sexta-feira, 11 de setembro de 2020

A politização da doença?

 

Atendendo à pressão dos chamados políticos ultraortodoxos, que têm maioria no governo, o primeiro-ministro de Israel decidiu relaxar o plano de lockdown em 40 cidades israelenses classificadas com o vermelho, indicativo de alta taxa de infecção pelo novo coronavírus.

Antes considerado país exemplo na condução do combate à pandemia, Israel passou rapidinho para a outra extremidade, com o crescimento vertiginoso dos casos de pessoas infectadas, fazendo com que o governo aceitasse a cruel realidade do ressurgimento do vírus.

Os israelenses testemunharam a onda incontrolável dos casos, em constrangedora cifra de 3 mil por dia, fato que registrou que Israel foi o país líder em infecções per capita, com a contabilização de 199 doentes para cada milhão de pessoas, conforme acompanhamento da Universidade Johns Hopkins.

O editorial, em forma de manchete, do jornal Jerusalem Post escreveu a seguinte frase: É incrível pensar como Israel deixou de ser o país que todos no mundo olhavam como modelo para um país que todos agora olham como um exemplo do que não se deve fazer”.

Na verdade, os críticos ao governo responsabilizam a politização da doença, quando a rígida e prudencial quarentena social deu lugar à rápida reabertura da economia, exatamente depois que o premiê israelense declarou antecipadamente a vitória sobre o vírus, graças à pouca incidência por motivo das medidas de isolamento.

As rígidas restrições foram suspensas com avidez em comércio, bares, restaurantes, escolas, clubes e transportes públicos, permitindo-se a abolição do uso de máscara e à volta à normalidade de casamentos, grandes reuniões e cultos em templos religiosos, que imediatamente  voltaram a acontecer como se, em passe de mágica, de uma hora para a outra, nada tivesse acontecido de tão grave e ainda tivesse a garantia da inexistência de ameaças do vírus.

Não obstante, toda essa euforia era apenas a senha para a segunda onda da pandemia, que o governo claramente não soube como conter, tendo ele mergulhado em crise, ante à realidade da economia combalida e à quantidade enorme de desempregados.

Na tentativa de conter os ânimos e o agravamento da doença causada pelo coronavírus, o premiê israelense decidiu nomear o czar do coronavírus, que precisará ser bastante rigoroso para controlar a grave situação, embora os planos para o aplacamento da sanha do vírus ainda resistam aos interesses políticos, que se colocam acima do sentimento humanitário.

A situação de Israel se confunde com o que vem acontecendo no Brasil, em que há a guerra entre políticos, a exemplo da acusação dos prefeitos ultraortodoxos de lá, quanto à acusação de que o premiê tenta interferir e pisar em suas comunidades, transformando-as em “vetores de doenças e inimigos do povo”.

A insatisfação política chegou ao ponto de os prefeitos israelenses ameaçarem deixar de cooperar com o governo, perdendo de vista o sentimento humanitário, que deveria ser o principal foco de todos, porque é este que deve prevalecer e não aquele, quando todos devem se irmanarem para, em perfeita união, combaterem o mal do século.

Nessa questão, um parlamentar israelense lembrou, a propósito de o premiê responder  processo referente à corrupção no governo, que “O negócio é simples. Bibi (apelido do premiê) está dando aos ultraortodoxos tudo que eles querem e, em resposta, eles o tiram da prisão. As necessidades legais do réu criminal superam qualquer coisa. Estamos todos reféns. Netanyahu não tem medo de Deus, mas dos representantes de Deus no Parlamento”.

A situação concreta experimentada por Israel tem importante paralelo com o caso brasileiro, em que o presidente da República, na base exclusivamente no grito, sem nenhum estudo ou experimentação sobre a segurança das medidas necessárias à liberação do isolamento social, insiste e pressiona os governadores e prefeitos, no sentido de que se decretem a liberação de todas as atividades, sem qualquer parâmetro, como fez aquele país, que pagou bem caro com a sua precipitada atitude libertária.

