Grupo de
militantes contrários ao governo colocou placa em frente ao Palácio do
Planalto, sede do governo brasileiro, com a inscrição, ipsis litteris: “Presidente
Jair Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle Bolsonaro, recebeu 89 mil reais em
depósitos de Fabrício Queiroz?”.
Essa mesma
indagação motivou o presidente da República a se irritar e ameaçar o repórter
do jornal O Globo, chamando outro profissional da imprensa de “otário”,
dias depois, demonstrando completo descontrole emocional diante de situação interpretada
como sendo absolutamente fora dos padrões da normalidade, nas circunstâncias.
Os militantes também
seguravam cartazes com a mesma pergunta e colocaram a placa perto da grade da
sede da Presidência da República, mas a segurança pediu que eles se afastassem
e ficassem na Praça dos Três Poderes.
Acontece que,
após ser perguntado sobre os cheques depositados na conta da primeira-dama, no
período de 2011 a 2016, o presidente teria prometido revidar o reporte, quando fez
a seguinte afirmação: “Eu vou encher a boca desse cara na porrada”.
Na sequência, ele
acrescentou: “Estou com vontade de encher a tua boca na porrada, tá?”,
fato este que gerou, em pouco empo, enxurrada de mensagens nas redes sociais,
repetindo a pergunta e marcando o perfil do mandatário.
No dia
seguinte, em um evento no Palácio do Planalto, o presidente voltou a atacar a
imprensa, usando o termo inapropriado de “bundões” para se referir aos
jornalistas, afirmando que eles não resistiam ao impacto do Covid-19.
Em cerimônia em
Minas Gerais, o presidente novamente se recusou a responder à pergunta
referente aos R$ 89 mil depositados na conta da sua mulher, precisamente por
ex-assessor da família dele.
Nesta mesma cerimônia, o presidente foi novamente
questionado sobre os depósitos na conta da esposa e, mais uma
vez, demonstrou insatisfação com a pergunta, tendo esboçado a costumeira estupidez
ao responder ao repórter, in verbis: “Com todo o respeito, não tem uma
pergunta decente para fazer? Pelo amor de Deus”.
É bem provável
que o presidente se mostre incomodado porque o referido ex-assessor é apontado
pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como operador de suposto esquema de
rachadinha no gabinete de um dos filhos dele.
Em reportagem publicada
pela revista Crusoé, foi mostrada a quebra do sigilo bancário do citado ex-assessor,
em cujos extratos bancários constam depósitos na conta da mulher do presidente,
no valor total de R$ 72 mil, nos anos de 2011 a 2016.
Por sua vez, o
jornal Folha de S.Paulo informou ainda que a mulher do ex-assessor repassou o
valor de outros R$ 17 mil para a primeira-dama, em 2011, totalizando a quantia
de R$ 89 mil, que tanto aborrece e intranquiliza o presidente do país.
Ainda no fim
de 2018, depois de o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)
apontar repasse feito pelo mesmo ex-assessor para a primeira-dama, no valor de
R$ 24 mil, o presidente informou que era parte do pagamento de empréstimo de R$
40 mil que ele havia feito para o ex-assessor e que foi depositada na conta da
primeira-dama, sob a justificativa de que ele não tinha tempo de ir ao banco.
É bem provável
que o principal motivo da indignação do presidente seja pertinente à necessidade
de encontrar esclarecimento plausível para o valor que superou o dobro do
dinheiro emprestado, sabendo ele que essa primeira argumentação já não tem
tanta plausibilidade, exatamente diante da falta de registros pertinentes junto
ao Fisco ou documento probante do empréstimo, na forma, por exemplo, de contrato,
de modo a respaldar a lisura da operação entre amigos, o que é normal.
A impressão que
se tem é a de que nada poderia resultar em aborrecimento se o imbróglio em
apreço tivesse ocorrido absolutamente na conformidade da legalidade, onde se
lavram em documento apropriado os termos do negócio, dizendo o objeto da operação
e o valor envolvido, se R$ 40 mil ou R$ 89 mil, inclusive a forma do pagamento,
com ou sem juros, o período e demais informações relacionadas com a transação.
Essa a
formalidade precisa, em termos jurídicos, além da obrigatoriedade da devida informação
à Receita Federal, justamente para se dizer que alguém recebeu determinado valor,
por empréstimo, e se compromete a quitá-lo nas condições quais e tais, indicadas
por meio das formalidades combinadas pelas partes.
Na certeza de
que o negocio teria sido em estrita sintonia com o empréstimo revestido de
regularidade, jamais o presidente do país precisaria entrar em desespero, em
tremendo sufoco quando ele é questionado sobre o assunto, que apenas, de maneira
educada, civilizada e exemplar, diria que houve uma operação normal entre dois
amigos, conforme comprovam os documentos que ele poderia apresentar a quem se
interessasse.
Normalmente,
essa formalidade de correção e precisão demonstra como o homem pública deve
agir, o que se evitaria tamanho constrangimento de precisar ficar envergonhado e
extremamente aborrecido em público, fato que não condiz com o comportamento de
homem público, diante de mera indagação sobre a origem de dinheiro recebido de
pessoa que tem a reputação sendo investigada pelo Ministério Público, fato este
que somente tende a afetar a dignidade de autoridade da República, que precisa
preservar a imaculabilidade da sua conduta.
Na verdade, a pergunta estava revestia da maior
decência, mas a reposta tem todo aparato de indecência e indelicadeza, em se
tratando que o presidente do país tem a obrigação legal e moral para esclarecer
fatos que condizem com a lisura do homem público, que diz com a necessidade da prestação
de contas à sociedade sobre os seus atos como representante do povo.
O certo é que,
neste caso, a imprensa apenas procurou cumprir o seu importante papel de bem
informar os fatos do dia a dia à sociedade, enquanto a autoridade máxima do
país, em demonstração de extremo desespero e desconforto, fica devendo esclarecimentos
à nação sobre recebimento de dinheiro que ele não teve como comprovar a
licitude da sua origem.
No Estado
Democrático de Direito, é obrigação dos homens públicos tratarem os cidadãos com
urbanidade e prestarem, de maneira educação e cortês, as informações pertinentes
às suas atividades na vida pública, principalmente quando há o envolvimento de
dinheiro, que precisa ser evidenciada a sua origem, posto que, do contrário, a
dúvida somente contribui para elevar o grau da desconfiança sobre o ato alvo de
questionamento, fato este que não condiz com os princípios republicanos.
A dúvida sobre
a origem do dinheiro em apreço constitui foto vexaminoso que tem o condão de suscitar
o sentimento de que não é bom que o homem público se esquive de explicar a normalmente
de seus atos no exercício de cargo público eletivo, porque isso apenas
representa maneira incivilizada e não cidadã de prestação de contas à sociedade,
preferindo ainda, ao contrário, a compreensão segundo a qual é saudável tentar encher
a boca do semelhante de pancada, como se isso fosse a solução natural para
resolver o terrível e injustificável incômodo de consciência.
Brasília,
em 17 de setembro de 2020
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