sábado, 3 de outubro de 2020

Por que não só o mérito pessoal?

 

O presidente da República ficou bastante irritado depois das críticas à indicação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo reclamado dos ataques recebidos pela escolha e desabafou: “Ou confia em mim, ou não confia.”.

O presidente brasileiro se dirigiu tendo por endereço importante pastor do Rio de Janeiro, que vem tecendo duras críticas a ele, pelas redes sociais, em razão da aludida indicação.

Sem citar nome, o presidente, visivelmente contrariado, disse: “Lamento muito. Uma autoridade lá, no Rio, alguém que eu prezava muito, está me criticando muito, com videozinhos, e me xingando de tudo quanto é coisa porque eu escolhi para ir para o Supremo. E está mantido, a não ser que haja um fato novo, gravíssimo, contra ele. E, pelo que tudo indica, não tem. Ele vai para o Supremo. Agora, é uma covardia o que estão fazendo com ele”.

O mencionado pastor veicula vídeo, em suas redes sociais, afirmando, verbis: “O absurdo vergonhoso da primeira indicação do presidente Bolsonaro para ministro do STF.”.

          O religioso disse, ainda, com muita veemência, ipsis litteris: "Meu presidente, com todo o respeito, como é que o senhor vai indicar um cara para o STF nomeado por Dilma, amigo da petralhada, com posições socialistas. É uma decepção geral. O senhor está colocando um camarada que atende o centrão, o PT e a esquerda".

O pastor também declarou nas redes sociais que “SÓ PODE SER PIADA PRESIDENTE! O 1° nomeado por Bolsonaro é um petista. O camarada foi nomeado por Dilma, ligado a vários petralhas, defendeu o terrorista assassino Cesar Batisti. O PT , TODA A ESQUERDA, O CENTRÃO E CORRUPTOS CONTRA A LAVA JATO COMEMORAM! VERGONHA TOTAL!”.

Em meio aos ataques, o presidente do país tenta se justificar, afirmando que “Essa infâmia que essa autoridade lá no Rio está fazendo contra o Kassio é uma covardia. Até porque, ele está fazendo porque queria que eu colocasse um indicado por ele. Com todo respeito, o presidente sou eu. Eu não tenho cabeça dura, não. Eu volto atrás em decisões minhas, mas essa decisão é crucial para mim”.

O presidente disse que “o que mais dói é que os ataques venham de uma autoridade que diz que tem Deus no coração”, se referindo ao pastor.

Não obstante, o presidente não teve o mínimo de condescendência para com o seu aliado de primeira hora, ao afirmar, sem meias palavras, que o pastor “É um covarde o cara que faz uma acusação dessas. Todo mundo tem defeito. Agora, que esse defeito cause mal só a você. Não fique querendo estender isso para todo mundo. Então, estou chateado sim. O pessoal que me apoia virando as costas, não tem problema – lamento. O voto é um direito dele; até não ir votar é um direito dele. Agora, tudo ver defeito…”.

Nesse lamentável episódio, o presidente se portou com extrema insensibilidade, em termos de gratidão, ao se dirigir ao pastor que tanto se expôs em veementes defesas dele, fazendo manifestações as mais corajosas, mostrando a sua lealdade ao mandatário do país, que agora se achou no direito de criticá-lo.

Muitos apoiadores bolsonaristas mandaram mensagem para o presidente, nas redes sociais, questionando e lamentando a escolha feita por ele, sendo que um dos quais foi muito enfático ao afirmar: “Presidente, a quantidade de fiéis apoiadores ao senhor e ao seu governo, que estão indignados com a indicação para a próxima vaga do STF, é quase de 100%. Eu confio no senhor, por isso peço que tenha cuidado em não desperdiçar a chance de um STF compatível com os anseios do povo”.

