quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Esperteza política?

 

Com absoluta certeza, somente os melhores videntes, com poderes mágicos, como aqueles que têm a famosa esfera de cristal, podem prevê o porvir.

Refiro-me aqui ao caso espetacular do então juiz responsável pela competente e eficiente Operação Lava-Jato, quando ele tinha a reputação do principal e mais bem-sucedido magistrado do Brasil, que ficou famoso justamente por suas decisões na esteira do mais implacável combatente aos esquemas endêmicos e sistêmicos de corrupção instituídos por governos aproveitadores do dinheiro público.

Nesse contexto, se ele tivesse o poder ver pela bola de cristal, para se avaliar o que o futura lhe reservaria, certamente que ele jamais teria renunciado ao relevante cargo de juiz, que foi alcançado por meio de muito esforço em concurso público de provas e provas de títulos, deixando à margem gloriosa e firme carreira de sucesso, com mais de vinte anos de efetividade de trabalho, inclusive o que foi realizado à frente da Operação Lava-Jato, montada e estruturada à sua feição, para combater a criminalidade de colarinho branco, que jamais havia sido incomodada no Brasil.

Na verdade, a sua ambição parecia ser bem maior do que o belo trabalho que ele vinha realizando na Lava-Jato, quando preferiu se juntar ao projeto político do candidato eleito à Presidência da República, acreditando nos fajutos e mentirosos compromissos de plenos poderes para ele estabelecer e consolidar projetos capazes de assegurar condições de assepsia definitiva da corrupção no Brasil.

O ex-juiz da Lava-Jato, talvez por imaturidade e ingenuidade políticas, não tivesse a mínima ideia de que estivesse dando gigantesco passo em arreia movediça, exatamente por desconhecer as artimanhas e os arcabouços existentes no túnel escuro e estreito da desmoralizada vida política brasileira.

Caso ele tivesse, ao menos, alguma noção do perigo do campo minado que precisaria ultrapassar para tentar fazer o trabalho que imaginava, de aprovar medidas visando ao combate à corrupção e à impunidade, certamente que ele teria resolvido se acomodar, bem quietinho, no lugar que vinha lhe rendendo muitos louros e dividendos na vida de juiz absolutamente bem sucedido na carreira do magistério.

Na operação Lava-Jato, ele tinha poder para decidir soberanamente, julgar e condenar na forma da lei penal, poderosas autoridades e figuras importantes da República e do mundo empresaria, em razão da roubalheira protagonizada junto aos cofres públicos, em condições de colocar na prisão quem sempre se beneficiava da impunidade, inclusive aproveitadores que usufruíam de regalias como as do foro privilegiado que funcionava como forma de blindá-los.

O certo é que o ex-juiz, na qualidade de ministro da Justiça e Segurança Pública teve atuação discreta, sem luz, tendo atravessado seu curto mandato como estrela de primeira grandeza, antes de entrar nele, completamente apagada, por não ter realizado nada em forma de combate à criminalidade, salvo alguns inexpressivos atos próprios de perfumaria, ficando bem distante da expectativa de alçar voo às alturas, em termos de combate à criminalidade, em especial no que diz respeito à sua área de especialização contra a corrupção e a impunidade,

Com isso, é fácil se perceber que o juiz da Lava-Jato não passou de verdadeiro ingênuo, um inocente, que teria sido seduzido pelo canto da sereia, entoado pela esperteza política que muito entende de marketing publicitário, que teria sido, possivelmente eleito prometendo ser severo e duro contra a corrupção que destroçou a saúde econômica da Petrobras.

Na verdade, o presidente do país investiu pesado e de maneira esperta em pessoas conhecidas da sociedade, com a credibilidade do então juiz da Lava-Jato, que gozava do maior conceito das pessoas honradas, na certeza de que elas funcionariam como poderoso apoio na impressionante campanha do novo paladino que salvaria o Brasil da destruição moral, ou seja, o seu governo seria capaz de “consertar” as sujeiras do país, mas o resultado dos investimentos que pareciam pesados se resume em monstruosa tentativa de encerramento das atividades da Lava-Jato, que seria certamente de grande valia para governo que não moveu uma pena sequer em apoio à sobrevivência do único órgão da Justiça que se esforça em atuar contra a criminalidade.

Enquanto ministro da Justiça, o ex-juiz da Lava-Jato se sentiu todo tempo desprestigiado, por ter se metido em tenebrosa desventura que não se achava sequer arremedo do era antes, exatamente por não ter autonomia para decidir sem o aval do presidente, que também se transformou completamente em desinteressado do seu importante projeto contra a corrupção que ele tanto demonstrava odiar, tanto que ela foi uma das suas maiores metas, ao lado do armamento, na campanha eleitoral.

O ex-juiz se mostrava, no governo, cada vez mais comprimido entre velhas raposas políticas, habilidosas no exercício do seu costumeiro jogo da manutenção dos antigos privilégios e prerrogativas próprios do poder, no caso, os parlamentares, sob a vigilância Judiciário que não os julga, à vista das investigações remanescentes da Operação Lava-Jato, que quase ninguém foi julgado, em que pese já terem decorridos mais de cinco anos que elas surgiram, em declarada e assombrosa proteção aos criminosos de colarinho branco.

Todo esse horroroso quadro de desinteresse e de afastamento das maravilhosas metas de sufocamento dos sistemas de corrupção ficou muito claro que a participação do ex-juiz da Operação Lava-Jato no governo não passaria de algo sem sentido, diante da inutilidade e do desprezo do bonito idealismo centrado no inarredável combate à corrupção e à impunidade, sob o sentimento de que o poder político da elite é muito mais resistente e indestrutível, a ponto de ser possível se resumir em nada importantes projetos arquitetados com aquela linda finalidade.

Por fim, a morte prematura e criminosa do ideal de moralização da administração pública não se deu com o afastamento definitivo do ex-juiz da Operação Lava-Jato do governo, porque ele já não atuava nesse sentido, diante da falta de autonomia político-administrativa, mas sim com a aproximação do presidente da República ao famigerado Centrão, cujo grupo tem como fundamento ideológico o espúrio fisiologismo, à base do toma lá dá cá, com a troca de cargos públicos e emendas parlamentares por apoio aos projetos do governo no Congresso Nacional, algo apenas comparável às práticas políticas adotadas nas piores republiquetas, onde ainda prevalece a pouca-vergonha no seio dos homens públicos.

Ante o exposto, pode-se concluir que a falta da aprovação de medidas referentes ao efetivo combate à corrupção e à impunidade, como forma de proporcionar a indispensável moralização da administração do Brasil precisa ser atribuída exclusivamente ao presidente da República, que pode até se vangloriar de não haver casos de irregularidades no seu governo, mas de efetividade nada conseguiu fazer para instrumentá-lo para a eliminação desse câncer que tanto prejudica os orçamentos públicos e a população, diante do desvio de recursos que não poderiam se destinar a projetos ou atividades de interesse público.

          Brasília, em 17 de setembro de 2020  

Nenhum comentário:

Postar um comentário