Tramita no Senado Federal proposta de emenda à
Constituição - PEC, versando basicamente sobre a limitação de dez anos para o mandato
dos futuros ministros do Supremo Tribunal Federal, que forem indicados pelo
próximo presidente da República.
A aludida PEC também sinaliza para a restrição do
poder de escolha do presidente do país para as vagas, que passará a ser feita
com base em lista tríplice, entre juristas de renome e competência comprovados,
de modo que possa ser evidenciado o devido mérito para o exercício de cargo da
maior relevância da República.
O autor da presente PEC apresentou a seguinte
justificativa: "A vitaliciedade do cargo traz vários riscos à estabilidade
institucional. Por essa regra, alguns ministros ocupam a vaga por poucos anos,
outros poderão exercer o cargo por décadas".
Embora o presidente do país ainda possa indicar
outro ministro para o Supremo, essa escolha ainda estaria dentro das regras
atuais, ficando mantida a vitaliciedade no cargo até o titular completar 75 anos,
a qual somente seria mudada a partir do próximo presidente do país.
No sistema atual, a escolha do ministro é feita
privativamente pelo chefe do Executivo, conforme a práxis, com base tão somente
nos critérios de amizade, apadrinhamento, camaradagem, troca de favores e outros
que se harmonizem com a conveniência e o interesse do mandatário, ou seja, desde
que atenda ao interesse dele, como visto na última indicação.
Foi verificado que a última indicação não fugiu à
indecente e à condenável regra, visto que até o filho do presidente, que é
senador e tem processo em tramitação na
Corte, participou dela, deixando a evidência de extrema falta de seriedade nessa
seleção, em que não será novidade alguma se o novo ministro precisar pagar pelo
relevante pedágio, caso em que fica no mesmo, porque tudo passa a ser considerado
natural, diante das circunstâncias e do que vem sendo praticado naquele tribunal,
diante de decisões que se harmonizam apenas com a ideologia de seus relatores.
A regra que se cogita é de suma importância para se
tentar assegurar a segurança jurídica, no sentido de também não se subtrair competência
do atual presidente, durante o seu mandato, eis que essa é norma jurídica que
precisa ser mantida e respeitada.
Por seu turno, o presidente do país já antecipou
seu critério para a escolha do próximo ministro do Supremo, tendo garantido que
será brasileiro "terrivelmente evangélico", ou seja, deverá
ser indicação absolutamente absurda e sem sentido, à vista, em especial, da
existência do princípio republicano da impessoalidade, que tem como pressuposto
fundamental a seriedade na administração pública.
A referida regra será inobservada quando o
presidente do país já disse que vai indicar integrante de entidade evangélica,
demonstrando total parcialidade e beneficiamento indevidos, ilegais e imorais,
diante da evidenciação do claro desvio do regramento institucional de que a indicação
seja de nome reconhecidamente com capacidade jurídica.
Não à toa que a garantia de um integrante evangélico
no Supremo se torna ainda mais vexaminosa e inescrupulosa diante do sufoco que
o presidente teve que enfrentar perante os evangélicos, por meio de violentas
pressões, em razão da impossibilidade do atendimento deles nesta última indicação,
quando ela foi feita com o beneplácito do famigerado Centrão, que se coalizou
com Palácio do Planalto e, pasmem, o presidente da República passou a ser refém
desse grupo político, que tem o descrédito da sociedade.
Diante dos fatos inescrupulosos e lamentáveis, fica
a impressão de que vai ser muito difícil de o Supremo passar a ter o corpo de
ministros confiável, de absoluta credibilidade, enquanto o presidente da
República ficar com a liberdade de indicar quem ele bem entender, mesmo que
seja pessoa qualificada, porque algum resquício de ruim permanece para o resto
da vida, à vista do questionável critério de indicação.
Vejam-se que o evangélico vai ser indicado tão somente
para satisfazer a ala a que ele pertence e esse triste fato tem o nome seboso,
nojento e pegajoso de jeitinho brasileiro, que foge às salutares regras da seriedade
e da moralidade, que precisam imperar como forma de respeito à liturgia da dignidade
do ocupante do principal cargo da República e tanto quanto do próprio indicado,
que vai carregar para o resto da vida o sinete de que ele somente foi para o Supremo
porque é “terrivelmente evangélico” e isso é terrivelmente depreciativo, à luz
dos princípios da seriedade e da dignidade profissionais.
O rigor com a seriedade e a moralidade nos atos
administrativos é princípio fundamental nas Repúblicas evoluídas e cônscias da
sua responsabilidade, que primam pelo respeito ao regramento jurídico pátrio,
mas quando o principal agente público vacila em ser cediço ao apelo de entidade
religiosa, como faz publicamente o presidente do país, toda seriedade se dilui
em pó.
Nada se convence em contrário, mesmo que se “decrete”
a inexistência de corrupção no governo, porque não pode haver coisa pior do que
a inclinação à satisfação de interesses contrariados, como no caso específico levantado
pelos evangélicos, que até eles podem se manifestar normalmente por pressão ao mandatário
da nação, no âmbito dos direitos da reivindicação democrática, mas o atendimento
ao pleito certamente não atende, à toda evidência, ao interesse público, que é
princípio fundamental na República.
Essa forma frágil de gestão pública, de atendimento
aos apelos e às pressões de entidades de classe, tem o caráter de extrema fidelidade
à falta de seriedade e de zelo para com a coisa pública, diante da intenção de
beneficiamento a grupos, em detrimento do interesse público, fato este que tem
o visível condão de resgatar as deploráveis práticas da velha política, antes
duramente condenadas e recriminadas pelo ocupante do trono presidencial.
É evidente que a falta de seriedade e o explícito descompromisso
com a coisa pública, na forma infantilmente declarada pelo chefe do Executivo, quanto
à escolha do evangélico, precisam ser repudiados pelos brasileiros honrados,
que primam pela dignidade nos atos da República, eis que fica difícil se exigir
integridade de caráter e isentos dos membros do Supremo Tribunal Federal,
quando as suas indicações são feitas, muitas vezes, sem critério e sem o devido
mérito para o exercício do relevante cargo, ou quando a sua indicação é apenas pro
forma, para satisfazer exigência de entidade religiosa ou assemelhada, em
completa sintonia com os inadmissíveis princípios da esculhambação e da falta
de seriedade com a res publica.
Brasília,
em 21 de outubro de 2020
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