domingo, 18 de outubro de 2020

Fratelli tutti

“O Senhor e Pai da humanidade infundi nos nossos corações um espírito de irmão. Inspira-nos um sonho de novo encontro de diálogo, justiça e paz.”. papa Francisco

 

A encíclica é a categoria máxima das cartas que o papa escreve e a expressão “Fratelli tutti” (todos irmãos) volta-se para as mensagens escritas por São Francisco de Assis, o religioso italiano que serviu de inspiração para o atual pontificado, na escolha do nome desse famoso santo para o titular do trono de São Pedro.

A terceira encíclica do papa, com o título Fratelli tutti (Todos irmãos), publicada no dia de São Francisco – 4 de outubro -, faz denúncia sobre as desigualdades sociais e o “vírus do individualismo”, além de pedir o fim “do dogma neoliberal” e defender a fraternidade “com atos e não apenas com palavras”.

O pontífice enfatiza os importantes temas sociais mencionados ao longo do seu pontificado e aproveita para refletir acerca do mundo que se transformou por força da pandemia do novo coronavírus.

O papa condena o “dogma neoliberal”, por considerar que ele é  pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas diante de qualquer desafio que se apresente”.

O papa repete tudo o que tem dito nas suas viagens ao redor do mundo, em especial que “A especulação financeira com o lucro fácil, como objetivo fundamental, continua provocando estragos” e adverte que “o vírus do individualismo radical é o vírus mais difícil de derrotar. É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos”.

O papa reivindica o direito do ser humano de puder viver “com dignidade e desenvolver-se plenamente e recorda que a pandemia evidenciou a incapacidade dos dirigentes de atuar em conjunto em um mundo falsamente globalizado.”.

Ele disse que “A fragilidade dos sistemas mundiais diante das pandemias evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”.

O papa lamenta que as pessoas mais velhas tenham sido sacrificadas, ao afirmar que “Vimos o que aconteceu com as pessoas mais velhas em alguns lugares do mundo por causa do coronavírus. Não tinham que morrer assim (…) cruelmente descartados”.

Na avaliação papal, “Às vezes deixa-me triste o fato de, apesar de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência. Hoje, com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia, não temos desculpas”.

Com relação à pena de morte, o papa disse que “Hoje, afirmamos com clareza que ‘a pena de morte é inadmissível’ e a Igreja compromete-se decididamente a propor que seja abolida em todo o mundo. Todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje a lutar não só pela abolição da pena de morte, legal ou ilegal, em todas as suas formas, mas também para melhorar as condições carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade. E relaciono isto com a prisão perpétua”.

Ele disse que “Também não devemos esquecer as perseguições, o comércio dos escravos e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em vários países, e tantos outros factos históricos que nos fazem envergonhar de sermos humanos”.

O papa realça que os cristãos precisam amar a todos, inclusive os seus inimigos, mas deixou claro que “amar um opressor não significa consentir que continue a ser tal nem o levar a pensar que é aceitável o que faz.”.

Nesse documento com característica eminentemente social, o papa pede atenção para nova ética nas relações internacionais e espera e confia que “Uma sociedade fraternal será aquela que conseguir promover a educação para o diálogo com o objetivo de derrotar o ‘vírus do individualismo radical’ e permitir que todos deem o melhor de si mesmos”.

No texto da encíclica, o papa, ao discorrer sobre a convivência de diferentes culturas, mencionou o compositor, poeta e diplomata brasileiro Vinicius de Moraes, ao citar trecho da letra da música Samba da Bênção, que diz que “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, na tentativa de estimular a cultura do estreitamento das relações sociais, como forma de mostrar que todos podem contribuir, de alguma forma, com uma parcela importante para o desenvolvimento da humanidade.

O papa parafraseia São Francisco de Assis, no título da sua carta ao mundo – Fratelli Tutti –, na tentativa de recuperar a fraternidade como sentimento principal nas relações entre os seres humanos e mostrar o testemunho do mundo castigado e ferido e acena para caminhos a serem enfrentados, à vista dos dilemas contemporâneos apontados por ele, que imagina que seja preciso atenção especial para o amor e o cuidado com as pessoas vulneráveis.  

Causa espécie que o santo para, em encíclica tão importante, em termos sociais, não tenha se dedicado à condenação do regime genocida do socialismo/comunista, onde a disparidade social é simplesmente abissal, os direitos humanos são inexistentes, a democracia nem se fale e o ser humano é tratado como lixo da sua espécie, a exemplo do que acontece normalmente nos países como Cuba, China, Venezuela, Korea do Norte e outras nações que adotam o regime socialista/comunista.

