quarta-feira, 30 de maio de 2018

Sacrifício jogado no ralo


Um desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região acolheu recurso e devolveu ao ex-presidente da República petista os benefícios referentes a assessores, motoristas, seguranças e carro oficial, que tinham sido suspensos por um juiz da 6.ª Vara Federal de Campinas, em ações impetradas à Justiça pelos “Movimento Brasil Livre” e “NasRuas”.
O magistrado entendeu que “simples leitura dos dispositivos mencionados evidencia que aos ex-presidentes da República são conferidos direitos e prerrogativas (e não benesses) decorrentes do exercício do mais alto cargo da República e que não encontram nenhuma limitação legal, o que obsta o seu afastamento pelo Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes, eis que haveria evidente invasão da competência legislativa”.
Ele ressaltou que “Ademais, os atos normativos explicitados garantem aos ex-presidentes não apenas a segurança pessoal, como também o apoio pessoal e a segurança patrimonial, de maneira que os servidores de sua confiança são necessários para a manutenção de sua dignidade e subsistência (fornecimento de medicamentos, roupas e outros aspectos pessoais), assim como do patrimônio cultural do país, a teor do artigo 2º do Decreto nº 4.344/2002”, quase dando a entender que os referidos servidores fazem o trabalho de babá do político preso, por cuidarem do cuidarem da atenção com relação ao fornecimento a ele de objetos pessoais.
O magistrado entendeu que “os dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas, servem de instrumento material para a consecução dessas finalidades pelos servidores”.
O desembargador também disse que “Não há, destarte, que se falar em desvio de finalidade do ato administrativo, assim como não se sustenta o argumento de custo desnecessário ao erário. Igualmente, a privação provisória da liberdade do recorrente não é fundamento para afastar direitos e prerrogativas consagradas em lei a todos os ex-presidentes da República, conforme fundamentação explicitada”.
O magistrado concluiu, afirmando ser “certo que o direito de utilizar os serviços decorre da condição de ex-presidente. Para o titular do direito cabe escolher a melhor forma, desde que lícita. A interpretação da lei, por fim, não pode estar sujeita às variações do ambiente político conjuntural, sob pena de se comprometer o Estado de Direito”.
A defesa do político afirmou que “O Tribunal Regional Federal da 3ª Região atendeu ao pedido formulado pelos advogados do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e restabeleceu todos os seus direitos e prerrogativas previstos na Lei no. 7.474/86, dentre eles o de receber assessoria de 6 agentes do Estado, como todos os ex-Presidentes da República. (...).”.
Certamente que, em tese, assiste inteira razão ao abalizado entendimento do desembargador, que houve por bem suspender decisão de um juiz, que suspendeu as prerrogativas presidenciais concedidas ao ex-presidente da República petista, visto que seu ato foi proferido à luz da legislação que concede o questionado direito, que não faz qualquer menção a possíveis ressalvas, como no caso da privação de liberdade de ex-presidente, a demonstrar, à vista do bom senso e da razoabilidade, que é humanamente impossível que alguém trancafiado brigue na Justiça para manter sob o seu domínio, em notória e indiscutível ociosidade, assessores e veículos, às custas, certamente onerosas, dos bestas dos contribuintes, possivelmente pelo zelo pessoal de demonstrar autoridade de ex-presidente do país, que evidentemente se encontra preservada, como também permanecem intatas aquelas regalias, embora elas não, por óbvio, não podem ser usufruídas.
À toda evidência, aquelas prerrogativas presidenciais têm altíssimo preço, certamente para nenhuma utilidade, porque quem se encontra preso já tem os cuidados devidos ao encarceramento, jamais precisando de veículos, motoristas, assessores e muito menos segurança, porque isso apenas representa jogar o dinheirinho suado dos brasileiros pelo ralo, visto o caso sob o prisma da economicidade, que é uma das essências necessárias na administração pública.
É evidente que a imagem do principal homem público brasileiro, que professa espírito verdadeiramente público, teria sido muito bem vista ao apego à sensibilidade e à sensatez se ele tivesse tido a salutar iniciativa, de moto próprio, pedir para suspender temporariamente, evidentemente enquanto estivesse impedido de usufruí-lo, esse direito presidencial, que é assegurado em lei, a partir desse momento, fato que ficaria patenteada notória demonstração de zelo e responsabilidade perante o patrimônio público, haja vista se tratarem de despesas visivelmente supérfluas para a manutenção de benefícios absolutamente desnecessários, diante da impossibilidade da sua serventia na destinação regulamentar específica.
Na atual situação em que se encontra o beneficiário das questionadas prerrogativas, salvo melhor juízo, não há a menor dúvida de que  as despesas pertinentes precisam ser evitadas, a bem do interesse da sociedade, porque elas têm o significado clássico e cristalino de desperdício de dinheiro público, que exige a sua imediata reversão, a depender da visão moderna e da sensibilidade pública, em benefício social, com o seu emprego em atividade ou projeto de interesse público, mesmo que ele se destine a apenas à compra de seringas, giz ou algo que deixa, em muitas situações, de ser usado em hospitais ou escolas, em razão da escassez de recursos que são gastos de forma visivelmente abusiva e desnecessária, como nesse caso.
Sob o prisma da austeridade e do interesse público, como justificar para os brasileiros a defesa de prerrogativas presidenciais, mesmo sabendo que elas não fazem o menor sentido no momento ou, em especial, enquanto perdurar a privação de liberdade do beneficiário, uma vez que isso apenas demonstra absoluta falta de sensibilidade pública e desleixo em relação à obrigatoriedade de se evitar desperdício de dinheiro público?

Ademais, impende se observar que, mesmo em situação de normalidade, as despesas com as referidas prerrogativas são absolutamente questionáveis, diante do princípio da legitimidade que precisa existir quanto ao atendimento do interesse público, haja vista que se trata de emprego de recursos públicos sem retorno ou satisfação da sociedade, eis que os ex-presidentes da República não prestam qualquer serviço ou atividade vinculado à administração pública, sabendo-se, conforme disse o desembargador, que os assessores de que se tratam prestam serviços pessoais ao seu senhor, evidentemente sem nenhum benefício para o interesse público, que seria natural, em termos de gastos públicos.
É de se lamentar que, diante da evolução da espécie, em termos da modernidade imposta pela própria humanidade. ainda falte ao homem público o mínimo de sensibilidade cívica, capaz de compreender e enxergar que deveria valer a pena o enorme sacrifício da sociedade para a realização de seus anseios, no que se refere às finalidades intrínsecas das atividades públicas, que devem circunscrever exclusivamente no âmbito do interesse público, permitindo-se a condenação dos abusos e dos sentimentos alheios a esses propósitos de satisfação da sociedade, atentos aos saudáveis princípios da legalidade, transparência, economicidade, entre outros que precisam imperar em benefício do bem comum. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 30 de maio de 2018

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