Não há a menor dúvida de que se traduz em enorme irresponsabilidade o governante ficar insistindo em tese pessoal, com base no seu ingênuo e empírico achismo, para aconselhar o que as outras autoridades devam fazer, quando o correto, sensato e normal, em termos de administração competente e eficiente, é a adoção de medida governamental sobre qualquer ato que envolva a vida humana ter por base estudos técnico-especializados, que tenham condições de respaldar a correção dos procedimentos pertinentes.

No caso brasileiro em discussão do isolamento social, o governo, se tivesse o mínimo de interesse, inteligência e competência, já teria em mãos resultado de estudos com informações completas sobre os casos cabíveis da liberação de quais atividades, inclusive econômicas, de modo que as situações analisadas servissem não somente para a normalização sobre os casos potencialmente existentes, mas a sua fonte garantiria o respaldo necessário sobre a conveniência e a melhor maneira de fazê-la com absoluta segurança.

À toda evidência, qualquer governo com o mínimo de responsabilidade administrativa, em especial quanto à preservação de vidas humanas, precisa deixar muito claro que o combate à pandemia é realmente prioridade da gestão central, que tem a incumbência constitucional da execução das políticas de saúde pública, de modo que as suas liderança e coordenação sobre as atividades pertinentes possam refletir exatamente na absoluta certeza de que as medidas adotadas devem ter por orientação parâmetros e diretrizes seguros, em benefício da população.

Cada vez mais fica patente que as incompetências administrativa e gerencial têm prevalecido em detrimento dos interesses da sociedade, que poderia ser beneficiada por meio de ações efetivas e construtivas do bem se a iniciativa proativa e proveitosa pudesse ter influência nos palácios governamentais, como nesse caso do combate ao novo coronavírus, onde os estudos técnicos de alto nível sobre a matéria em geral certamente teriam contribuído para o salvamento de muitas vidas.

É mais do que notório de que as normas especializadas sobre determinada situação, tendo por finalidade a orientação precisa aos governos e à sociedade, podem contribuir enormemente para o saneamento das questões, dando a certeza de que, se algo aconteceu diferente do desejado, não foi por falta da melhor instrução de como proceder sobre o assunto.

É pena que o governo brasileira tenha eleito o caminho das trevas para se orientar nessa grave crise causada pela pandemia do novo coronavírus, à vista de tantas mortes que certamente teriam sido evitadas se ele tivesse tido a vocação primacial de cuidar do caso com a devida responsabilidade atribuída a quem recebe sublime atribuição de zelar por vidas humanas, em que se exige o máximo em todas às medidas circunstanciadas com a questão.

Não que o governo brasileiro tenha lavado as mãos perante os graves problemas pertinentes ao combate à pandemia, mas a negligência em alguns casos capitais, como, por exemplo, a falta do especialista da área de medicina para cuidar da pasta da Saúde, a inexistência de normas apropriadas para a orientação ao próprio governo e à sociedade, a proposital ironia à seriedade e à gravidade do caso em si, dão o verdadeiro tom do descaso monumental do governo nesse lamentável episódio que tantos prejuízos vêm causando à humanidade.

O péssimo exemplo de Israel, como relatado acima, de politizar as ações de combate à pandemia do novo coronavírus, só demonstra a pequenez e a imaturidade dos governantes que imaginam que podem tudo, inclusive interferir em questão que precisa ser tratada com bom senso, sensibilidade, responsabilidade e especialmente racionalidade, sob os cuidados de quem tem competência para o manejo das técnicas apropriadas ao caso.      

Urge que os governantes tenham a dignidade, mais elevada possível, de se comprometerem com a integridade da vida humana, no que se refere ao efetivo combate à crise causada pela terrível pandemia do novo coronavírus, com embargo de seus projetos políticos, que, diferentemente desse caso, eles podem perfeitamente ser executados em outro momento mais oportuno das atividades políticas.

Brasília, em 11 de setembro de 2020  

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