Em se tratando de documento intitulado “Todos irmãos” ou, se quiserem, Fratelli tutti, seria muito importante que o santo pontífice discorresse também sobre a situação de penúria desses pobres povos irmãos, fato este que dá a entender que estes seres humanos deixaram de ser irmãos, há bastante tempo, talvez porque eles são tratados sob a égide estranha aos princípios cristãos, embora os venezuelanos, os chineses, os cubanos, os coreanos, enfim, todos os homens sejam filhos do mesmo Deus, mesmo que eles não confessem a religião católica, e, diante disso, eles merecem o mesmo tratamento, inclusive na concepção dos conceitos anunciados nessa importante encíclica, que tem como alvo central “todos os irmãos”.

Não se sabe se é da competência, sob os dogmas da Igreja Romana, de o papa somente se achar no direito de criticar à mancheia, em documento oficial, os outros sistemas diferentes do regime socialista, que até teria bastantes motivos para serem denunciados, à luz dos princípios defendidos pela igreja de Jesus Cristo, em termos de defesa dos direitos humanos e dos princípios de liberdade de expressão.

Nessa minha linha de pensamento, alguns especialistas afirmaram que, ao se trazer a visão do papa “para um mundo pós-pandemia, só faltou a encíclica pedir socialismo já.”, diante da sua veemente defesa dos princípios fundamentais das condições de igualdade social, sem atentar-se para as tragédias sociais que acontecem normalmente na execução das políticas truculentas pelos brutamontes ditadores que comandam as nações sob o famigerado regime socialista/comunista.

Percebe-se que, a par de tantas críticas e acusações debulhadas sobre as mazelas do chamado mundo chamado “imperialista”, o papa apresentou sugestões genéricas como forma de resolver as fragilidades do mundo globalizado e considerado, por ele, prejudicial ao desenvolvimento da humanidade.

Cabe importante crítica à encíclica Fratelli tutti, que pode ter sido bastante feliz em apontar as distorções que imperam na humanidade, em especial, no que se refere às desigualdades sociais, mas o papa poderia ter oferecido, como especial e relevante cardápio pontifício, as sugestões necessárias e adequadas ao saneamento das graves questões elencadas por ele ou até mesmo à minimização de seus efeitos, à vista da importância do peso da autoridade que acena para o caminho do entendimento e da solução.

Nessa encíclica, o papa propõe a criação de fundo mundial contra a fome, que seria financiado “Com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um Fundo Mundial, para acabar de vez com a forme e para o desenvolvimento dos países mais pobres”.

Nessa questão, aproveitando a referida sugestão papal, que é da maior importância mundial, convém, ao meu sentir, que as nações resolvam criar o Fundo Internacional da Solidariedade, a ser administrado e gerenciado pela Organização das Nações Unidas, tendo por finalidade amparar as situações consideradas de calamidade pública e que se encontrariam dificuldades para o seu provimento em casos emergenciais de socorros humanitários.

Enfim, o pontífice se esforça na identificação do mundo cheio de conflitos sociais e econômicos, com destaque para o individualismo e a especulação financeira e o lucro fácil, fatos estes que, a bem da verdade, são próprios da evolução da humanidade e que se caracterizam como algo estranho ao mundo da Igreja Católica, em especial no que se refere à sua ala conservadora, que continua apegada aos seus dogmas imutáveis e prejudiciais à instituição, que têm dificuldade no acompanhamento da modernidade e do desenvolvimento da humanidade.

É bem verdade que os princípios da dignidade humana estão sendo prejudicados por essa nova filosofia, onde prevalece o desejo da individualidade, ficando à margem a justiça para todos e isso foge aos princípios defendidos pela Igreja Católica, na pessoa do papa, que busca a contemplação da solidariedade e da confraternização entre as pessoas.

À toda evidência, é muito louvável que o papa tenha se manifestado em momento de difícil transitoriedade mundial, em razão da pandemia do novo coronavírus, mostrando as desvantagens dos desequilíbrios e das desigualdades sociais, sob o império da ganância do capitalismo e do lucro fácil, o que é verdade, mas não se pode ignorar que isso se insere na própria evolução do ser humano, que tem sido ignorado pela Igreja Católica, que resiste ao tempo, em não pensar também na sua modernização.

De um modo geral e especial o documento papal tem afeição própria de verdadeiro vale de lágrimas combinado com a contemplação ao muro das lamentações, em que ele enfatiza o individualismo, a especulação financeira, o lucro fácil e outras atividades que foram enquadradas como o “dogma do neoliberalismo”, ao pedir o seu fim.

Brasília, em 18 de outubro de 2020  

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