Dificilmente, eu ouço esse religioso, justamente devido às suas arraigadas posições em defesa do presidente do pais, mas, desta feita, bati demorada continência para o discurso dele, por também entender que o presidente apenas e tão somente vendeu a alma ao diabo, sem o menor remorso e por precinho irrisório, tendo em mira objetivos nada republicanos, diante da possibilidade de o novo ministro puder fazer as vezes de defensor, como contrapartida pelo favor da indicação, das causas presidenciais no Supremo e isso é ruim e fede horrores, em se tratando que isso não foge à contestável tradição, de a indicação de ministro seguir a “praxe” do apadrinhamento, que parece ser o caso.

Era de se esperar que a primeira indicação para ministro do Supremo privilegiasse exclusivamente os clássicos critérios constitucionais de notório saber jurídico e destacados conhecimentos e trabalhos no mundo jurídico, sem os questionamentos suscitados pelos próprios bolsonaristas, a demonstrarem plena insatisfação.

Esperava-se que o ministro indicado tivesse total apoio da sociedade que elegeu o presidente para que ele operasse efetivas mudanças na administração do país, inclusive no tão criticado funcionamento da Suprema Corte de Justiça, que e composta por membros indicados sob a forma de recriminável apadrinhamento de autoridades influentes, como nesse caso, em que, segundo se afirmam, a escolha partiu de um senador do Piauí, um dos líderes do abominável Centrão, de triste reputação no Congresso Nacional, por seu envolvimento nas irregularidades investigadas pela Operação Lava-Jato, cujos processos estão mofando no Supremo, aguardando a prescrição das respectivas ações.

Sem a menor dúvida, o presidente da República tinha tudo para não precisar se irritar desnecessariamente, se tivesse escolhido o ministro com os atributos perfeitamente em sintonia com os princípios republicanos de insuspeitabilidade, com imunidade aos deploráveis ranços herdados de governos anteriores, conforme mostram os fatos, em que muitos dos ministros atuais têm a mesma ideologia daqueles que os indicaram e decidem exatamente em sintonia com os interesses deles e isso é fato comprovado, o que somente evidencia atraso na concepção de evolução e despreocupação com o desenvolvimento da humanidade.   

O presidente do pais perde excelente oportunidade para mostrar que tem interesse na moralização e modernização dos princípios republicanos, ao nomear o ministro do Supremo sob a rigorosa observância do modelo de jurista que preenchesse o perfil exigido para o cargo, como assim esperava a sociedade, que tanto critica a promiscuidade que a escolha sempre há de satisfazer interesses escusos.

          É evidente que, a partir da união do presidente com o seboso Centrão, quando então ele mandou a dignidade cívico-administrativa para o espaço sideral e passou e a conviver normalmente no seio da lama pútrida dos interesse desse grupo político, não tem mais dúvidas de que, não só a vaca, mas a boiada havia ido literalmente não para o brejo, como nesse caso, em que o presidente apenas endossa a indicação de nome por líder desse grupo para ocupar o cargo de ministro, que até pode se tratar de servidor excelente, mas só o fato de ser indicado por parlamentar investigado pela Operação Lava-Jato, certamente tem algo preocupante nesse processo.

Essa indicação, nas circunstâncias, representa apenas a materialização de ato que autêntica a confirmação da perda definitiva da dignidade do mandatário supremo da República, que passa a se equivaler a qualquer reles insignificante integrante do Centrão, tendo-se o sentimento de que o novo ministro se identifica com as ideias daquele grupo político e isso causa algo muito ruim e extremamente desagradável, à luz dos princípios da imparcialidade e da moralidade.

Enfim, não se pode fazer juízo de valor sobre os fatos que pouco são conhecidos, mas a indicação para o cargo da maior relevância de ministro do Supremo Tribunal Federal exige a adoção de critérios extremamente independentes do alcance das autoridades da República, de modo que ele fosse escolhido por alguma forma de mérito exclusivamente por instrumento de inviolabilidade que não se permitisse senão a influência das próprias aptidões, como a comprovação de conhecimentos e capacidade, por meio de provas e provas de títulos, teses etc., para o pleno exercício do cargo com totais independência e liberdade de agir e decidir em estrita sintonia com os ditames jurídicos.

Brasília, em 3 de outubro de 2020  

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