quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Discurso mentiroso?

 

O presidente brasileiro disse, em discurso na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),  que “é vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal".

Dados confiáveis mostram que o Pantanal registra o maior índice de queimadas desde 1998, quando os incêndios passaram a ser medidos, e a Amazônia volta a se aproximar dos recordes de destruição ocorridos no ano passado.

O argumento do presidente é o mesmo que tem sido ecoado pela base militar que ocupa o Palácio do Planalto e que é alardeado pelo Ministério da Agricultura e pelo próprio Meio Ambiente, de que “países incomodados com a competitividade do agronegócio brasileiro querem prejudicar a imagem do Brasil.”.

O presidente do país disse que "os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação", esquecendo ele que programas que existiam para combater os incêndios foram eliminados pelo governo, mas, para tanto, não foi apresentada a devida justificativa.

Organizações ambientais, ambientalistas e políticos criticaram, com muita veemência, o discurso pronunciado pelo presidente da República, por acharem que os fatos são bastantes distorcidos da realidade.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal, sem citar diretamente o presidente brasileiro, disse que o combate ao desmatamento não é escolha política, mas sim dever constitucional, assumido pelo país em acordos internacionais.

A coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil afirmou que presidente do país agrava a situação enfrentada pelo Brasil, ao tentar minimizar o drama ambiental, piorando ainda mais a imagem do país no exterior.

Ela disse que, "Ao invés de negar a realidade, em meio à destruição recorde dos biomas brasileiros, o governo deveria cumprir seus deveres constitucionais em prol da proteção ambiental e apresentar um plano eficiente para enfrentar os incêndios que consomem o Brasil".

A diretora de Sociedade Engajada do WWF-Brasil disse que o discurso do presidente foi cheio de "acusações infundadas e ilações sem base científica", afirmando ainda que a postura dele não é condizente com o papel de chefe de Estado.

A citada diretora disse que "Como um roteiro de ficção, o discurso uniu palavras-chave das Nações Unidas com descrições de um Brasil que não existiu em 2020, em completo negacionismo da realidade do país e desconsiderando a urgência e seriedade dos desafios globais que o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez, descreveu em sua fala.".

A diretora executiva da Oxfam Brasil lembrou que o presidente fez “uso de dados distorcidos sobre o meio ambiente. O governo atual se especializou em disseminar a 'pós-verdade' para eximir-se da responsabilidade pelos graves problemas que o país enfrenta. E isso em nada contribui para que tenhamos as soluções necessárias.".

Alguns políticos questionaram a veracidade de pontos levantados pelo presidente do país, como o valor do auxílio emergencial, como no caso de um senador da oposição, que indagou: "Alguém sabe me dizer qual o brasileiro que recebeu esse auxílio emergencial de US$ 1.000,00 que Bolsonaro falou na ONU?".

O líder da oposição na Câmara dos Deputados chamou o presidente do país de mentiroso, tendo afirmado que "Bolsonaro foi à Assembleia-Geral da ONU para mentir. Será demolido pela imprensa internacional e brasileira.".

Em que pesem as muitas manifestações reprovando o conteúdo do discurso em tela, o líder do governo na Câmara assistiu ao discurso junto ao presidente e aproveitou para parabenizá-lo e patentear: "Discurso impecável do presidente, esclarecendo posições de governo com ênfase no meio ambiente".

De acordo com levantamentos, o Brasil está entre os maiores emissores de gases do efeito estufa, não em decorrência do desenvolvimento socioeconômico, do progresso, da industrialização ou do consumo desordenado, mas em razão de gases oriundas de atividades criminosas de incêndios, por força, em especial, de desmatamento, extração ilegal de madeira e grilagem de terras.

Esses fatos são evidenciados de maneira objetiva e consensual, por que documentados e comprovados, estatisticamente.

É preciso que o governo seja humilde para se conscientizar sobre a urgente necessidade de não ficar batendo na mesma tecla de que tem sido vítima do sistema e, de logo, enfrentar a realidade sobre os fatos, com vistas ao diagnóstico preciso e correto sobre a crise relacionada com os infindáveis incêndios, evitado imaginar que não é nada do que dizem, enquanto a floresta é transformada em montanhas de cinzas, que não tem nenhuma serventia para o homem.

Na realidade, o governo, por força da sua incumbência institucional, precisa atuar exclusivamente no sentido da preservação da floresta e isso se promove, com competência, eficiência e responsabilidade por meio e esforços conjuntos, onde deva prevalecer a boa vontade, a compreensão e principalmente a conscientização sobre a gravidade do problema, que cada vez mais se agigante e não adiante tentar combatê-lo por meio desse “blábláblá” de pouca ação e muita contradição, onde o governo se coloca como vítima, com a afirmação nada aproveitável de que ele “é vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.”.

Essa descomunal e ingênua alegação do presidente é apenas prova da gigantesca incompetência governamental, porque desinformação se combate com ação efetiva sobre os fatos em questão, que tem a capacidade de contrapô-la com elementos plausíveis e nada disso foi apresentado como álibi do governo, que permanece mergulhado na eterna dificuldade para combater os incêndios, adotar medidas preventivas, apurar os crimes contra a natureza e punir os envolvidos na destruição do ecossistema brasileiro.

O governo com o mínimo de competência não precisaria de muito esforço para comprovar os fatos verdadeiros, bastando apenas indicar a evolução dos incêndios no decorrer dos anos, ou seja, nos também nos governos anteriores, e, de igual modo, as medidas adotadas no combate deles, inclusive os gastos realizados, de maneira tal que não restassem quaisquer dúvidas sobre as centelhas de desconfiança e muito menos de descrédito sobre possível omissão do governo.

Agora, há o consenso de que não tem o menor cabimento que o presidente da República seja ridicularizado perante a opinião pública, sendo considerado mentiroso, por usar “dados distorcidos sobre o meio ambiente” e “disseminar a 'pós-verdade' para eximir-se da responsabilidade pelos graves problemas que o país enfrenta.”, porque essa não é a postura condizente com a dignidade do cargo do mandatário da nação.

Os brasileiros esperam que o presidente da República se conscientize de que a sua postura de acusações precisa ser transformada, com urgência, em medidas efetivas de combate aos incêndios, por meio de políticas de investimentos maciços e prioritários que consistam na investigação dos fatos criminosos, na identificação dos culpados, na adoção de medidas preventivas e, em especial, na multiplicação da vigilância, notadamente nas localidades de maiores incidências dos focos de incêndios.

Brasília, em 24 de setembro de 2020  

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