho branco, que
têm dinheiro suficiente, normalmente fruto de crime, para sustentar as
caríssimas bancas de competentes advogados.
Está
mais do que provado que o Supremo Tribunal Federal, à luz do disposto no inciso
LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura que ninguém pode ser
declarado culpado antes do trânsito em julgado, por ser princípio humanitário
que possibilita amplas defesas sobre o caso demandado, não precisa ceder às
pressões sobre a prisão na segunda instância, eis que o fato de alguém ser
considerado culpado, em grau final, não impede que ele não possa ser preso,
diante da cristalina indissociabilidade de uma situação com a outra, quanto à
falta de previsão constitucional ou legal nesse sentido.
É
importante que se privilegie o princípio insculpido no dispositivo supracitado,
sem prejuízo do imperioso combate aos crimes contra a administração pública e a
sociedade e à impunidade, de modo que seja mantido o importante entendimento do
Supremo Tribunal Federal, quanto à observância da obrigatoriedade da prisão na
segunda instância, como forma de se assegurar a segurança jurídica e a certeza
de que o crime não compensa, no Brasil. Acorda, Brasil!
ANTONIO
ADALMIR FERNANDES
Brasília,
em 11 de maio de 2018
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