quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Saúde pública?

 

O presidente da República decidiu efetivar o ministro interino da Saúde como titular da pasta, por entender que ele vem realizando excelente trabalho à frente do ministério.

O agora ministro da Saúde é general do Exército, que vinha exercendo o cargo na condição de interinidade, depois das fracassadas escolhas dos titulares da pasta pelo presidente do país.

A atuação do ministro interino no comando da pasta vinha sendo elogiada de maneira reiterada pelo presidente do país, que dizia reconhecer no subordinado a capacidade de gestão.

Outro assessor palaciano, da cúpula do governo, ressaltou o "excelente trabalho" do ministro interino como motivo para a efetivação.

A condição de o ministro da Saúde ainda estar na ativa das Forças Armadas chegou a ser usada como forma de pressão de parlamentares sobre o presidente da nação para que ele fosse substituído, em razão de ele ser o único militar nesta condição entre os ministros.

Em julho, o general foi pivô de séria crise com um ministro do Supremo Tribunal Federal, que chegou a afirmar que o Exército se associou a um "genocídio", em alusão feita à condução do governo federal frente à epidemia da Covid-19.

É evidente que não se pode afirmar que o Exército seja cúmplice com os atos do ministro da Saúde só porque ele é da ativa dessa força, porque em nada diferenciaria se ele já estivesse na reserva, de vez que as políticas de saúde pública nada têm a ver com a vinculação do ministro senão com o próprio presidente do país.

Agora, é preciso se ressaltar, por ser verdade irrefutável, que certamente em nenhum país do mundo, nem mesmo nas piores republiquetas, um ministro da Saúde não seja pessoa com formação em Medicina, com capacidade à altura para compreender os meandros das questões específicas de saúde pública, em se tratando da crise causada pela pandemia do novo coronavírus, diante da complexidade das situações que exigem conhecimentos para a familiarização, a facilitação e a compreensão sobre os assuntos próprios da área, que precisam da melhor análise para destrinçamento das causas levantadas e a adoção do que for melhor para o seu saneamento.

Prova cabal e definitiva de que esse governo não tem o necessário zelo pela saúde pública, por manter na pasta pessoa sem o devido conhecimento da área, foi a nomeação, ainda como ministro interino, de um servidor veterinário para chefiar a campanha de vacinação de imunização contra o Covid-19, quando o esperado pelos entendidos da questão, por ser o normal, teria sido a indicação de especialista com formação na área sanitária, ou seja, um profissional da medicina sanitária, i.e., sanitarista com experiência em saúde pública.

Certamente que seria brutal injustiça e até mesmo insensibilidade de avaliação se atentar atribuir responsabilidade ao presidente do país por ele não nomear especialista da área para comandar o principal órgão responsável pela execução das políticas voltadas para o combate da pandemia do novo coronavírus, que já dizimou milhares de vidas humanas, quando poderia se imaginar outra visão para o trabalho de combate à pandemia em causa.

Parece válido se imaginar, com muita convicção, que muitas vidas poderiam ter sido evitadas caso o titular da pasta da Saúde fosse realmente um especialista em saúde pública, com formação em Medicina, porque ele poderia ter buscado, diante do caos da saúde, durante a ausência desse valioso profissional, mecanismos e instrumentos com capacidade para se evitar ou minimizar a enorme extensão desse desastre humano, que massacrou e continua infernizando a população sob o mesmo ritmo depois da implantação do protocolo da cloroquina, quando, a partir de então, nada mais foi criado, imaginado ou implantado para combate à gravidade da incidência dessa desgraça do Covid-19.

Qualquer governo, com o mínimo de competência e com o pouco de preocupação com a saúde da população, certamente teria se articulado para que a sua equipe da saúde pública tivesse insistido e investido na busca de outras medidas experimentais, mesmo que não levassem a resultado algum, mas somente a vontade de iniciativa já demonstraria que ele não tivesse ficado absolutamente conformado com os desígnios de Deus, à espera de milagres celestiais caídos do céu, porque é da natureza do governo cuidar da saúde pública e todo esforço ainda é pouco, quando se encontra em jogo a saúde de pessoas.

Enfim, fica muito claro que a efetivação do ministro da Saúde tem por propósito atender à vontade da subserviência dele ao governo, por evidente demonstração da cega obediência ao presidente, quando, ao contrário, o interesse público tem por finalidade a exclusiva aderência do titular da pasta à efetividade do seu trabalho, em termos da plena satisfatoriedade do bem comum da população.

À toda evidência, neste caso, suscita-se a ilação natural e inevitável de que o governo está muito mais consciente de que o seu nível de relacionamento com o titular da pasta da Saúde é muito mais importante do que propriamente a eficiência que certamente seria alcançada se estivesse no seu comando um profissional que realmente entenda, em princípio, das demandas institucionais do órgão, em condições não somente de atendê-las da melhor maneira segundo a sua competência constitucional, além de contar que o conhecimento dele poderia contribuir para alternativa muito mais interessante para os cuidados da saúde pública por quem conhece do métier.

É extremamente lamentável que o governo tenha mentalidade muita estreita para tratar de assunto da maior importância para a população, porque quem está no joga é a vida dos brasileiros, que bem merece atenção e cuidados dignos e compatíveis com a sua grandeza, no sentido de que fossem priorizadas pelo governo as políticas de saúde pública, nas amplas possibilidades para a sua melhor formulação, com absoluto e total desprezo aos critérios de confiança e amizade, porque isso tem caráter apenas pessoal, enquanto aos trabalhos do Ministério da Saúde têm a responsabilidade maior do atendimento ao interesse público.

Diante do exposto e das circunstâncias, parece ter plena pertinência que brasileiros possam protestar contra o conformismo do governo com a normalidade da gestão da saúde pública, apenas no sentido de se satisfazer com a ausência de conflitos entre o titular do Palácio do Planalto com o ministro da pasta, conquanto milhares de mortes continuam acontecendo sem que novas iniciativas governamentais sejam esboçadas na tentativa da busca de novas medidas de combate ao temível Covid-19.

          Brasília, em 15 de setembro de 2020

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